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24/02/2019 às 09h00min - Atualizada em 24/02/2019 às 09h00min

CGU aponta irregularidades na aplicação de verbas da Saúde em Uberlândia

Relatório mira na construção de três UPAs, além de contratos com unidades de saúde e fornecedores

VINÍCIUS LEMOS
Parte do teto da UPA Pacaembu, a mais adiantada, na região norte, está caindo | Foto: Jorge Alexandre
Um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) questiona a aplicação de aproximadamente R$ 205,1 milhões de recursos federais na área da saúde transferidos ao Município de Uberlândia no período de 1º de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2017. O relatório aponta uma série de irregularidades, principalmente na construção de três Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), que nunca funcionaram e hoje correm o risco de serem objetos perdidos.

Entre os problemas apontados pela CGU estão indícios de pagamentos indevidos a prestadores de serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) sem cobertura contratual e no pagamento em duplicidade no montante de quase R$ 842 mil, superfaturamentos que ultrapassam R$ 250 mil também na execução das obras das UPAs, pagamentos a fornecedores suspeitos na ordem de R$ 406 mil, além de licitações nas quais a Controladoria encontrou sinais de direcionamento.

O documento da CGU foi elaborado por meio de fiscalizações entre os meses de março a maio de 2018, quando fiscais da Controladoria estiveram em Uberlândia para analisarem informações de registro da aplicação de repasses do Fundo Nacional de Saúde para custeio das ações e serviços de saúde executadas em Uberlândia. O relatório ainda trata de recursos de outros ministérios além da Saúde, como as antigas pastas dos Transportes, Portos e Aviação Civil (hoje da Infraestrutura) e de Cidades (hoje Desenvolvimento Regional).

No total, a CGU analisou o uso de R$ 601,4 milhões vindos das três pastas. Tal montante ainda será assunto de outras reportagens do Diário de Uberlândia em edições desta semana – nesta segunda à tarde, o site do Diário de Uberlândia publicará uma reportagem sobre auditoria feita no Dmae.

No caso dos valores da Saúde que chegaram a Uberlândia, destaca-se tudo o que envolve a UPA Córrego do Óleo, no bairro Mansour, zona oeste da cidade. A execução do projeto era da empresa Brasil Construções e Montagens e até hoje o empreendimento não passa de um esqueleto metálico.

A previsão de entrega era seis meses a partir da ordem de serviço, assinada ainda no ano de 2014. Entretanto, sob as justificativas de possíveis alterações arquitetônicas e alegação da morosidade nos repasses de recursos, a construtora pediu pelo menos três prorrogações de prazo de entrega, sendo a última para dezembro de 2016, mais de dois anos depois da homologação.

Contudo, ainda em janeiro daquele ano, foi assinada uma Ordem de Suspensão, por interesse da Administração Pública, para que fossem avaliados os ajustes a serem implementados, em face de divergências ocorridas entre o projeto e a planilha de quantitativos. Em dezembro de 2016 a empresa Brasil Construções comunicou a desmobilização total do canteiro de obras, com 23,5% da estrutura concluída.


UPA Córrego do Óleo em Uberlândia

UPA Córrego do Óleo em Uberlândia


UPA Córrego do Óleo é um esqueleto metálico | Foto: Jorge Alexandre

Nesse processo, a CGU conclui que houve superfaturamento de R$ 204,6 mil por conta do pagamento por estruturas de concreto armado que constavam em medições, mas que não foram executadas. A análise in loco e também de documentos dão conta que foram repassados R$ 1,95 milhão para a obra, que, de acordo com a Controladoria, não terá o objetivo concluído, que era a implantação da UPA Córrego do Óleo.

Ainda pela ótica da CGU, mesmo que haja reaproveitamento da estrutura existente, a utilização será diferente do pactuado originalmente. O valor inicial da obra era de R$ 3,6 milhões, fora um acréscimo de R$ 159 mil por divergências em planilha licitada. O valor aplicado não foi devolvido e o canteiro continua abandonado e pode ser acessado sem dificuldades por qualquer pessoa.
 
NOVO MUNDO
 
Outro superfaturamento foi apontado na obra da UPA Novo Mundo, na zona leste de Uberlândia. A empresa contratada para a execução do projeto foi a AZM Construtora, no ano de 2013. O valor a mais apontado é de R$ 46 mil e diz respeito à ausência de instalação do forro em chapa de gesso acartonado estruturado em todo o interior da UPA. A área faltante corresponde a cerca de 1,3 mil m2. Também houve a instalação de pisos em porcelanato a menor do que o acordado inicialmente.

A análise do contrato entre Município e AZM mostrou ainda que houve divergências entre Prefeitura e construtora. Em uma das últimas medições, foram apontadas inconformidades entre o executado e o projeto previsto, com a necessidade de ajustes em determinados serviços relativos à acessibilidade e exigências sanitárias. Consta no relatório que a contratada criou resistência com relação à adequação da planilha por conta de aditivo pleiteado pela construtora AZM e que ultrapassava o teto de 25% previstos em Lei. O aditivo não havia sido aprovado pela Prefeitura.

Os repasses para a obra da UPA Novo Mundo também foram de R$ 1,95 milhão, em uma execução que teve cinco prorrogações de prazo de entrega solicitadas. As obras foram oficialmente paralisadas em dezembro de 2016, com menos de 75% do projeto concluído. A paralisação ocorreu na 12ª medição, quando ficou evidenciada a ocorrência de várias patologias na edificação, inclusive faltando algumas instalações. A previsão de conclusão era de seis meses.
 
PACAEMBU
 
Na UPA construída no bairro Pacaembu, zona norte de Uberlândia, também foram encontrados problemas parecidos com a Novo Mundo, como celebração irregular de termos aditivos de acréscimos/supressões de serviços, mas que extrapolaram o limite estabelecido em Lei de 25%. Nesse caso, ao contrário do que aconteceu no contrato da UPA Novo Mundo, os aditivos levaram ao pagamento indevido de R$ 453,7 mil a título de administração local, segundo o relatório da CGU.

A obra também é de responsabilidade da AZM, contratada em setembro de 2013. Entre março de 2014 e agosto de 2016 houve oito prorrogações de prazos, além dos acréscimos acima de teto previsto por Lei. Ao todo, R$ 2,6 milhões foram repassados para que o empreendimento fosse levantado. Em 17 medições, documentos apresentados à CGU apontaram que 94,5% da obra estavam prontos, ainda que o local apresentasse pendências como a instalação para gases medicinais, impressora do raio-X e outros equipamentos.

Além de problemas de execução das obras, a exemplo de telhados danificados, necessidade de reparos das portas e em paredes de dry wall, falta de instalações hidrossanitárias, problemas no piso e no forro de gesso, o que foi constatado por técnico da CGU. O Corpo de Bombeiros também não liberou laudo para funcionamento da unidade.
 
Licitações de UPAs têm indícios de irregularidade
 
Nas licitações para escolher as empresas que iriam construir as três Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) em Uberlândia, o relatório da Controladoria Geral da União sobre aplicação de repasses federais aponta irregularidades que levaram a direcionamento dos processos.

Para a UPA Córrego do Óleo, a CGU aponta restrição de competitividade com a inclusão de cláusulas que podem ter inibido a presença de um maior número de empresas no certame, além das cinco que apresentaram propostas. Além disso, o processo teria permitido o conhecimento prévio entre os licitantes, já que marcaria hora e data específicos para todas as visitas técnicas.

Outro fato que chamou a atenção da CGU foi a aquisição de editais pelas construtoras AZM e Brasil Construções no mesmo dia, mesmo operador e com pagamentos com apenas 37 segundos de diferença entre um e outro. Esse indício sinaliza que a mesma pessoa efetuou os dois recolhimentos das guias de pagamento do edital, o que indica uma possível frustração do caráter competitivo na participação das duas empresas na concorrência. Ao final, as duas empresas foram as únicas com propostas de preços válidas e vencedoras dos certames.

Os editais para as licitações das obras Novo Mundo e Pacaembu também apresentaram restrições de competitividade, de acordo com a Controladoria. As reservas são muito próximas do caso Córrego do Óleo, com fixação de data e horário para realização de visitas técnicas, algo que pode favorecer prévio acerto entre os pretendentes.
 
Controladoria aponta falhas em cessão do Hospital Municipal e de UAIs
 
Cessões de gestão de unidades de saúde do Município também foram alvos de fiscalização da CGU, que apontou falhas em editais que facilitaram a manutenção de organizações sociais na gerência do Hospital Municipal e também das Unidades de Atendimento Integrado (UAI) da zona sul da cidade.


Hospital Municipal de Uberlândia

Hospital Municipal de Uberlândia


União aponta irregularidades na terceirização de unidades (Foto: SPDM/Divulgação) 

No caso do Hospital Municipal, segundo a CGU, o dimensionamento impreciso de custos e inexatidão do preço estimado para a formação do preço em chamada pública no ano de 2017, direcionou a contratação da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que já administrava a unidade de saúde desde 2010. Os recursos financeiros envolvidos no Contrato de Gestão foram estimados, incialmente, em R$ 114 milhões para os doze meses do exercício de 2018, o que representa parcela mensal de R$ 9,5 milhões.

O mesmo problema de edital teria acontecido em 2014, quando o Município e a entidade Missão Sal da Terra firmaram contrato de gestão das UAIs da zona sul. A organização social, assim, participou do processo licitatório com importante vantagem competitiva em relação a possíveis concorrentes por ser a única detentora das informações relativas à composição de custos dos serviços licitados.
 
Pagamentos suspeitos por serviços e mercadorias
 
Serviços prestados por dois hospitais ao Município, executados com inexigibilidade de licitação, também foram vistos como irregulares pela CGU. O período analisado foi entre 13 de maio de 2015 e 10 de novembro de 2016, quando cinco processos de dispensa de licitação foram analisados. O valor gasto foi de quase R$ 842 mil e a situação é fragilizada pela falta de celebração de contratos entre Município e hospitais prestadores de serviço. Dessa forma, não foram demonstrados que os pagamentos tenham sido feitos com base em valores de referência previamente acordados, indicando que os hospitais tiveram total liberdade na fixação do preço pelos serviços.

No ano de 2017, três fornecedores foram contratados para compras na ordem de R$ 406,3 mil em produtos de limpeza e de consumo. Um fato destacado pela CGU é que duas das empresas emitiram notas sequenciais quase que na totalidade para a Prefeitura de Uberlândia num período aproximado de um mês. Outro indício de irregularidade é que o sócio de um fornecedor era servidor não efetivo da Prefeitura de Uberlândia à época da contratação. Por Lei, a empresa deveria ser impedida de contratação.

As irregularidades não param por aí. De acordo com a Controladoria Geral da União, uma das fornecedoras não tem registro de empregados. O que piora a situação é que em diligência a um dos estabelecimentos, no bairro Jardim Brasília, descobriu-se que no endereço fornecido à Prefeitura exista uma igreja. O mesmo aconteceu em mais diligências de técnicos da CGU, que descobriram outra empresa não está mais no endereço cadastrado.
 
Ex-prefeito disse não ter sido notificado
 
Em entrevista ao Diário, o ex-prefeito Gilmar Machado (2013-2016) informou não ter sido notificado de qualquer problema que tenha sido levantado pela Controladoria Geral da União, a qual apontou uma série de falhas envolvendo UPAs e outros contratos da Saúde, principalmente em sua gestão.

Questionado sobre os pontos levantados pela CGU, Machado disse que em conversas com o então secretário de obras, Fernando Nascimento, todos os pagamentos foram regulares e com recursos carimbados em relação às UPAs, não havendo superfaturamento. “Eu lamento, porque quando assumi a Prefeitura terminei várias obras inacabadas. Lamento que o pessoal não tenha tocado as obras e lamento que em 2014 tenha havido um processo de golpe, o que fez com que o Brasil tenha mudado os programas e o Governo Federal descontinuado repasses”.

O ex-prefeito também negou problemas em licitações, citando que existe uma comissão específica para esse tipo de procedimento. “Prefeito não faz licitação, há profissionais efetivos para isso. Todas as contas e processos foram aprovados pelo Tribunal de Contas da União”, disse.

O Diário ainda procurou as construtoras AZM e Brasil Construções, mas não conseguiu contato com os responsáveis e nem recebeu retorno delas quando foram solicitadas.
 
Atual gestão
 
Procurada, a atual gestão da Prefeitura de Uberlândia respondeu à reportagem por meio de nota. O texto informa que o Município “já instaurou processo administrativo para apurar todos os apontamentos mencionados no relatório elaborado pela Controladoria Geral da União (CGU). Esclarece ainda que quase a totalidade dos casos que constam no documento se refere a atividades realizadas nos anos de 2015 e 2016, durante exercício da administração municipal anterior.

em relação ao único caso ocorrido em 2017, a gestão municipal esclarece que se trata de um contrato firmado em caráter emergencial para a compra de itens como papel higiênico, desinfetante hospitalar, sabão em pó, papel toalha, sabonete e outros utensílios essenciais para a manutenção dos serviços à população nas unidades de Saúde. A situação também é objeto de apuração interna pelo Município”.
 

Procuradoria e Conselho de Saúde acompanham casos
 
O Ministério Público Federal informou que já teve acesso ao relatório da CGU ainda no final de 2018 e que acompanha os problemas apontados pela Controladoria. O objetivo nesse momento da Procuradoria é viabilizar o cumprimento das recomendações da CGU. Nos próximos dias mais informações serão requisitadas aos citados no relatório. Não estão descartadas ações judiciais para tentar mitigar os problemas no uso de recursos federais na área da saúde de Uberlândia.

O presidente do Conselho Municipal de Saúde, José Veridiano de Oliveira, também informou ter tido acesso ao relatório da CGU e que ainda precisa deliberar o documento dentro da entidade. “Isso pode trazer grande preocupação e pode trazer transtornos. Os recursos podem diminuir, caso esses questionamentos não sejam respondidos ou haja qualquer tipo de condenação contra o Município. Esse relatório não é algo costumeiro (no Município)”, disse.
 
Sobre a fiscalização
 
O relatório da CGU faz parte do Programa de Fiscalização em Entes Federativos (FEF). O número de fiscalizações deste programa está relacionado à limitação da capacidade operacional da CGU, e considera também normas internacionais que exigem uma atividade de auditoria interna governamental com propósito de aumentar e proteger o valor organizacional das instituições públicas, fornecendo avaliação, assessoria e aconselhamento baseados em risco.
Os programas de fiscalizados são anuais e definidos especificamente para cada município e ciclo a partir dos recursos federais transferidos e outros indicativos de criticidade e relevância.

Os relatórios são encaminhados, para conhecimento e providências, aos gestores das pastas envolvidas. A Controladoria acompanha o processo e, caso necessário, encaminha ainda aos órgãos competentes para aprofundamento das investigações e possíveis responsabilizações.

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