03/04/2019 às 17h30min - Atualizada em 03/04/2019 às 17h49min
População questiona podas de árvores em Uberlândia
Moradores alegam que serviço executado no bairro Roosevelt foi drástico demais; prefeitura defende trabalho
DANIEL POMPEU
Árvores da avenida Morum Bernardino foram podadas no final do mês passado | Foto: Arquivo pessoal O período de podas e cortes de árvores na área urbana de Uberlândia é frequente palco de embates entre população e poder público. De um lado, uma parcela dos moradores quer preservar a arborização e a sombra, além de outros benefícios. Do outro, a Prefeitura, que promove cortes e podas drásticas em determinadas áreas com o argumento de oferecer maior segurança caso haja, por exemplo, chuvas fortes que possam derrubar as árvores ou a existência de raízes que prejudiquem as vias.
Moradora do bairro Roosevelt, Camila Louise é uma das que se diz insatisfeita com os serviços promovidos pela Prefeitura de Uberlândia. Ela acordou no dia 29 de março com o barulho das motosserras na av. Morum Bernardino.
Ao verificar o que acontecia, se deparou com o inesperado corte de árvores que ela viu crescer durante os 30 anos em que vive no local. Algumas, grandes e com copas cheias, ajudavam a proteger o local do forte sol de tarde que incide sobre o trecho da avenida, entre as ruas Virgílio Mineiro e Judith Moreira.
“Árvores saudáveis, não faziam contato com a fiação, não atrapalhavam em nada. Inclusive uma das que tiraram era uma mangueira novinha. Essa avenida aqui sempre foi muito arborizada. Único problema que poderia ter é o excesso de sombra”, disse. Louise também reclamou da falta de transparência e de aviso prévio por parte da Prefeitura.
Ela disse que chegou a ligar para a secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbanístico para questionar sobre os cortes. “A moça disse para eu ficar tranquila porque era a Prefeitura que estava fazendo [as podas]”, afirmou.
Depois da situação, a moradora resolveu publicar, nas mídias sociais, fotos dos cortes e podas que considerou excessivos e disse ter recebido diversas mensagens de outros moradores da cidade, também insatisfeitos com a intensidade das podas.
O Diário de Uberlândia conversou com mais quatro moradores que disseram desaprovar a maneira como as ações de poda têm sido realizadas na região do bairro Roosevelt. Silvia Regina Ucha tem 60 anos e durante toda a vida morou na rua João Borges. Ela ficou emocionada ao falar sobre as ações da Prefeitura. “Eles cortam as bonitas, no meio do canteiro, que estão fazendo sombra. Eu fiquei muito triste, até chorei”, disse.
O geógrafo Rafael Mascarenhas mora a cerca de 700 metros de Camila Louise, na avenida Cesário Crosara, e considerou os cortes súbitos. Ele cita o aquecimento da cidade como uma das principais consequências que podem ser acarretadas com a diminuição do número de árvores. “Uberlândia tem tido ampliação das chamadas ilhas de calor. Em função desses cortes e podas, além de outros impactos ambientais, a cidade vem perdendo qualidade de vida”, afirmou.
Camila Louise reclama de corte de árvores que viu crescer durante 30 anos | Foto: Daniel Pompeu
OUTRO LADO
Segundo o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbanístico, João Baptista Ferreira Júnior, o órgão recebe pedidos da própria população para realizar podas e cortes de árvores condenadas ou que estão muito próximas de fiação. Ele também atribui a necessidade de alguns cortes mais drásticos ao plantio irregular.
“A população foi plantando em canteiros centrais e em diversos locais inúmeras espécies de árvores que talvez não fossem apropriadas para aquele ambiente”, disse. O secretário cita como exemplo o plantio de ficus, uma árvore que espalha suas raízes em busca de água e pode invadir a casa de moradores, e angico, outra árvore que cresce de forma desordenada e pode destruir canteiros e calçadas.
No caso de supressão, quando é feito o corte total, o secretário disse que a ação só é feita em caso de possível queda ou doença da árvore, sob avaliação da equipe técnica da secretaria. O corte total também é feito caso a poda não seja suficiente para evitar que a árvore prejudique a fiação ou a iluminação pública.
“Em todas essas situações a gente faz a contrapartida, que é o plantio de novas árvores”, afirmou. De acordo com Ferreira, o Horto Municipal produz cerca de 120 mil mudas por ano. No mesmo período, o secretário disse que são plantadas mais de 10 mil árvores na cidade.
Sobre uma árvore na av. Morum Bernardino, apontada por Camila Louise como uma das principais perdas de vegetação no local, o assessor técnico da secretaria, Anderson Alves de Paula, disse que se trata de um angico, que não é recomendado para canteiros centrais. “Isso foi algo chamado poda drástica. A árvore provavelmente rebrotará”, disse.
De acordo com ele, o angico já estava condenada devido a uma técnica chamada anelamento, em que amarra-se uma corda no entorno da árvore para impedir a seiva de chegar ao topo. O engenheiro agrônomo atribui a ação à população.
Questionado sobre a falta de transparência e participação dos moradores, como apontado pelos entrevistados do bairro Roosevelt, o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbanístico disse ser impossível anunciar previamente os locais onde ocorrerá a poda.
“Até porque, devido a todas essas intercorrências que se tem ao redor, de pessoas que não têm o entendimento, outras que solicitam por medo de queda e outras que não estão sendo afetadas, acontece exatamente isso, vira uma guerra.”
A lenha e massa verde produzidas com os cortes são destinados a parceiros do poder público. “A gente faz a destinação gratuita disso e a pessoa explora isso comercialmente de acordo com o licenciamento dela”, disse Ferreira.
Grupo combate “desvalorização” de árvores
Julio Pena, engenheiro agrônomo e professor aposentado da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), faz parte do grupo Damas Verdes. De acordo com ele, trata-se de um conjunto de pessoas que resolveu estudar o problema da desvalorização das árvores no ambiente urbano, tanto pela perspectiva do poder público, quanto do cidadão. Iniciado em 2014, o grupo já realizou parcerias para plantio de árvores junto à Prefeitura de Uberlândia e outros grupos de moradores.
O engenheiro agrônomo lembra que uma parcela da população não vê valor na existência e mantimento de arborização no espaço urbano. “São vários os motivos que levam a incomodar o cidadão a presença de uma árvore. Ele não pensa nos benefícios, só vê o lado negativo”.
O agrônomo aponta como alguns dos fatores de incômodo a sujeira após uma floração, a obstrução de câmeras de segurança e o abrigo de moradores de rua, situações que podem levar moradores a fazer solicitações de corte à Prefeitura.
“Ultimamente, houve uma intensificação muito grande das podas das árvores de Uberlândia, especialmente em canteiros centrais de avenidas. E as podas são extremamente drásticas, retiram uma quantidade enorme de lenha, de material verde”, diz Pena sobre as ações do poder público.
De acordo com ele, o grupo também conta com uma equipe técnica que vê irregularidades nas ações. “A Prefeitura tem técnicos, mas eles não acompanham, não participam no momento da poda”. O agrônomo também argumenta que há o desbalanceamento de algumas árvores que têm copas elevadas, sem galhos pelo tronco, o que facilita a queda durante ventanias, segundo Pena.
Ele ressalta, entretanto, que em muitos casos é preciso fazer poda e cortes, mas de forma qualificada e com atenção ao local, sem tomar medidas drásticas com árvores que estão saudáveis ou podem ser recuperadas. Pena lembra que em alguns casos, a árvore pode levar mais de três décadas para atingir seu apogeu.
“Não se vê o que a árvore pode oferecer de bom à comunidade, como sombra, refresco do ambiente, jogar oxigênio e prender o gás carbônico, diminuir a poluição.”