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27/05/2019 às 09h40min - Atualizada em 27/05/2019 às 09h40min

Município de Uberlândia monitora cerca de 50 acumuladores compulsivos

Segundo especialista, eles precisam de acompanhamento psicológico para superar a situação

VINÍCIUS LEMOS
Presença de animais peçonhentos e criadouros do mosquito da dengue é comum em casas de acumuladores | Foto: PMU/Divulgação
É comum que levantamentos sobre quantidades de focos do mosquito Aedes aegypti apontem que maioria dos criadouros está dentro das residências. Em tempo de epidemia de dengue, essa realidade traz uma preocupação extra com os chamados acumuladores, pessoas que não conseguem se desfazer de uma série de objetos e transformam seus quintais e residências em grandes depósitos, que podem ajudar na proliferação do Aedes. Para além de problemas sociais e de saúde pública, no entanto, a história dos acumuladores é mais complexa, envolve transtornos psicológicos, e necessita de acompanhamento profissional para ser resolvido. Atualmente, há pelo menos 50 acumuladores em acompanhamento pelo Município de Uberlândia.

Nos meses de chuva, quando a incidência de dengue é maior, o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) recebe diariamente pelo menos uma nova denúncia de quintais com grande acúmulo de objetos. De acordo com o resultado do Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), divulgado em fevereiro, dos 12.582 imóveis vistoriados, 76% apresentavam criadouros. Os focos foram identificados em pneus, vasilhas, latas, baldes e ralos, exatamente o tipo de objeto encontrado em muitas das casas de acumuladores.

“Essa pessoa tem uma história de vida e houve uma situação adversa que a levou ao acúmulo. É uma forma de apego. Uma caraterística típica do problema é que a pessoa se isola muito, mas a gente entende que ela está inserida numa comunidade, que recebe impacto dessa pessoa. É preciso obter liberdade e fazer leitura do ambiente, normalmente insalubre”, explicou a assistente social do CCZ, Marinez Ferreira Guedes, a respeito da preocupação com acumuladores. Nas residências monitoradas, também é comum a presença de roedores, animais peçonhentos, além dos focos de Aedes.

Para sanar o ambiente insalubre, todavia, as equipes da CCZ precisam contornar outra dificuldade: a aproximação com essas pessoas. O trabalho, segundo a assistente social, é de médio a longo prazo no sentido de ganhar a confiança do morador. Uma parceria com o Ministério Público Estadual (MPE) foi importante para casos mais difíceis. Por meio da promotoria, a pessoa é notificada para uma reunião com o órgão, que pede que em 10 dias os resíduos encontrados no imóvel ganhem destinação correta. O CCZ disponibiliza estrutura para retirada do material.

DIFERENÇAS
Há o reconhecimento de grupos diferentes de acumuladores, que vão desde aquelas pessoas que fazem o acúmulo indiscriminado de resíduos ou de animais, a aqueles que vendem pequena parte do que leva para casa.

De acordo com Marinez Guedes, no acompanhamento dessas pessoas há foco na parte social, para que o cidadão possa ser assistido pela rede pública de saúde, com médicos, psicólogo e assistentes sociais. Inclusive, se for uma pessoa negligenciada pela família, ela pode ser encaminhada para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

“Trabalhamos tanto o cuidado social, quanto da vigilância epidemiológica. Às vezes, pessoas não entendem que se trata de um problema pessoal e da comunidade. Há todo um estigma. É muito delicado trabalhar a comunidade e informar que ela tem que reconhecer que se trata de uma doença e abraçar a causa junto. Não olhamos só o acumulador, é preciso olhar o entorno”, disse a assistente social.

SÍNDROME
Para entender o que passam os acumuladores e como seus problemas podem afetar uma comunidade, é preciso saber que essas pessoas têm um transtorno conhecido como síndrome de Diógenes. De grosso modo, o acumulador desenvolve um tipo de apego aos objetos em decorrência de perdas e separações traumáticas. Esses traumas e apegos impossibilitam, de maneira patológica, o acumulador de se desfazer de seus objetos, algo que não ocorre, por exemplo, com colecionadores. O isolamento e a dificuldade de tratamento também são comuns.

“É como se esse objeto ocupasse o espaço de uma perda. É preciso apoio efetivo da família e de serviços sociais para auxiliar a pessoa a sair desse caminho, inclusive com medicamentos e apoio psiquiátrico”, explicou a psicóloga Poliana Luisa.

O isolamento do acumulador começa por afasta outras pessoas ao criar um ambiente difícil de se manter e, posteriormente, corta possíveis novos vínculos.

Ainda segundo a psicóloga, a síndrome de Diógenes pode caminhar em fases. Em um primeiro momento, a atitude de autonegligência se destaca, começando a gerar entulhos que não são descartados e começam a se acumular. Mais tarde, com o número de objetos aumentando, o indivíduo pode passar a classificar os entulhos no espaço disponível. Em uma terceira e última fase, o indivíduo não apenas vive entre os entulhos, mas começa a coletar itens fora de casa.

Para solução do problema, a psicóloga explica que é necessário recuperar vínculos sociais e seguir com o acompanhamento após a retirada dos resíduos da casa. “Caso contrário, poderá voltar o acúmulo do zero. É muito importante apoio familiar e ter uma rede de apoio de profissionais. A gente trabalha todo o contexto familiar para entender o que está gerando esse conflito. A pessoa não faz isso porque quer, mas ela se tornou impotente de perceber a necessidade de cura e do tratamento. Essa foi uma forma que a pessoa encontrou de continuar depois de uma ruptura na vida dela”, afirmou Poliana Luisa.
 
MONITORADOS 
A dificuldade de se aproximar das pessoas que sofrem da síndrome de Diógenes é grande. Em um período de 15 dias, a reportagem do Diário de Uberlândia tentou contato com quatro das 50 pessoas monitoradas pelo Município, mas nenhuma delas quis conceder entrevista ou depoimento, mesmo sob a condição de anonimato.

Em todo caso, profissionais do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) traçaram um perfil das pessoas monitoradas na cidade. Geralmente, os atendidos pelo Município moram sozinhos em um ambiente insalubre, sem condições mínimas de higiene e habitabilidade devido ao enorme acúmulo de resíduos, que podem ser de naturezas e tamanhos diferentes.

Nas casas, geralmente são encontrados criadouros do mosquito Aedes aegypti, animais peçonhentos, inclusive escorpiões e roedores. Também é percebido que os moradores desses locais estão alienados pelo que passam e desconhecem o risco que trazem a si e à comunidade onde estão inseridos. A situação muda com o acompanhamento social.

Após a retirada de entulho e afastamento dos riscos de doenças, as pessoas passam a se sentir menos apegadas aos resíduos, melhoram a qualidade de vida e deixam de serem vistas como alvo de descriminação por vizinhos.

“Ele é um cidadão digno, mas que requer cuidado”, afirmou a assistente social do CCZ, Marinez Ferreira Guedes.

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