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10/04/2019 às 13h12min - Atualizada em 10/04/2019 às 13h12min

Pela primeira vez, Uberlândia não deve realizar Conferência de Saúde

Evento debate diretrizes para formular políticas públicas para a rede no município

NÚBIA MOTA
José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, participa de Conferência Livre de Saúde, que acontece hoje no campus Umuarama | Foto: Divulgação/Agência Brasil
Logo depois que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi implantado no Brasil, em 1988, a Lei nº 8142 de 28 de dezembro de 1990 que criou as Conferências de Saúde, com etapas municipal, estadual e nacional, realizadas obrigatoriamente a cada quatro anos, com o objetivo de reunir propostas, sugestões e críticas da sociedade para nortear as políticas públicas em saúde. Na região, terminou, nesta quarta-feira (10), o evento em Araguari, na quarta-feira (3), em Ituiutaba, e no dia 13 de março, em Indianópolis. Ao que tudo indica, pela primeira vez em 29 anos, Uberlândia vai ficar fora da discussão.

O prazo para a realização da Conferência local termina na próxima segunda-feira (15) e, até ontem, o Conselho Municipal de Saúde (CMS) não foi informado pela Secretaria Municipal de Saúde, gestora do SUS no Município, se haverá o encontro. Ambos são os responsáveis pela organização do evento.

Na tarde desta quarta-feira (10), às 13h, acontece a Conferência Livre de Saúde, no anfiteatro do Bloco 2A do campus Umuarama da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), realizada em parceria entre a instituição de ensino e o CMS, com a presença de José Gomes Temporão, ex-ministro da saúde e médico sanitarista.

Esta seria uma etapa preparatória para a Conferência Municipal, evento no qual seriam eleitos 32 delegados que representariam Uberlândia na Conferência Estadual. A intenção do coordenador da comissão organizadora da Conferência Livre, o médico sanitarista, professor da faculdade de medicina da UFU e coordenador do departamento de saúde coletiva, Nilton Pereira Júnior, é escolher representantes no encontro de hoje, para que Uberlândia não fique sem apresentar projetos de melhoria para o SUS.

Apesar de descumprir a Legislação Federal, segundo a assessoria de comunicação da Conselho Nacional de Saúde (CNS), não há penalidades para os munícipios, caso não seja realizada a Conferência Municipal, e podem ser indicados participantes por credenciamento livre por meio de Conferência livres, como a que acontece hoje. Ainda de acordo com a assessoria, os Conselhos Municipais de Saúde também podem pedir um prazo maior para realizar o evento, além do dia 15 próximo, sendo que cada caso será estudado individualmente.

Para Nilton Pereira, mesmo com essa possibilidade de indicar participantes, Uberlândia ficar sem uma Conferência Municipal é uma questão séria e demonstra que a Secretaria Municipal de Saúde, gestora do SUS, não valoriza a participação social. “Eles passam um recado que não se importam com a opinião da sociedade, que não valorizam a participação dos trabalhadores e dos usuários na organização do SUS, na gestão do SUS, na formulação de políticas. O objetivo da conferência é avaliar a política de saúde do munícipio e fazer propostas, planejar a política de saúde para os próximos anos, avaliar o presente, o passado e planejar o futuro”, disse.

José Veridiano de Oliveira é presidente do Conselho Municipal de Saúde e, desde 1987, antes mesmo de ser criado o SUS, já participava do órgão deliberativo e fiscalizador, vinculado à Secretaria Municipal de Saúde. Ele disse que, pelo que tudo indica, a Conferência Municipal de Saúde não deverá acontecer. Ele contou que, em 2017, excepcionalmente, foi realizada um evento no início da gestão atual, para ser elaborado o Plano Municipal de Saúde, e essa foi a primeira vez que o movimento não coincidiu com as etapas Estadual e Nacional, ocorridas pela última vez em 2015.

“Essa de 2017 não era obrigatória. A gente pode fazer também na mudança de governo, para fazer o Plano Municipal de Saúde, mas foi uma conferência menor. Já a de 2015, a gente tirou propostas para o Estado e para a Nacional. Foi muito grande, porque fizemos quase 30 pré-conferências”, disse José Veridiano.  O evento de 2017, segundo ele, girou em torno de R$ 5 mil a R$ 10 mil de custo e o de 2015 ficou em cerca de R$ 70 mil.

Ele contou ainda que a convocação da Conferência foi aprovada há 2 meses pelo Conselho Municipal de Saúde, mas agora depende da Secretaria Municipal acatar ou não a realização do encontro. José Veridiano disse que foi repassado para ele, por fonte extraoficial, que o Governador Romeu Zema também não aprovou a convocação do Conselho Estadual de Saúde. No site do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o único estado brasileiro ainda sem data definida para a Conferência Estadual é Minas Gerais, mas de acordo com a assessoria do Governo, o evento está sendo organizado e acontecerá, em data ainda não informada.

“Nós temos que fazer a conferência em Uberlândia nesta sexta (12) e sábado (13) e mandar o relatório para o Estado na segunda (15), porque se a gente não for para a Estadual, não vai para a Federal também. A Conferência é uma obrigação e determina que o Governo tem que botar em prática. Os municípios que mandarem suas propostas vão sair na frente, mas Uberlândia deverá ficar uma ilha do restante do país”, afirmou José Veridiano. A Conferência Nacional será realizada entre 4 a 7 de agosto, em Brasília.

O promotor de Justiça de Defesa da Saúde, Lúcio Flávio de Faria Silva, falou à reportagem que não tem conhecimento da não realização da Conferência Municipal, mas lamentou a notícia e falou que vai procurar saber o motivo. “É uma pena. A participação da comunidade é de suma importância para a melhoria do sistema de saúde. Vou procurar saber os argumentos”, disse.

A assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde foi procurada ontem, no início da manhã e à tarde por diversas vezes, para informar qual o motivo da Conferência de Saúde ainda não ter sido divulgada, mas a pasta não respondeu à reportagem até o fechamento desta edição.
 
Ex-ministro apresentará balanço do SUS
Ontem, por telefone, a reportagem de Diário de Uberlândia falou rapidamente com José Gomes Temporão, ex-ministro da saúde, médico sanitarista, professor aposentado e pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que ministrará, hoje, em Uberlândia, palestra durante a Conferência Livre de Saúde.

Ele disse que apresentará um balanço sobre os 30 anos do SUS, desde a origem do movimento, com a implementação do capítulo de saúde na Constituição Federal de 1988, os resultados, os retrocessos e os desafios, sempre com o objetivo de defender o sistema como o melhor para o país.

“É um sistema universal, que atende a todos com recursos públicos, onde todos têm acesso, bicentralizado. Sei que está bem longe de ser o ideal, mas vou mostrar que grandes avanços aconteceram e temos muito do que se orgulhar nesses 30 anos”, afirmou o ex-ministro.

Temporão ficou surpreso quando foi informado que Uberlândia, provavelmente, não realizará a Conferência Municipal de Saúde. “Isso é muito grave, porque a Conferência Nacional de Saúde que acontecerá em agosto é formada para que toda a sociedade possa colocar sua visão, suas propostas. Se a cidade não faz uma conferência local, é sintoma de que alguma coisa não está indo bem, porque o que está na lei não estão sendo cumprido. A lei é clara, a cada 4 anos, temos que fazer uma Conferência de Saúde. Valeria um esforço do prefeito de olhar para o SUS”, disse Temporão.  

Para o médico Nilton Pereira, da comissão organizadora da Conferência Livre, um dos grandes problemas do SUS em Uberlândia, assim como no Brasil, além do valor dos repasses não serem atualizados há 15 anos, é justamente a falta de participação popular. Toda unidade básica de saúde, por regra, deveria ter um conselho local, com representantes da comunidade, mas em Uberlândia nem todas têm. Outro exemplo dado pelo professor, seria a realização de pré-conferências preparatórias, como os mais de 30 encontros que aconteceram em 2015, em distritos e bairros, antes da última edição da Conferência Municipal de Saúde daquele ano.

Há 15 anos na área da saúde, Pereira fez uma avaliação geral de Uberlândia, onde se tem um baixo atendimento em atenção básica, com apenas 40% de cobertura em estratégica de saúde da família. “É onde tudo começa. Se você não tem uma rede de atenção básica organizada, que dá acesso à população, tem um número grande de pessoas que vai adoecer e procurar os pronto-socorros e os hospitais. O nosso principal problema não é falta de leitos hospitalares, mas é a baixa cobertura de saúde da família”, afirmou.

Consequentemente, a falta de leitos hospitalares acaba afetando ainda mais a população. Hoje, além do Hospital de Clínicas (HC-UFU) e Hospital Municipal, na rede particular apenas o Hospital Dom Bosco atende o SUS em casos pediátricos. Juntas, as três instituições de saúde têm 767 leitos, sendo 115 deles nas duas instituições públicas.

No Hospital Municipal são 40 leitos de UTI adulto e 10 UTI neonatal, e no Hospital de Clínicas são 30 leitos de UTI adulto, 7 coronarianos, 8 pediátricos e 20 neonatal. Se fosse cumprida a portaria ministerial nº 1.101/2002, que prevê de 2,5 a 3 leitos hospitalares por cada 1 mil habitantes, a cidade teria que ter mais do que o dobro das vagas de internação, com pelo menos 2.030 leitos, sendo 202 de UTI.

“O Município investe muito na saúde. Por exemplo, os Municípios devem investir 15% em saúde, aqui investe 22%, 24% e já chegou a 30%. O que temos no SUS e reflete no Município é uma falta de investimento do Ministério da Saúde e do Estado de Minas. Além do atraso, o orçamento é muito pequeno”, afirmou Pereira.

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