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10/03/2019 às 07h30min - Atualizada em 10/03/2019 às 07h30min

Em uma troca constante com a vida

Artista plástica Lilian Tibery fala do cotidiano e do papel da arte em sua trajetória marcada pela alegria de viver

ADREANA OLIVEIRA
Lilian Tibery no espaço de seu atelier e galeria Ponto Azul com desenhos que estarão na próxima exposição | Foto: Adreana Oliveira
Ela nasceu em Porto Alegre (RS), mas depois de 40 anos vivendo em Uberlândia e tamanha é sua cumplicidade com esta cidade que pouca gente vai conectar Lilian Tibery às suas raízes gaúchas. A artista plástica recebeu o Diário de Uberlândia na manhã de sexta-feira em sua galeria e atelier Ponto Azul para um bate papo agradável sobre como é importante deixar a vida fluir e manter-se blindado contra o que ela chama de “cultura da insatisfação”.

“Tirando as redes socais, quem nem sempre trazer a realidade vivida pela maioria de seus adeptos, tenho encontrado muita gente insatisfeita em diferentes grupos que convivo. Se tem uma roda de amigos vai sempre ter alguém ali com um rosário de reclamações. Nesse ponto, eu sou do contra, chego logo falando de algo positivo, que merece ser compartilhado, para mudar os ares da conversa”, comentou.

Lilian não conseguiria se definir em poucas palavras. Para ela, esse perfil muda de acordo com o dia, com o que vivemos em diferentes épocas de nossas vidas, mas uma coisa é certa, você dificilmente a verá com a cara amarrada ou com o semblante pesado. “Posso me definir como mulher, artista, mãe, esposa, avó, mas principalmente feliz. É preciso ser grato pelas coisas simples da vida, pela determinação que temos a cada novo dia, por cada realização por menor que seja. O artista vive o trabalho em uma troca constante com a vida”, explicou.

Aos 65 anos, muito bem vividos, ela é integrante de uma geração que quebrou muitos padrões, que tinha lemas como “não confie em ninguém com mais de 30 anos”, que passou por diferentes cenários políticos nos quais o exercer a arte exigir desdobramentos múltiplos. “Como mulher posso dizer que somos como água, vamos nos deslocando por todos os lados e muitas vezes chegamos a um destino por um caminho que não imaginávamos. Trabalho com visões de vida que se modificam a cada década e tive prioridades diferentes no decorrer delas. A maternidade pedia mais tempo em uma fase, a arte ficava para trás por questões financeiras porque não tinha como comprar material para executar um trabalho”, recorda.

Vaidade ela tem pouca. Quando a dermatologista recomenda algum procedimento para amenizar as rugas ao redor dos lábios ela não acumula nem mais uma “ruga de preocupação”, valoriza a história que a acompanha e tem orgulho dela. “Eu preferia não tê-las, mas aqui estão elas, é o que eu sou. Gostar não gosto mas quando olho para trás e me lembro porque estão aqui fico tão feliz. Foi cada dia que passei na praia, cada viagem, cada passeio, todos os cigarros que fumei, as noites viradas trabalhando ou estudando... isso é viver”, afirmou.

FORMAÇÃO E FAMÍLIA

Lilian Tibery está em seu segundo casamento, com o arquiteto Alessandro Rende. De família uberlandense, a gaúcha estudou desenho industrial na Pontifícia Universidade Católica (PUC) no Rio de Janeiro e Artes na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e passou ainda pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro.

Da fase da adolescência em Porto Alegre traz muitas lembranças e amizades que mantém até hoje. Tem quatro filhas, duas do primeiro casamento com Eduardo (in memoriam) e duas com Alessandro. Vive agora ainda a fase de avó apaixonada pelas três netas e o neto.

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Lilian Tibery sempre sonhou em viver das artes e para as artes. O desenho é sua principal forma de expressão e sua movimentação pela cidade a coloca em contato com diferentes perfis de artistas e de consumidores de arte. Porém, ela sente, como muitos, uma desconfiança constante e uma certa dificuldade em se valorizar o fazer artístico. “Parece que tudo deve ser referendado, querem saber quanto tempo você gastou em um trabalho, o que usou... mas tem gente que consegue enxergar valor nele sem um respaldo da crítica. A arte é 99% suou e 1% resultado e a forma como as pessoas a veem também é muito variada e cheia de interesses”, disse.

Ela lembra de alguns músicos famosos que se despem das figuras de astros que foram alçados e se apresentam pelas esquinas ou pelos metrôs mundo afora. “Depende muito do enfoque. Tem muita gente que passa direto, nem olha... mas quando fica sabendo que é alguém famoso até volta para fazer selfie, é uma situação complicada”, comentou.

Em 2012 ela inaugurou a galeria e atelier Ponto Azul, onde realiza duas exposições anuais de longa duração, uma no primeiro e uma no segundo semestre, individuais ou coletivas. A galeria fica em uma região onde muitas pessoas fazem caminhada no bairro Morada da Colina. “Não falo que são seis anos de luta, e sim seis anos de muito prazer. Só neste mês duas pessoas já entraram aqui para conhecer, saber como é. Pedem para deixar o e-mail no mailing para quando tiver uma nova exposição em cartaz. Só o fato dessas pessoas olharem pra cá e se interessarem por entrar já me traz um sentimento de realização”, explicou.

Conselho para quem quer enveredar pelo mundo das artes ela não tem, pelo contrário. “Acho que eu tenho que pedir conselho a eles. Vejo esse pessoal jovem buscando financiamento coletivo para expor seus trabalhos independentemente do Estado ou de mecenas. Eles são corajosos, têm atitude e estão acreditam no que fazem, isso é o mais importante, não desistir. É preciso trabalhar todos os dias como um operário porque não é sempre que se tem aquela inspiração reveladora”.

SPOILERS

Em abril a Ponto Azul abrirá uma nova exposição com desenhos de Lilian Tibery e Valéria Uchôa, professora da UFU. Elas trabalham com desenho de modelo vivo a temática do corpo. Alguns desenhos de Lilian já estão distribuídos pelo lugar. “Trabalhamos o corpo feminino e o corpo masculino. Eu tratei somente desenhos mas a Valéria trará telas maiores. Tem um certo romantismo em posar para esses desenhos e na abertura da exposição o local onde os modelos ficam será disponibilizado para as pessoas posarem e fazerem suas fotos também”, adiantou Lilian.

Ela explica que são diversas as técnicas de desenho de modelo vivo, algumas, que focam mais o movimento que o corpo, exigem poses de três, quatro minutos, outras, no qual o artista procura a luz, a sombra certa e tem ao seu redor 360 graus de inspiração, que podem requerer até três horas parado. “Considero que é até meio egoísta esse momento por parte do artista. Ali o importante é meu traço. É diferente do retrato, por exemplo”, explicou.

Para a artista os retratistas sofrem muito porque as pessoas nem sempre concordam com o que lhes é apresentado. “Vem do Renascimento, quando o retrato representava poder e status e muita gente não se identificava com o que o artista apresentava, isso vem da dificuldade em se aceitar”, comentou.

A outra exposição, nos segundo semestre, reunirá novos artistas recém saídos da faculdade e médicos, engenheiros que agora mostram seu lado pintor, artesão, ceramista. “Eles trazem um frescor tão grande que se você tivesse uma venda nos olhos não saberia quem é o representante de cada geração, vai ser algo muito lindo”, adiantou.

E assim Lilian segue no seu papel multitarefas, sempre com um sorriso no rosto e algo positivo para seu interlocutor, seja por meio de seus desenhos ou de suas atitudes.
 
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