Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
20/02/2019 às 08h36min - Atualizada em 20/02/2019 às 08h36min

Leveza e riso contra o radicalismo

Escritor mineiro Celso Suarana lança “O Cabaré do fim dos tempos” com protagonista LGBT

ADREANA OLIVEIRA
O escritor mineiro Celso Suarana | Foto: Divulgação
O escritor mineiro Celso Suarana lança amanhã, no Vinil, em Uberlândia, seu segundo livro, “O Cabaré do fim dos tempos” (Ed. Subsolo, 120 páginas, R$ 35 com preço especial no evento). Natural de Sacramento, ele viveu em Uberlândia entre 1998 e 2003, cursou Música na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e atualmente está radicado em São Paulo. É também autor do livro “Tempestades” (2003).
 
Segundo o autor, “O Cabaré do fim dos tempos” é um romance sobre o Brasil atual sob um determinada ótica. Na trama, os boêmios e artistas que aguardam a performance de Florbela estão prestes a enfrentar manifestantes radicais. “Ao mesmo tempo, nenhum lugar é diretamente citado na narrativa, nem mesmo o Brasil. Dentro desta perspectiva, a história poderia sim se passar em qualquer uma das grandes cidades brasileiras. Por outro lado, as referências urbanas que estão na obra são bem evidentes”, explicou, em entrevista ao Diário de Uberlândia.
 
Suarana conta que a ideia principal veio das agitações políticas fortes em que passamos no começo de 2016, especialmente pelo clima que estavam as ruas de São Paulo. Ele mora perto de onde ocorreram as manifestações mais emotivas dos últimos anos e via todos esses humores o tempo inteiro por sua janela. “Uma noite eu desisti de ir a uma festa por causa de um tipo de medo que eu nunca tinha sentido. Foi aí que o Cabaré nasceu. O livro começou a ser esboçado em 2016 e foi finalizado em sua versão atual no começo de 2018. Ou seja, eu cheguei ao formato literário que desejava em dois anos. Mas quando ele se tornou projeto de publicação iniciou um outro processo, primeiro com a criação das ilustrações, um trabalho abraçado por meu amigo Cássio Gois, em seguida a parceria com a editora Subsolo. E em meio a todas as revisões eu ainda modifiquei muito, acrescentei referências a acontecimentos mais recentes, suprimi trechos e até fiz alterações quando o livro já estava diagramado”, disse.
 
Ele acredita que dentro da atmosfera política seu livro traz um certo registro de fatos e discursos que vivemos no Brasil nos últimos três anos. Há influências de situações de épocas distintas condensadas em um enredo rápido, como se tudo tivesse se passado em uma única noite. “Outro ponto que considero valoroso diz respeito à diversidade sexual, que está presente no texto com naturalidade e não como um drama por si só. Penso que isso também é importante, falarmos cada vez mais de nossa sexualidade de modo natural, admitindo-a como parte de nossas vidas, deixando os pudores um pouquinho de lado”, comentou ele que espera ter cultivado nesta obra a comicidade, para que seja uma experiência divertida e catártica. “É um romance satírico, portanto desejo que os leitores se encontrem na caricatura que o texto traz.
 
AS BOLHAS
 
Nascido e criado no interior, e com a perspectiva de uma metrópole, Suarana coloca em evidência a diversidade, que ainda trava uma luta diária contra o preconceito. A protagonista do romance é uma mulher transexual e o autor percebe que o preconceito ainda é forte porque os jovens ainda não se sentem totalmente livres e seguros para exercer suas sexualidades sem medo em qualquer local. “Antes a população LGBT vivia em guetos, hoje esses guetos são ‘bolhas’. Algo melhorou sim, mas ainda está muito longe de uma igualdade de direitos e comportamentos se compararmos ao mundo cis-hétero”, comentou Suarana.
 
Ele diz ainda que em sua cidade natal, Sacramento, não existe nenhuma visibilidade LGBT, houve uma “Parada Gay” em uma avenida sem casas, longe do centro, como se fosse algo escondido. Isto já revela bem que lá o preconceito e a intolerância são bem fortes. A vida LGBT em cidades pequenas ainda é complicada. Entretanto, hoje há o intermédio dos aplicativos, o que facilita bastante para que as pessoas possam, pelo menos, se conhecer e se encontrar”, disse.
 
O escritor conheceu o mundo LGBT em Uberlândia, que sempre lhe pareceu uma cidade bem progressista neste sentido, porém, ainda muito diferente de São Paulo. Agora ele vem pouco à cidade. “Não posso dizer se houve mudanças desde que saí daí, em 2004, mas penso que provavelmente ainda seja de algum modo similar. Há os locais em que a população LGBT frequenta, os bares, as boates, ou seja, a ‘bolha’, mas não creio que exista uma liberdade real fora desses espaços específicos. Com liberdade real me refiro a possibilidade de duas pessoas do mesmo sexo andarem de mãos dadas, por exemplo, em qualquer ponto da cidade sem que tenham algum risco, que seja de houver alguma piada homofóbica”, explicou.
 
Segundo ele, a região central de São Paulo, onde vive, é próximo ao epicentro dessa “bolha”, é a grande “bolha”, o que leva a uma ilusão de liberdade e tolerância. “Mas percebo que muitos jovens LGBT que circulam no final de semana são de pontos distantes da grande São Paulo, muitas vezes de outras cidades e de regiões periféricas. Eles precisam vir para o centro da capital porque não se sentem à vontade em suas vizinhanças. Enquanto jovens necessitam se deslocar quilômetros para simplesmente viver o que realmente são, temos evidências de que o preconceito ainda é forte e está bem longe de deixar de existir.”
 
FUTURO
 
E, por incrível que pareça, Suarana vê uma perspectiva de melhora nesse cenário. Por mais que exista um movimento conservador ganhando força no País, já há mudanças significativas de comportamento que dificilmente retrocederão. “Penso que as crianças de hoje já crescem em um mundo onde essas discussões são mais abertas, elas já convivem mais naturalmente com familiares LGBT, as famílias homoafetivas têm mais visibilidade. O comportamento está em seu processo de transformações natural”.
 
Ele comenta que no ano passado ouviu uma menina de nove anos rir do colega por ele comentar que rosa era cor de menina. Ela simplesmente respondeu: “quem disse que cor tem gênero?”. “Achei fascinante, porque quando eu tinha a idade dela jamais daria uma resposta assim, porque não havia esse questionamento, antes essa discussão só poderia acontecer em ambientes de militância, nunca em uma conversa corriqueira de duas crianças.
 
SERVIÇO
 
O QUE: Noite Literária - “O Cabaré do fim dos tempos”
AUTOR: Celso Suarana
SHOW: Transviadas
LEITURAS E PERFORMANCES: Fernando Borma, Alanna Fernandes, Alberto Rodovalho, Luiz Henrique Coutinho, Lui Zerah
QUANDO: Amanhã (21), às 20h – casa abre às 17h
ONDE: Vinil Cultura Bar (Av. Segismundo Pereira, 1.121, Santa Mônica)
INGRESSO: R$ 5
INFORMAÇÕES: 3234-6999

Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90