Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
30/09/2018 às 06h10min - Atualizada em 30/09/2018 às 06h10min

Os últimos dos moicanos

Uberlândia tem cerca de 37 estabelecimentos que tentam resistir aos avanços do streaming e da pirataria

VINÍCIUS LEMOS
Ronis Pacheco irá fechar uma de suas lojas no final do ano, mas se mantém otimista com o mercado | Foto: Vinícius Lemos
A próxima grande aposta de um dos gigantes do cinema, a Marvel Studios, será a personagem Capitã Marvel, cujo filme se passa na década de 90. No primeiro trailer do filme, a super-heroína despenca dos céus e, para simbolizar o período em que o filme está inserido, cai numa unidade da Blockbuster, enorme cadeia de videolocadoras que sucumbiu à queda do setor. Em Uberlândia, as locadoras de filmes já existiram a centenas, mas, atualmente, o número de empresas do tipo ativas na Junta Comercial de Minas Gerais (Jucemg) não passa de 37.

A despeito das tecnologias como locações via internet de filmes digitais e da concorrência monumental dos serviços de streaming, o inimigo que venceu as locadoras, segundo representantes do próprio setor ouvidos pelo Diário de Uberlândia, foi a pirataria, inicialmente em DVDs vendidos a preço de chiclete, depois pela distribuição ilegal via internet. Sobre o futuro, as previsões locais são, em sua maioria, tão obscuras quanto o que aconteceu com o negócio de US$ 500 milhões da Blockbuster: extinção.

De todas as entrevistas feitas pelo Diário, apenas o empresário Ronis Pacheco teve uma visão mais otimista para as vídeolocadoras em Uberlândia. Com o encolhimento do mercado, ele imagina que, em certo momento, o número de estabelecimentos atingirá o ideal para o atendimento da atual demanda de clientes. “Eu acho que não fecharão todas as locadoras. Há clientes e fornecedores”, disse.

No mercado desde julho de 1991, contudo, ele entende perfeitamente o quanto a situação mudou ao longo dos anos. Pacheco tem duas unidades, uma no bairro Roosevelt e outra no Santa Rosa, sendo que esta já passa pelo processo de fechamento. O motivo é a queda de clientes, que já foram mais de 1,5 mil ativos e hoje não passam de 250. “Abri a filial em 1997 para desafogar essa unidade [Roosevelt], mas agora não tem por que manter as duas. A do Roosevelt consegue atender os clientes”, afirmou.

Ele lembra que entre 1997 e 2003, entre os aluguéis do antigo VHS e o advento e popularização do DVD, houve o ápice das locadoras. Foi nessa época que um novo estabelecimento abriu as portas no bairro Custódio Pereira, negócio que hoje é gerenciado por Átila Bitencourt, que abre e fecha a locadora nos últimos cinco anos entre o início da tarde e à noite. A grande constatação dele é que o mercado se dirige para seu final, mesmo que nos últimos meses pelo menos 20 novos clientes tenham sido cadastrados. “No fundo, eu acredito que vai acabar, mas queria acreditar no mercado se estabilizando”, disse.

INIMIGOS
Ainda no início dos anos 2000, os primeiros filmes pirateados digitalmente chegaram às mãos da população em geral. Eles podiam ser baixados em sites que exigiam pesquisa e posterior paciência dos usuários de internet, cujas conexões sem banda larga demoravam a fazer o download de algumas centenas de megabytes. Surgiu ainda a alternativa de compra, também via internet, de DVDs que traziam filmes ainda em cartaz nos cinemas. Posteriormente, esse processo se tornaria cada vez mais simples, ao mesmo tempo em que bancas de camelôs se entupiam de DVDs piratas.

Em Uberlândia, ainda em meados da década passada, foi criada uma associação contra a pirataria, em busca da redução da concorrência desleal. A União das Locadoras de Vídeo (Univídeo), entre 2006 e 2015 divulgou números de mais de 350 mil mídias piratas apreendidas. 

Mas com internet cada vez mais rápida, baixar um filme se tornou coisa de minutos. SmartTVs também se multiplicaram e a facilidade de conectar um computador aos televisores, fora o uso de aparelhos como tablets, transformaram as locadoras em ambientes cada vez menos lembrados. A chegada dos serviços de streaming ainda fez com que os espectadores se perguntassem: por que sair de casa para buscar uma mídia física se posso fazer tudo do meu sofá?

O PORQUÊ
“Sempre gostei de filmes. Abri a locadora por causa disso”, disse o empresário Edésio Pereira Cardoso, dono de uma locadora desde 1995 no bairro Granada. Ele começou com um cômodo com cerca de quatro ou cinco prateleiras com capas de fitas VHS, além de jogos de videogames como Mega Drive e Master System. Ele diz que sobrevive por ser muito antigo no mercado e ter se tornado uma referência na região onde atua. Já teve mais de 15 mil cadastros, mas atualmente conta com 100 clientes ativos. Ele afirma que o negócio não é mais tão lucrativo, só que não pode empreender de outra forma por problemas de saúde. “Mas é uma satisfação conversar com clientes”, afirmou.

Pelas locadoras visitadas pela reportagem, é esse tipo de trato humano que leva pessoas como a enfermeira Bárbara Ferreira Borges Figueira a sair de casa em busca de filmes para assistir. Isso, e o fato de que em serviços de streaming há poucas opções de lançamentos que ela não pôde ver em uma sala de cinema. 
“Sempre fui em locadora, tenho ficha há cerca de 10 anos aqui, mas antes locava em nome do meu irmão, por exemplo. Gosto de procurar filmes aqui, na Netflix já prefiro ver as séries”, disse Bárbara, depois de devolver alguns blu-rays e acabar sendo convencida de levar pelo menos mais um título para assistir durante a semana. A conversa com o dono da locadora fez a diferença e a indicação foi de um longa de ação na medida que ela costuma gostar.

Assídua cliente de uma videolocadora próxima de sua casa, Marinez Cunha contou que nunca quis alugar um filme por meio da internet, como em serviços do YouTube ou reservas sob demanda de canais de TV fechada. Ela prefere garimpar algo novo nas prateleiras da locadora ou tentar achar um longa-metragem antigo para rever. “Adoro filmes antigos e na maior parte das vezes vou até a locadora e procuro ajuda do funcionário. Às vezes, alugo vários deles. A gente conversa e recebo indicações. Filmes antigos a gente não acha em aplicativos. É ruim por isso se a locadora fechar”, explicou.

O perfil de quem ainda aluga filmes é variado, segundo os donos de locadoras, e vai de pessoas que simplesmente mantêm o hábito de visitar os estabelecimentos a quem não está muito ligado às tecnologias. Inclusive, chama atenção que há pessoas jovens, de 20 anos, como clientes mais comuns entre os assíduos desse tipo de estabelecimento. Quem tem acesso à internet apenas via smartphone, também se mantém fiel às locadoras, principalmente pela maior dificuldade de baixar um filme por consumir muito do pacote de dados oferecido pelas operadoras.

SOBREVIVÊNCIA
Locadoras se mantêm com redução de custos


Além contar com a fidelidade do público, os empresários explicam que o corte de custos é necessário para manter o estabelecimento ativo. O processo começa pela demissão de funcionários e atinge o atendimento e a contabilidade, que ficam centrados em membros da própria família administradora. 

O empresário Ronis Pacheco explicou que, hoje, inclusive, sua empresa funciona como Microempreendedor Individual (MEI), medida adotada após a queda de ganhos e com foco na redução de impostos. Ele também explicou que faz compras apenas à vista, sem contrair dívidas que não poderá quitar posteriormente. 
Além disso, Edenísio Pereira Cardoso explicou que a compra de filmes ficou restrita. Os preços mais altos de um título, cerca de R$ 50 para a compra da empresa, e a baixa exigência do cliente não o fizeram entrar no mercado das mídias físicas em alta-definição. Os blu-rays, natural evolução dos DVDs, quase não fazem parte do catálogo de seu estabelecimento.

A própria variedade de títulos caiu, segundo Átila Bitencourt. Segundo ele, cada filme tem que ser muito bem escolhido, para que, posteriormente, haja saída e a empresa tenha retorno. “Antigamente a gente podia comprar um grande pacote, que conseguiríamos alugar, hoje não é assim”.

THE END
Ironicamente, uma das atuais referências em filmes no mundo, a Netflix, começou como um serviço de entrega de filmes na casa dos clientes. No entanto, a internet deu um caminho mais rápido para a empresa chegar até o cliente.

A Blockbuster, por sua vez, ainda mantém uma unidade na cidade de Bend, no Estado de Oregon, nos Estados Unidos. Foi o que restou de uma cadeia com mais de 8 mil lojas pelo mundo. 

Se por um lado, antes da tela escurecer de vez para as nostálgicas locadoras, os estabelecimentos de Uberlândia parecem estar melhores do que a ex-maior do mundo, por outro, resta saber se as locadoras se tornarão apenas uma referência em um filme que se passa na década de 1990, uma lembrança pelas multas por não rebobinar as fitas de VHS ou um caso de resistência.
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90