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12/08/2019 às 07h47min - Atualizada em 12/08/2019 às 07h47min

Falência da Encol completa 20 anos e trabalhadores ainda correm atrás dos prejuízos em Uberlândia

Construtora, considerada uma das maiores do país, fechou em 1.999 e deixou 23 mil pessoas desempregadas

SÍLVIO AZEVEDO
Empresa deixou cerca de 710 obras inacabadas | Foto: Sílvio Azevedo
“Mesmo como vendedor, eu acreditava tanto na Encol, que comprei quatro apartamentos. Na ocasião, eu peguei os imóveis, um tinha 30% prontos. O outro tinha 15%. Os outros dois estavam na planta. Ficou uma situação difícil”. O depoimento do corretor de imóveis Anderson Evangelista poderia ser de qualquer pessoa que tenha sofrido prejuízo com a falência da Encol. Mas além de cliente, ele era corretor de imóveis da construtora.

O ano era 1999. Depois de vários meses de derrocadas provocadas por escândalos de corrupção e má gestão administrativa, a construtora Encol, considerada uma das maiores do país, decretou falência, deixando cerca de 710 obras inacabadas, 23 mil pessoas desempregadas e 42 mil famílias questionando se o sonho do apartamento próprio se tornaria um pesadelo. A dívida da empresa era de aproximadamente R$ 2,5 bilhões. O processo se arrasta até hoje e a previsão é que seja finalizado até 2020.

Em Uberlândia, após o encerramento das atividades, a Encol deixou 37 imóveis com 1921 unidades de apartamentos inacabados. Um desespero para as famílias que adquiriram um bem, depositando toda sua confiança e investindo muito dinheiro na construtora.
Entre os prédios inacabados estão o San Petrus, da rua XV de Novembro, deixado com 24% de obra concluída, o L’atelier, na esquina da rua Goiás com a Av. Floriano Peixoto, com 15% de conclusão, e o Carmo Residence, no cruzamento entre a rua Tenente Virmondes e a Av. Rio Branco, com 14% de obra realizada. Todos os três no Centro da cidade.

De acordo com o responsável pelo Departamento da Carteira de Cobrança da Massa Falida da Encol, Paulo Leão da Cunha, a questão dos mutuários é a única que já foi resolvida dentro do processo de falência da empresa, com todos os apartamentos entregues para associações formadas por compradores para que terminassem as obras por conta própria.

“Todos os apartamentos já foram repassados e escriturados para que os condôminos terminassem as obras. Há os casos em que as obras estavam com pouco avanço e a Encol devolveu o terreno para o dono, porque ela não comprava os terrenos, ela fazia permuta em troca de apartamentos”, disse.

Outro caso de mutuários prejudicados são os que compraram o apartamento na planta e que a obra mal começou e o terreno foi devolvido ao dono. Nesses casos, a pessoa habilitava o crédito na massa falida e tinha de esperar a ordem de credores. “Se o juiz classificasse o crédito como privilégio geral, quando terminar os acertos trabalhistas, vem os acertos com privilégio geral, quirografários. Aí tem a ordem de credores de uma falência. Mas é o juiz que vai detalhar a habilitação dele”, explicou Cunha.

Paulo Cunha alerta que tem muita gente que não escriturou o imóvel e faz um alerta. “Quem tem imóvel no nome da Encol tem que procurar a Massa para poder escriturar, pois a empresa está em processo final de falência. Depois que ela fechar, vai ser muito difícil de a pessoa registrar. Hoje, ela pode requerer aqui sem advogado, se tiver a documentação certinha confirmando a propriedade, o síndico está autorizado a passar a escritura. Depois que acabar o prazo, a pessoa tem que entrar com alvará, pagar advogado e fica muito mais caro.”

OBRAS TERMINADAS
Condomínio San Francisco foi concluído em 2007 após compradores contratarem empresa para tocar obra | Foto: Sílvio Azevedo


Como explicado por Cunha, muitos compradores formaram associações para poder concluir as obras deixadas pela Encol. Uma dessas construções é o edifício San Francisco, que fica na rua Princesa Isabel, no Centro de Uberlândia. 

Síndica desde que começou a habitação no prédio, a professora aposentada Dilma de Paula Segatto percebeu que havia alguma coisa errada com a Encol quando o modelo de negociação da empresa passou a aceitar troca de bens, como carros. “Muitos compradores já tinham quitado os apartamentos e havia uma proposta de previsão de entrega. Vimos que havia coisa errada quando começaram a aceitar troca, uma verdadeira permuta. Percebemos que ela [a Encol] não tinha caixa, estava falindo. De repente, o escritório da Encol, que ficava na Av. Rio Branco, fechou.”

Após o fim do escritório, o prédio ficou fechado muito tempo, com os mutuários aguardando alguma medida do governo ou proposta, o que não aconteceu. Com isso, muitas pessoas começaram a invadir e ocupar os andares que já estavam com lajes prontas, preocupando moradores do entorno. Foi quando os compradores conseguiram marcar uma reunião entre eles.

“Foi muito conturbada, com todo mundo revoltado sem ter a quem reclamar. Pensamos em arrumar um advogado, que foi em Goiânia para ver como estava a situação do prédio na Massa Falida da Encol. Então tinha que tirar de lá. Naquela época alguém já tinha feito isso. A exemplo deles, fizemos a mesma coisa e tiramos nosso prédio da Massa Falida”.

Após a retirada da massa falida, era hora de recomeçar as obras e realizar o rateio entre os condôminos. “Eram 68 apartamentos, com unidades sem vender e unidades que nem estavam sendo pagas para a Encol. Então cada um pagou na proporção ao que já tinha sido pago. Eu, que já havia quitado, paguei menos do que quem só tinha pago a metade do apartamento, por exemplo. Todo mês nós pagávamos, até a conclusão do prédio”, lembrou Dilma Segatto.

A primeira medida foi chamar o departamento de engenharia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) para fazer uma avaliação de perdas da estrutura e o que poderia ser aproveitado ou não. “Em seguida buscamos uma construtora de Uberlândia para recomeçar a obra. Tínhamos medo de cair na mão de outro malandro e essa empresa era muito respeitada”, disse a aposentada.

Durante a empreitada, muitos percalços, mas nada que tirasse a vontade de ver pronto o apartamento que comprou para morar. “Tivemos trabalhador que nos roubou, proprietário que estava desempregado, pediu emprego, que nós demos, e queria vender apartamento escondido da gente. Tivemos que contar com ajuda do advogado para fazê-lo devolver o dinheiro para o condomínio.”
Todos os imóveis que não tinham sido vendidos pela Encol foram repassados para a Associação de Mutuários do San Francisco, fundada pelos moradores, e usados para fazer caixa. “Trocamos apartamentos com empresas que forneciam materiais de construção. Era um trabalho árduo. Vivíamos por conta de fazer com que a obra fosse finalizada. O dia que estava terminando foi de muita alegria. Mudamos muita coisa que tinha o padrão Encol, nós melhoramos”, disse.

Depois de 11 anos de obras, o prédio foi habitado em 2007. “Nós rezamos tanto. Deus foi muito bom conosco, que nós conseguimos terminar, manter e foi tudo bem feito”, finalizou.
 
MERCADO
Empresário Paulo Sérgio Ferreira era sócio da Eldorado, que retomou 5 empreendimentos da Encol | Foto: Divulgação
 
A falência da Encol acabou abrindo portas para novos negócios de outras construtoras. Uma delas, a Eldorado, foi contratada para retomar as obras de cinco empreendimentos.

“Foi uma grande oportunidade de mercado naquela época. Fomos atrás de proprietários e conseguimos mobilizar algumas associações para terminar as obras”, lembrou o engenheiro Paulo Sérgio Ferreira, sócio da Eldorado Construtora, que em 2003 foi dividida em duas empresas, El Global e Conel.

Com essas investidas e novas obras, Paulo Sérgio lembra que a Eldorado, que tinha 100 funcionários em cada construção, estima ter gerado cerca de 300 empregos. “Nós não fazíamos investimento. Trabalhávamos na parte de organização, estruturação e gerenciamento da obra. Nós pegávamos os recursos dos condôminos, da associação e aplicávamos na obra. Fazíamos a gestão para que os valores fossem o suficiente para terminar a construção”, afirmou.

Apesar dos problemas que levaram à falência da empresa, Paulo Sérgio lembra do avanço que a Encol trouxe para a construção civil no Brasil.

 “Tecnologicamente, a Encol trouxe uma revolução na década de 90. Foi no mundo e viu o que tinha de mais moderno e trouxe para seus empreendimentos no Brasil. Em todos os prédios que nós assumimos para terminar foi feita uma análise estrutural, técnica, um relatório técnico muito criterioso. Não tivemos problemas estruturais e técnicos em nenhum e as técnicas utilizadas pela Encol foram inovadores e são usadas até hoje”, explicou Paulo Sérgio.

Para ele, uma virada no mercado e o descrédito dos bancos com a Encol foi um dos pontos que levaram a empresa a falir. A empresa cresceu muito e teve um descontrole financeiro. “Ela fez muita permuta. Começou a fazer coisas que não eram habituais e isso prejudicou muito o fundo de caixa dela.”
 
RESCISÃO
Corretor Anderson Evangelista ainda não recebeu valores de rescisão da Encol | Foto: Sílvio Azevedo
 
Foram muitos trabalhadores que ficaram desempregados da noite para o dia com o fechamento da Encol. O corretor Anderson Evangelista foi um deles. Após quatro anos de empresa, ele precisou ir à Justiça para receber o acerto trabalhista.

Quando estourou a falência, entrou tudo para a massa falida e meus acertos não aconteceram a princípio. No ano de 2000 eu consegui receber 30% do que tinha para receber. No final do ano retrasado, consegui mais uma parte, por vias judiciais. Ainda ficou algum valor para trás, mas acredito que não vou receber. Demorou uns 20 anos para eu receber mais ou menos 60% do que tenho direito. Mas vamos ver o que acontece”, disse.

Além dos problemas trabalhistas, Evangelista ficou sem os quatro imóveis que tinha adquirido. Dois deles ainda estavam na planta, e os terrenos das obras foram devolvidos para os antigos proprietários. As outras duas unidades, já em obras, foram vendidas por valores menores ao pago, de forma integral. 

“Mesmo com prejuízo, consegui negociar um apartamento com uma construtora, que me ressarciu em torno de 60% do que eu tinha investido e terminou a obra por conta própria. O outro foi no Santa Mônica, e aconteceu a mesma coisa, mas para um terceiro. Ele comprou barato, pois eu não tinha condições de tocar a obra”, lembra Anderson Evangelista.

De acordo com Paulo Leão, da Massa Falida Encol, foram mais de 10 mil funcionários que entraram na Justiça e receberam o acerto. Muita gente, no entanto, ainda não deu entrada para receber e Leão garante que a empresa tem recursos para tal. “A Encol tem o suficiente para pagar a parte trabalhista todinha. Tem gente até hoje está com seu crédito parado na Vara de Uberlândia e não se atenta em habilitar aqui na massa para poder receber”, disse.

Para poder receber o acerto, o trabalhador deve entrar na Justiça Trabalhista para que o crédito seja apurado e habilitado na 11ª Vara Cível, em Goiânia.

Apesar do número de funcionários que já receberam o acerto, ainda há várias ações na justiça de pessoas que estão requerendo a correção desse valor, que foi pago só até o momento da quebra da empresa, e não com base na realidade atual. “A Encol reconhece isso, mas é o índice que está sendo discutido. A Encol pagava pela Taxa Referencial (TR) e houve decisões sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e outras sobre a TR. Então a decisão já chegou em Brasília para ser marcada. Enquanto isso, quem quiser receber pela TR, que é um índice menor, é só habilitar na massa e receber”, finalizou Paulo Leão.

ATUALIZAÇÃO
No dia 16 de julho deste ano, foi publicado um documento com um novo chamado autorizando o pagamento da parte incontroversa dos créditos trabalhistas utilizando a TR como fator de atualização. Foi uma decisão do juiz titular da 11ª Vara Cível de Goiânia (GO), Jenônimo Villas Boas. O material foi publicado no site da Massa Falida da Encol. Os credores interessados em receber dentro dos termos propostos já podem levar os documentos que constam na publicação na no endereço da empresa, que fica obrigada a realizar o pagamento em um prazo de até 60 dias.
 
O CASO
A Encol foi uma construtora fundada em 1961 pelo engenheiro Pedro Paulo de Souza, na cidade de Goiânia. Com um sistema de vendas diversificado, com facilidades na forma de pagamento, como parcelamentos, utilização de veículos, imóveis e até mesmo a linha telefônica, que na época valia muito dinheiro, a empresa se tornou uma das maiores no mundo no setor da construção civil.

Mas o modelo de gestão pouco eficiente, juntamente com problemas de sonegação fiscal e desvios de dinheiro, saquearam o patrimônio da empresa, que não conseguiu honrar seus compromissos e acabou decretando falência em 1999.

Antes da falência, dezenas de bancos credores da construtora tentaram achar uma solução para salvar a empresa, mas foi em vão. A dívida era de aproximadamente R$ 2,5 bilhões.

Pedro Paulo foi condenado a 4 anos e dois meses de prisão em regime semiaberto e a 266 dias de multa e chegou a ser preso em abril de 2010 acusado de crime contra o sistema financeiro, mas ficou apenas um dia encarcerado e foi solto após conseguir um habeas corpus. O processo já tinha prescrevido em 2006, pois o engenheiro completou 70 anos de idade.

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