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05/05/2019 às 10h09min - Atualizada em 05/05/2019 às 11h32min

Impacto de fake news em 2020 já gera preocupação

Diário de Uberlândia conversou com especialistas, que preveem possível sobrecarga de tribunais eleitorais

DANIEL POMPEU
Cientista político Diogo Cruvinel diz que fake news terão impacto menor em 2020 | Foto: Arquivo pessoal
Brasil, final do século XIX. Cartazes anônimos com falsas informações eram espalhados pelas ruas nas vésperas das eleições buscando a difamação de políticos. Um século depois, o fenômeno cultural ainda persiste, mas em um palco muito mais amplo e complexo: a internet e as mídias sociais. O Diário de Uberlândia conversou com especialistas que estiveram na cidade nesta semana para entender mais sobre o assunto. 

Quem conta a história é o cientista político Diogo Cruvinel, que nos últimos anos tem se dedicado ao fenômeno das notícias falsas em contexto eleitoral. “A questão das fake news não é nova, o que mudou foi o meio. As redes sociais virtuais e essa possibilidade de comunicação por aplicativos tornaram o alcance e velocidade muito maiores.”

A divulgação de mentiras ou meias-verdades ganhou notoriedade nos últimos anos devido ao impacto gerado pelas nas urnas. No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou uma série de medidas antes das eleições gerais do ano passado, incluindo um portal para esclarecimento das informações veiculadas durante a eleição.

Mas entre decisões judiciais para retirada de conteúdo de mídias sociais e esforços conjuntos para promoção de uma eleição limpa, o tribunal ficou distante de oferecer solução única para o fenômeno. Com a aproximação das eleições municipais para prefeitos e vereadores em 2020, o questionamento que fica é como a disseminação das “fake news” afetará o pleito, e como sociedade e instituições reagirão à situação.

Para Cruvinel, a proliferação de notícias falsas terá impacto mais ameno nas eleições de âmbito municipal.


 
“A extensão territorial do estado e do país é gigantesca e a disseminação de notícias falsas não tem como ser combatida pelo próprio candidato. Essa é uma diferença importante quando falamos de eleições municipais, sobretudo quando falamos dos municípios menores, em que há uma proximidade maior entre eleitores e candidatos”, disse.


Essa proximidade, de acordo com o cientista político, pode oferecer a possibilidade de os políticos desmentirem mais rapidamente - e de forma mais efetiva - informações falsas e difamatórias que circulam na cidade. Ele ressalta, entretanto, que a hipótese se adequa melhor a municípios menores, e não a cidades medianas para grandes como é o caso de Uberlândia.

No entanto, um aspecto em 2020 que pode ser tão preocupante quanto o ocorrido nas eleições passadas é o financiamento irregular das “fake news”. “É uma interferência do poder econômico nas eleições. E é isso que de fato embaralha o jogo. Isso aconteceu em 2018, não foi a simples propagação orgânica de mensagens falsas, não foram os eleitores que espontaneamente compartilharam as notícias falsas”, disse.

 

A escala de disseminação industrial de notícias fora do que prevê a legislação eleitoral pode prejudicar a transparência do processo durante o período, de acordo com ele. A questão fica mais complexa quando se considera a dificuldade em se rastrear e responsabilizar as empresas que promovem a disseminação, de acordo com Cruvinel.

“Muitas vezes as campanhas utilizam de IPs ou números de aparelhos de celular registrados no exterior. O período curto de campanha, que dura 45 dias, é muito pouco para fazer um trabalho judicial, inclusive de investigação”, afirmou.

Diogo Rais Rodrigues Moreira estuda o fenômeno das notícias falsas há 10 anos. O professor de Direito Eleitoral na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Faculdade Getulio Vargas (FGV) entende a disseminação de fake news como um aspecto sociocultural da civilização de hoje.

“A desinformação online constitui um processo que pode impactar a tomada de decisão, seja qual decisão for. Costumo dizer que não é que ela entra no seu cérebro e muda seu jeito de pensar, mas ela faz o contrário, usa sua fórmula de pensamento, seu jeito de pensar contra você mesmo”, explicou. Segundo ele, cria-se um ambiente favorável para tomada de decisões que talvez não sejam do interesse da própria pessoa. Em contextos eleitorais envolvidos por paixões, o terreno é fértil para o desenvolvimento desse cenário.



Para ele, a eleição municipal será ainda mais desafiadora ao considerar o alto número de cargos políticos à disposição e pela necessidade de menos votos para eleição dos candidatos, o que pode acirrar a disputa e a própria proliferação de notícias falsas. “Considerando que a eleição municipal é a eleição que menos tem programa de televisão, me parece que a campanha será essencialmente na internet.”
 
JUDICIALIZAÇÃO
Moreira destaca que, ao buscar soluções para a proliferação de notícias falsas, o poder judiciário tem o desafio de “curar a doença sem matar o paciente”. O professor entende que é imprescindível preservar a liberdade de expressão ao se garantir um ambiente saudável para a tomada de decisões em contexto eleitoral.

De acordo com ele, é preciso aceitar que em um momento de digitalização da informação, todos aqueles que acessam as mídias sociais são potenciais criadores de conteúdo, independentemente da veracidade das informações veiculadas. Para Moreira, parte da responsabilidade deve ser atribuída ao usuário, que tem de ser consciente das consequências de contribuir com a disseminação das “fake news”.

O pesquisador ressalta que não há solução simples por parte das instituições para o fenômeno das notícias falsas, mas com relação às decisões tomadas pelo judiciário, é preciso celeridade para que haja alguma eficácia. “No fundo, o volume de informação digital é tão grande, que esperar para reagir é permitir um cenário de caos. As notícias falsas se multiplicam de tal forma que qualquer reação será tarde demais”, disse.


Professor Marco Antônio Alves também falou sobre o cenário ao Diário de Uberlândia | Foto: Arquivo pessoal
 
PROBLEMA MUNDIAL
Marco Antônio Alves é professor na Faculdade de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e tem se dedicado aos estudos da sociedade da informação, que inclui o tema das chamadas “fake news”. Ele atribui o cenário a uma falta de respostas em todo o mundo e aponta certa inércia das instituições diante do fenômeno. “Ainda não foi elaborada uma legislação específica capaz de fazer frente a isso. Não só no Brasil, mas em outros países também não existe uma fórmula mágica, ninguém sabe muito bem como reagir.”

O professor cita algumas tentativas internacionais de se combater a proliferação da desinformação política. Segundo ele, na França, por exemplo, dezenas de veículos de comunicação foram convidados para trabalhar em conjunto e fazer a checagem da veracidade de notícias políticas durante o período eleitoral. O intuito era oferecer uma resposta rápida às informações que circulavam no momento.

“Me parece que não existe uma bala de prata, um tiro certeiro que você vá dar e resolver o problema de uma vez por todas completamente. Acredito que são vários esforços que precisam se somar para tentar digerir o problema, diminuir alguns de seus impactos, mas sem resolver completamente”, declarou.


Ele aponta três atores como os possíveis responsáveis pelo combate efetivo do fenômeno: o sistema judiciário, as grandes empresas de tecnologia e a mídia tradicional. Com relação ao judiciário, ele cita os chamados “deep fakes”, referente à imagens e textos onde a intenção difamatória e o caráter falso é evidente e os responsáveis podem ser criminalizados. Já sobre a tecnologia, o professor entende que é preciso uma parceria com empresas como o Facebook e outros grandes grupos para estabelecimento de uma espécie de código de conduta, que gere uma autorregulação do setor e evite a proliferação exagerada de notícias falsas.

Com relação à imprensa, Alves atribui a responsabilidade de promover a “alfabetização digital” e aumentar a transparência da informação.
 

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