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24/03/2019 às 10h30min - Atualizada em 24/03/2019 às 10h30min

Uberlândia Clube completa 82 anos de história

Conheça a história do espaço que já recebeu até Tony Ramos como mestre de cerimônias

NÚBIA MOTA
Durante as duas primeiras décadas, o clube ocupou uma sala de 28 por 12 m², no terceiro andar do edifício Abdumassih. | Foto: Arquivo Público
A fundação do Uberlândia Clube completou 82 anos neste sábado (23) enquanto instituição social. Durante as duas primeiras décadas, o clube ocupou uma sala de 28 por 12 m², no terceiro andar do edifício Abdumassih, na esquina da avenida Afonso Pena com a rua Olegário Maciel, onde hoje está a loja Magazine Luiza.

Desde 1957, o endereço passou a ser o suntuoso prédio construído na rua Santos Dumont, e chegou receber nomes como Tony Ramos, Agnaldo Rayol, Jô Soares, além de ser palco para artistas locais como Nininha Rocha, Cora Capparelli e Nicolau Sulzbeck. O Palácio Encantado de Uberlândia, como foi apelidado na época, já chegou a ter 1,2 mil sócios e hoje não tem mais do que 170 e se resume a receber uma festa de casamento ou aniversário por mês.
 
De acordo com o diretor executivo do Uberlândia Clube, Domingos Álvares Filho, não compensa mais fazer eventos no local, como antigamente eram feitos os bailes de carnaval, concurso de miss, bailes de debutantes e o Baile da Saudade. “Sócio não frequenta mais. Até 2016, a gente fazia entre dois e três eventos por semana, entre casamentos e aniversário, mas hoje, estamos pegando cliente no tapa. Acho que por causa da própria crise econômica mesmo, porque o clube está funcionando normalmente”, disse Domingos.

O local tem capacidade para atender 350 convidados no Salão Nobre. E integrado a este ambiente, há o Piano Bar para 150 pessoas e a boate para 100 pessoas. Ao lado, tem estacionamento privativo, aberto de acordo com a necessidade do cliente, e várias opções de buffet, com bebida e mão de obra inclusa, girando no máximo de R$ 90 por pessoa. O valor, segundo Domingos, não é reajustado há 2 anos e mesmo assim, não tem chamado a atenção da sociedade.

“Só o último piso, onde tem a biblioteca e a sala da diretoria está em desuso, porque precisa passar por uma reforma e fica muito caro. Tem também que colocar elevador, por causa da lei. Mas a parte social, está do mesmo jeito de sempre”, disse o diretor executivo.

E para quem não conhece, o Uberlândia Clube, além de opção para festas, com todo o serviço necessário, é ainda uma viagem ao tempo. Mesmo tendo passado 62 anos, o clube é ainda de encher os olhos, porque era considerado muito moderno para a época. O prédio foi o primeiro da América do Sul com instalações completas com água, luz, esgoto, telefone e televisão, em uma obra assinada pelo engenheiro civil Almôr da Cunha e decorada pelo artista plástico Sérgio de Freitas.

Almôr da Cunha nasceu em Sacramento (MG), mas passou grande parte da infância em Uberlândia, até mudar-se para o Rio de Janeiro para fazer faculdade, onde faleceu. Por quatro anos ininterruptos, o engenheiro civil vinha para a cidade duas vezes por mês para fiscalizar a obra. Como é um prédio baixo, de três pavimentos, ele optou por não utilizar elevadores e construiu uma rampa de entrada que ficou famosa e serviu de referência, saindo em revistas do Brasil e até do mundo.

A obra foi concluída em 1957, sem dívidas e tombada como patrimônio histórico municipal em 2006. “Ele (Amôr) era muito sentido com Uberlândia porque não cobrou um centavo pela obra e nunca foi reconhecido por isso”, disse o amigo e ex-colega de ginásio Oswaldo de Souza, hoje com 100 anos, completados no dia 7 de janeiro.
 
O COMEÇO
 
O atual prédio do Uberlândia Clube foi iniciativa de José Rezende Ribeiro, Juquita, quem dá nome ao viaduto do cruzamento das avenidas Rondon Pacheco e Nicomedes Alves dos Santos. A partir de 1952, o empresário saiu de porta em porta atrás de sócios e recursos para a obra.

E foi justamente com Rondon Pacheco e Nicomedes Alves dos Santos, que Juquita formou a “Santíssima Trindade da Política”, como eram conhecidos em Uberlândia. Idealista, além de encabeçar a construção do Uberlândia Clube, o ex-vereador foi o criador dos sorvetes Tarumã e da receita das balas toffee da Erlan. “Eu era menino, mas me lembro que quando os acionistas não colocavam dinheiro, ele tirava do bolso para continuar a obra”, disse o filho e engenheiro Paulo Roberto Achcar Rezende Ribeiro.

Nascido em Uberlândia em 1919, Juquita foi o presidente da Caixa durante o ministério de Rondon Pacheco e presidente da Minas Caixa, quando Rondon foi empossado governador do Estado.

 
“Não tinha empreendimento em Uberlândia que o Juquita não estava à frente. Ele me ajudou muito na minha carreira política. Quando fez o Uberlândia Clube, não tinha um clube social para as reuniões festivas da cidade. Ele então bateu de porta em porta para conseguir sócios”, disse Rondon Pacheco em material gravado pela Close Comunicação, de Celso Machado e publicado no Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre.

O terreno para a construção do clube, na rua Santos Dumont, foi doado pelo Estado de Minas Gerais, graças a uma parceria de Rondon, então deputado Estadual, e o amigo Juquita Rezende. “Ele me procurou pleiteando o terreno dos fundos da Escola Bueno Brandão. Foi destinado o terreno que será sempre do Estado, mas pode ser do clube enquanto este estiver lá”, disse o ex-governador que aproveitou ainda a área para construir o teatro que leva o nome dele e está interditado desde dezembro de 2016, por não apresentar condições de segurança, como saída de incêndio. 
 
GRANDES BAILES
 
O primeiro prédio do Uberlândia Clube, na avenida Afonso Pena, foi inaugurado quase um ano depois de sua instituição social, em 23 de março de 1937. A inauguração, segundo o historiador Antônio Pereira, aconteceu no dia 12 de fevereiro de 1938 e dez dias depois foi realizado o primeiro baile, ao som de uma orquestra ao vivo e divulgado pelos jornais da época. Na Tribuna, de Agenor Paes, por exemplo, diz que a cidade tinha crescido e desenvolvido demais e o jornalista punha o evento no mesmo nível dos bailes do Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Ainda de acordo com Antônio Pereira, mais de cem pares, cada um mais elegante do que o outro, dançaram ao ritmo de músicas de carnaval, enquanto outros homens beberam e conversavam no balcão do bar e os diretores do clube percorriam o salão, “vigilantes sobre o cumprimento das extremadas exigências de comportamento”, afirmou.

Quase duas décadas depois, ao som do bolero “Camiño Verde”, tocado ao vivo pela orquestra espanhola Cassino de Sevilha, parte dos 1,2 mil sócios do Uberlândia Clube puderam ver pela primeira vez o prédio mais suntuoso até então construído na cidade. Os dois bailes de inauguração aconteceram nos dias 26 e 27 de janeiro de 1957. O primeiro com traje de gala, com vestidos longos, casacos de pele e smokings e o segundo, com traje de passeio.

 
“Eu tinha 16 anos e morava em Ribeirão Preto, mas estava em férias em Uberlândia. Fui no segundo baile e usei terno e gravata. Foi um espetáculo inesquecível”, afirmou Domingos Álvares, diretor executivo do clube há 18 anos. 

Depois disso, todas as quartas-feiras, sábados e domingos aconteciam as “soirées”, noitada em francês, como eram conhecidos os bailes realizados, sempre com a presença do porteiro Merola e com as orquestradas encabeçadas por Michele Virno e Dom Roberto Blasco.  Antes das “soirées” de domingo, era costume a noite iniciar com uma sessão de cinema, seguida pelo vai e vem entre a praça Tubal Vilela e o Bar da Mineira, na esquina com a avenida Afonso Pena e rua Goiás.

O Uberlândia Clube foi ainda palco de vários bailes de carnaval, quando eram necessários de 25 a 30 instrumentistas para animar os quatro eventos e as duas matinês, realizadas no segundo e último dia da festa de momo. Enquanto nos dias comuns, os bailes aconteciam de 21h a meia noite, no carnaval, os foliões varavam a madrugada festejando entre 23h e 4h, regados por cuba libre, whisky, cerveja e vinho para as mulheres. Além de muita serpentina, confete e lança-perfume da marca Rodoro em um frasco de alumínio, permitido na época.
 
Tony Ramos foi mestre de cerimônias
 
Na década de 50, os bailes de debutantes viraram febre no Brasil. Já em Uberlândia, as festas coletivas de 15 anos ganharam maior destaque a partir de 1965, quando a organizadora desses eventos, Haydée Soares Vasconcelos, se mudou de volta para cidade e se dedicou a preparar as meninas para serem “apresentadas à sociedade”, em uma espécie de ritual de passagem para a vida adulta. Os bailes aconteciam uma vez por ano, sempre no Uberlândia Clube, e eram um dos acontecimentos mais aguardados, com a presença de artistas de renome.

A preparação para estes bailes de debutantes era com bastante antecedência, já que as adolescentes tinham ensaios e aulas ministradas pela própria Haydée. “Elas aprendiam a dançar valsa, a se portar à mesa, a andar corretamente, ter postura. Todo mundo que conheceu a mamãe sabia que tinha que andar com a barriga pra dentro e o peito estufado”, disse a professora Maria Inês Vasconcelos Felice, filha de Haydée, que faleceu em 2003.

Durante o baile, as meninas dançavam valsa com um padrinho escolhido por elas, o pai e um príncipe, que era o namorado, um primo ou um amigo. Em alguns anos, as debutantes tiveram a chance ainda de dançar com um artista convidado. Em julho de 1971, por exemplo, as aniversariantes dançaram com o ator Tony Ramos, na época com 22 anos e no ar, na extinta Rede Tupi, na novela “Hospital”, com o personagem Luís Carlos.

“Ele foi nosso mestre de cerimônia e dançou um pouquinho de valsa com cada uma de nós. Foi um grande aprendizado e fiz muitas amigas. Nas aulas, a dona Haydée ensinava muita coisa importante, entre elas a respeitar pai e mãe. Ela foi uma pessoa importante”, disse a decoradora Raquel Chiavegatti, uma das debutantes naquele ano, em entrevista ao Almanaque Uberlândia de Ontem e Sempre.
 
Em 1980, um dos marcos entre os 105 trabalhos realizados por Haydée na cidade, que incluem ainda desfiles de modas e concursos femininos, está o primeiro baile de debutantes para 22 jovens negras, oferecido pelo sambista Capela. Até aquele ano, os negros eram proibidos de entrar nos principais clubes da cidade, incluindo o Uberlândia Clube. “Foi um escândalo, porque as pessoas eram muito preconceituosas”, se lembra Maria Inês Vasconcelos.

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