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04/08/2019 às 10h02min - Atualizada em 04/08/2019 às 10h02min

Projeto de Uberlândia sobre inclusão de estudante é premiado em Londres

Instituição internacional reconhece potencial de aplicação de trabalho voltado à inclusão de aluno com deficiência na rede de ensino

VINÍCIUS LEMOS
Coordenadora do projeto, Helga Quagliatto, durante premiação dada pela IPA, em Londres | Foto: Divulgação
Um projeto desenvolvido em Uberlândia para inclusão de um estudante do ensino fundamental com deficiência motora e intelectual foi premiado na Inglaterra como método psicanalítico e cientificamente comprovado, cujo alcance se apresenta como promissor para outras escolas e comunidades mundiais. O trabalho, desenvolvido pelo Laboratório de Investigação Psicanalítica da Infância (Lipi), teve como principal colaboração a equipe da Escola Estadual Marechal Castelo Branco, no bairro Jaraguá, recebeu a premiação dois anos depois de seu início e pode ser uma porta para a verdadeira inclusão que se espera de ambientes escolares.

A história começou ainda em 2017, quando a instituição de ensino recebeu, em uma de suas salas de 6º ano, um jovem de 14 anos com dificuldades motoras e intelectuais, cujo o acompanhamento dos conteúdos e até mesmo sua manutenção em sala de aula eram dificultados. Ele não será identificado nesta reportagem.  “Estávamos diante de um desafio: ignorar ou aprender com a necessidade dele, e procuramos recursos fora da escola”, afirmou a professor de Língua Portuguesa da escola Castelo Branco, Renata Gonçalves Souza.

Foi Nilza Lacerda Inácio, pedagoga e psicóloga da instituição de ensino, que primeiro fez contato com as profissionais do Lipi informando a preocupação em inserir o aluno entre os colegas de sala e no sistema de ensino. “Ele não era alfabetizado e a rede estadual de ensino tem a proposta de inclusão. Precisávamos de recursos para a situação. Eu já tinha contato com as psicólogas [do Laboratório] e procuramos um método para o trabalho”, afirmou Nilza Lacerda.

De acordo com a psicanalista do Lipi e coordenadora do projeto, Helga Quagliatto, a partir do impasse que a escola vivenciava, foi feita uma análise emocional e social, levando em consideração as dificuldades da escola em inserir o jovem no ambiente escolar. Posteriormente, foi proposta uma intervenção envolvendo toda a comunidade escolar, a qual seria desenvolvida em atividades de grupos, em dias letivos e em horários de aulas. Toda a turma do 6º ano participava, além da professora Renata Gonçalves. “Só podemos incluir o diferente se pudermos compreender o que existe de diferente em cada um de nós, podendo assim ‘incluir a inclusão’ [nome do projeto]”, afirmou Helga Quagliatto.

Essas reuniões aconteciam a cada 15 dias, entre os meses de maio e novembro de 2017. “O primeiro trabalho foi o de [fazer] a turma aceitar o diferente”, disse a professora. Mas o trabalho como um todo era maior, de responsabilidade de toda a escola, o que envolvia todos os professores daquela turma, os pais dos estudantes e também os gestores da escola. O corpo docente envolvido com a sala passava a ocupar o lugar de tutores e disseminava as discussões para os demais professores. “Além disso, apresentamos e discutimos indicações de conduta e encaminhamentos aos gestores, que, se necessário, entravam em contato com os pais”, explicou a coordenadora do Lipi.

Ela disse que crianças e adolescentes como o aluno da escola Castelo Branco tendem a apresentar maior vulnerabilidade psíquica e, por isso, a escola precisa de um trabalho interdisciplinar. Nesse sentido, a grande dificuldade é a adequação do trabalho que a escola precisa desenvolver, levando em consideração suas obrigações como instituição do Estado, ao mesmo tempo que precisa atender a necessidade do aluno em questão.

“A forma de intervenção que propusemos exige ser realizada por profissionais com determinadas competências. Sendo assim, acreditamos que investimentos neste projeto poderiam beneficiar a toda a comunidade escolar, trazendo um melhor ambiente relacional dentro da sala de aula, impactando no desenvolvimento da aprendizagem e no lidar com as diferenças e limites do outro”, afirmou Helga Quagliatto.

O RESULTADO
A aproximação deu frutos. Inserido entre os colegas de sala, o jovem, que está no 8º ano, ainda hoje segue estudando na mesma escola e com a maior parte da turma de dois anos atrás, sendo 18 estudantes ao todo. “Ele realmente é um aluno hoje. São amigos, fazem trabalhos juntos. O diferente choca e a grande dificuldade era a aproximação entre a turma e ele. Mas no fim ele foi aceito”, afirmou Renata Gonçalves.

O jovem não foi alfabetizado completamente, ainda que tenha aprendido a escrever e distinguir alguns símbolos. O caminho alternativo para ele foi por meio de atividades com o professor de apoio, de ter a vivência da escola e de fazer exercícios adaptados, com objetivos diretos, como ensina-lo o próprio número do telefone, saber o endereço de casa, se localizar dentro de Uberlândia e até a usar aplicativos de mensagens por áudio.

A escola Marechal Castelo Branco hoje tem sete alunos com necessidades especiais, sendo cinco parecidas com a do estudante citado na reportagem, e mantém intérpretes de libras para dois alunos com surdez, além de ensinar a linguagem para outros alunos da instituição. O colégio tem 800 estudantes ao todo. “É muito benéfico e melhora o trabalho do dia a dia: entender a dificuldade, a limitação e aplicar uma alternativa a ele [estudante]”, afirmou a pedagoga Nilza Lacerda.

PREMIAÇÃO
Além da coordenadora Helga Quagliatto, a equipe de psicólogas do Laboratório de Investigação Psicanalítica da Infância Elisa Freitas, Karollyne Sousa, Ludmilla Chaves, Regiana Lamartine e Tassiana Quagliatto receberam no fim de julho o prêmio concedido pela International Psychoanalytical Association (IPA) em Londres, capital inglesa. O projeto “Incluir a Inclusão” foi reconhecido na categoria Comunidade/Educação durante o 51st IPA Congress 2019.

“Primeiramente, é importante esclarecer que após a promulgação do Plano Nacional de Educação (PNE lei nº 13.005/2014), em que a educação passa a ser um direito de todos, a perspectiva inclusiva foi inserida no ensino regular e fortalecida em 2015 com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. As escolas passaram a ser consideradas um local fundamental para assegurar que as crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação tenham a possibilidade de uma formação integral”, disse Helga Quagliatto.

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