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24/10/2018 às 08h01min - Atualizada em 24/10/2018 às 08h01min

Dinheiro falso motivou tiroteio

Policiais Civis de SP e MG se envolveram em confronto após desacerto em negócio ilegal, mostra investigação

FOLHAPRESS
Policiais cívis de SP foram presos logo após tiroteio | Foto: Fernando Priamo/Tribuna de Minas
O confronto entre policiais civis de São Paulo e de Minas Gerais que deixou um morto e dois feridos em Juiz de Fora (MG) pode ter ocorrido quando os agentes paulistas descobriram que estavam recebendo notas falsas em um negócio ilegal que envolvia cerca de R$ 14 milhões.

A avaliação está em documento da Justiça mineira produzido em audiência realizada no domingo (21). Na ocasião, foi convertido para prisão preventiva o flagrante de quatro policiais civis paulistas e de dois empresários envolvidos diretamente no caso.

O confronto, ainda com motivos não esclarecidos, ocorreu na tarde da última sexta-feira (19) em um prédio anexo a um hospital. Durante a ação, um policial mineiro de 39 anos foi morto, e dois empresários foram baleados.

Segundo investigações preliminares, os policiais civis de São Paulo estariam na cidade para realizar uma "escolta vip" para um doleiro.

Cada policial, segundo apuração, receberia R$ 1.500 para fazer esse trabalho. De folga, os agentes podem realizar serviços particulares. No entanto, de acordo com a Justiça mineira, há indícios de que os policiais tinham conhecimento da ilegalidade da transação feita entre os empresários.

Ainda que não soubessem, diz o documento, era dever deles, como agentes públicos, ter ciência de todos os fatos com os quais estavam se envolvendo. Eles podem ser indiciados por homicídio, tentativa de homicídio, lavagem de dinheiro, estelionato, prevaricação, sonegação fiscal e organização criminosa, a depender da conclusão das investigações.

Após a troca de tiros, foram apreendidas as malas com o dinheiro que seria negociado.

Alvo da escolta, o doleiro Flávio de Souza Guimarães saiu de São Paulo em direção a Minas em um avião particular para realizar um "negócio milionário". No voo, estava acompanhado de um delegado da polícia de SP e dos empresários Roberto Uyvare Júnior e Jerônimo da Silva Leal Júnior.

Uyvare Júnior, segundo a Justiça mineira, possui empresas na França, na Espanha e no Brasil, "não se sabendo ainda o ramo". Já Leal Júnior seria dono de uma empresa de segurança em São Paulo.

Leal Júnior é irmão de um investigador, um dos quatro policiais presos após o confronto. Ainda segundo a Justiça mineira, esse investigador foi de carro a Minas na companhia de outros sete policiais, entre eles os delegados Bruno Martins Magalhães Alves e Rodrigo Castro Salgado da Costa, para, "ao que parece", essa escolta VIP ao doleiro.

Os policiais de São Paulo, segundo a Justiça, estariam "fortemente armados", com pistolas 380, .40 e 45, além de rádios comunicadores e coletes a prova de balas. Eles usaram dois carros alugados e se hospedaram, na madrugada de sexta-feira, em um hotel próximo ao hospital.

No lobby do hotel, segundo indica a investigação, o doleiro Flávio, o empresário Uyvare Júnior e um terceiro homem (identificado até agora apenas como Mário) passaram a negociar com o doleiro Antônio Vilela, esse oriundo de uma outra cidade do interior mineiro e que estava acompanhado de um homem ainda não identificado.

Em seguida, parte dos policiais civis paulistas seguiu para o estacionamento do hospital, onde trocou tiros com policiais civis mineiros que faziam a escolta de Vilela, que também saiu ferido.

"Ao que se presume, o chamado de 'desacerto' [entre as partes] ocorreu depois que os 'negociantes' de São Paulo detectaram a falsidade [das notas em reais], reforçando o argumento de que precisavam mesmo de segurança e proteção", diz a Justiça mineira.

No momento do confronto, segundo a investigação, quatro policiais já estavam no caminho de volta a São Paulo e, dessa forma, não teriam participado da troca de tiros, apenas da escolta inicial. Em razão disso, suas prisões não foram decretadas.

Ferido com um tiro no pé, o doleiro Vilela teve alta do hospital na noite de domingo e está preso no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional de Juiz de Fora. Já o empresário paulista Jerônimo da Silva Leal Júnior, ferido no abdômen, foi levado a um hospital da região, onde está internado em estado grave. Ele é apontado como o autor dos disparos que mataram o investigador mineiro.

Segundo nota da Secretaria da Segurança Pública do Estado de SP, delegados da capital e da Corregedoria estão em Juiz de Fora para apurar as circunstâncias do caso e verificar o que os agentes faziam na cidade fora do horário de trabalho. "Comprovados desvios de conduta, os policiais envolvidos responderão administrativa e criminalmente, de acordo com os atos praticado por cada um", diz, em nota, a pasta do governo Márcio França (PSB), candidato à reeleição.

SUSPEITA
Quantia poderia ser usada para caixa 2 eleitoral


A Polícia Civil de São Paulo investiga se os R$ 14 milhões apreendidos em Minas Gerais após tiroteio envolvendo policias dos dois estados, na última sexta-feira (19), em Juiz de Fora, seriam utilizados para abastecer caixa dois de campanhas eleitorais.

Essa linha de investigação apareceu durante o depoimento de um empresário à Corregedoria da Polícia Civil, na tarde de segunda-feira. A polícia investiga a origem e quanto dessa quantia é de notas falsificadas.

Segundo o secretário paulista Mágino Alves Barbosa Filho (Segurança Pública), o principal alvo das apurações até aqui é a conduta dos policiais que escoltavam empresários paulistas em negociação supostamente ilegal. Parte dos policiais está presa sob suspeita de lavagem de dinheiro.

"Se incidentalmente aparecer alguma [pista sobre caixa dois], tudo bem, mas o objetivo da nossa investigação [em São Paulo] é apurar a conduta dos policiais. Se encontrarmos [indícios], a gente vai comunicar a PF [Polícia Federal], a Justiça eleitoral imediatamente", disse.

Mágino afirmou ainda que considera "muito estranha" uma ação desse tipo neste momento, envolvendo movimentação de dinheiro em espécie. "Nessa época do ano, é muito estranho esse tipo de ação. Mas, repito, nosso objetivo é apurar a ação dos policiais", completou o secretário.

DEPOIMENTO

O doleiro Flávio Guimarães prestou depoimento à Corregedoria da Polícia Civil na segunda-feira. Nele, negou que tivesse objetivo eleitoral, assim como também negou que tenha levado dólares para Minas para serem trocados por reais. Alegou que foi a Juiz de Fora para pegar um empréstimo.

"O declarante nega, de forma veemente, qualquer vinculação dos fatos aqui narrados com atividade político-partidária de qualquer espécie ou viés, refutando especialmente alegação sentido de caixa dois eleitoral", diz trecho do depoimento do empresário, após questionado sobre isso.

Segundo a Folha de S.Paulo apurou, a cúpula da Segurança Pública não acredita nessa versão de empréstimo, tanto assim que classifica como ato criminoso praticado pelos nove policiais civis que participaram da escolta do empresário até lá. O empresário disse ainda que pagou R$ 30 mil pelo serviço de escolta, por temer ser alvo de eventual sequestro em Juiz de Fora.

As apurações conduzidas pela polícia mineira indicam até agora que as malas de dinheiro seriam transportadas para São Paulo, mas só não foram porque, durante a negociação, os empresários paulistas desconfiaram de golpe -de que parte do dinheiro (notas de R$ 100) era falsa. Isso deu início à troca de tiros, já que policiais civis de Minas acompanhavam o empresário Vilela.

Ontem, a Ouvidoria da Polícia encaminhou à Superintendência da Polícia Federal pedido para que a instituição acompanhe o caso por envolver policiais de dois estados e suspeitas de crimes graves, como homicídio, lavagem de dinheiro, prevaricação, estelionato e organização criminosa.

"Entendemos que pela complexidade desta ocorrência, é fundamental o acompanhamento da Polícia Federal", diz ofício assinado pelo ouvidor, Benedito Mariano.

ENTENDA O CASO

O que aconteceu

Escolta
Nove policiais civis de São Paulo, entre eles dois delegados, foram contratados para escoltar três empresários paulistas durante negociação em Juiz de Fora (MG)

Negociação
Na sexta-feira (19), em um hotel da cidade mineira, os paulistas iniciaram uma negociação com o mineiro Antonio Vilela e um emissário seu. Ainda não se sabe ao certo o que estava sendo negociado

Pagamento
Mais tarde, os empresários e quatro policiais paulistas foram até o estacionamento do Hospital Monte Sinai, onde uma transação envolvendo R$ 14 milhões seria finalizada. Lá também estavam quatro policiais mineiros, que, suspeita-se, faziam a escolta de Vilela

Notas falsas
Segundo suspeita a investigação, os paulistas teriam descoberto que notas usadas no pagamento eram falsas. Isso teria dado início ao tiroteio

Feridos
Três pessoas foram baleadas: o empresário mineiro Antonio Vilela, o empresário paulista Jerônimo Jr. e o policial mineiro Rodrigo Francisco, que morreu no local

Retorno
Cinco dos nove policiais civis retornaram a São Paulo durante a ação, e não se envolveram no tiroteio. Ainda assim, eles estão sendo investigados, já que a transação de dinheiro era ilegal

Quem está preso
Jorge Alexandre Barbosa de Miranda, investigador da Polícia Civil de SP
Caio Augusto Freitas Ferreira de Lira, investigador da Polícia Civil de SP
Bruno Martins Magalhães Alves, delegado da Polícia Civil de SP
Rodrigo Castro Salgado da Costa, delegado da Polícia Civil de SP
Antonio Vilela, empresário mineiro
Jerônimo Jr, internado em estado grave, está sob custódia da polícia

Os policiais
São Paulo: Os policiais de SP receberam cerca de R$ 1.500 pelo serviço. Alguns deveriam estar trabalhando durante o período em que a ação aconteceu
Minas Gerais: Os policiais de Minas inicialmente disseram que foram ao local do tiroteio para averiguar uma ocorrência, mas essa versão foi contestada pela Justiça mineira

Crimes
Segundo a aponta a investigação, há indícios de que os policiais, paulistas e mineiros, sabiam que estavam se envolvendo em negócio ilegal. Eles podem ser indiciados por homicídio, tentativa de homicídio, lavagem de dinheiro, estelionato, prevaricação, sonegação fiscal e organização criminosa, a depender da conclusão das investigações
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