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09/09/2018 às 09h42min - Atualizada em 09/09/2018 às 09h42min

Um tempo de cuidado que vale por uma vida

30 crianças afastadas do convívio familiar estão em acolhimento em Uberlândia

CAROLINA PORTILHO
A aposentada Tânia Borges atualmente cuida de dois irmãos, de 4 e 7 anos | Foto: Carolina Portilho
No dia 18 de julho, a imprensa de Uberlândia noticiava sobre a recém-nascida encontrada ainda com o cordão umbilical em uma pilha de tijolos no assentamento Santa Clara, na zona leste. Assim que foi encontrada por uma moradora do bairro, ela foi levada para atendimento médico e na sequência para uma família acolhedora, programa social que visa o acolhimento provisório de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar.

Durante o acolhimento, a pequena não foi procurada pela mãe e nem pelas famílias materna e paterna, que teriam um prazo de 30 dias para manifestarem interesse em ficar com ela. Diante das ausências a criança foi adotada. Todo esse processo durou um mês e assim como essa recém-nascida, outras crianças já passaram pela mesma situação de adoção ou acabaram voltando para sua família de origem. E tem ainda as que estão vivendo essa fase, como os irmãos de 4 e 7 anos que estão na casa da acolhedora Tânia Borges Lucena, de 55 anos.

A aposentada está com o casal de crianças há dois meses e logo ambos devem ir para a família extensiva, onde irá receber os cuidados dos tios. Esse é o trabalho do projeto Família Acolhedora em Uberlândia, que tem a supervisão da ONG Missão Sal da Terra e gestão da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Trabalho e Habitação. São 30 vagas atualmente para acolhimento de crianças e adolescentes que estão em situação de vulnerabilidade.

De acordo com a coordenadora do projeto, Karina de Melo Garcia, o tempo máximo para uma criança ficar em uma família acolhedora é de um ano e meio. “Enquanto ela está na família acolhedora, a Justiça decide o destino dessa criança, se ela será adotada ou se volta para a família. Hoje temos 30 crianças acolhidas e 22 crianças e adolescentes em acolhimento institucional, que são os abrigos”.

Todas as famílias acolhedoras passam por um processo de capacitação e durante o período em que estão com as crianças, o trabalho é acompanhando por equipes de psicólogos e assistentes sociais da Missão Sal da Terra. As únicas restrições dos interessados para a Família Acolhedora é não ser cadastrado em programas de adoção da cidade e ter acima de 21 anos. Antes de passar pelo curso de capacitação, a pessoa interessada precisa apresentar atestado de saúde física e mental e documento que comprove a ausência de antecedentes criminais.

“São cinco encontros de três horas cada um, precisa ter presença em 80% deles. Nossa equipe de assistente social e psicólogo vai na casa da família, faz entrevista socioeconômica e nesse momento a pessoa informa que perfil de criança quer acolher, como idade, sexo e grupo de irmãos, por exemplo. O processo é bem estruturado para não haver falhas”, disse Karina.

A coordenadora reforça que em Uberlândia não há crianças abaixo de seis anos em acolhimento institucional (abrigo). Todas estão em famílias acolhedoras. Segundo ela, a expectativa é que essa situação também seja uma realidade entre os adolescentes na mesma situação. 

“Há casos de crianças que não sabem nem tomar banho, comer. Na família que fará esse acolhimento ela receberá não só amor, respeito, mas ensinamentos que não foram vividos por essas crianças. O olhar é individual e o resultado é preciso. Elas passam a ter uma vida normal, vai ao shopping, escola, médico, brinca com amigos. Diferente um pouco dos que ficam em abrigo, pois não há essa dedicação exclusiva, mas essa realidade já está mudando também. Já temos famílias interessadas em acolher crianças com 10, 12 anos”.

Pessoas interessadas em fazer parte do projeto Família Acolhedora podem entrar em contato com a Missão Sal da Terra por meio dos telefones (34) 3226.9317 e 99925.7904. Novas turmas devem ser formadas em breve para que a ONG tenha um banco de dados para o surgimento de novas demandas.

EXEMPLO DE ACOLHEDORA
Aposentada viveu na pele situação de abandono


A aposentada Tânia Borges, que está em seu terceiro acolhimento, também passou uma infância conturbada. Aos sete anos de idade ela foi para um abrigo, e aos 15 retornou para a casa da mãe, que pouco tempo depois a abandonou novamente. Apesar do sofrimento, ela disse à reportagem que não carrega mágoas e que acabou superando essa questão. Os dois irmãos que estão na casa de Tânia já têm destino certo e em breve a acolhedora fará história em mais um trabalho dedicado a essas crianças.

“Já cuidei de uma recém-nascida e de uma menina de um ano e seis meses. Estou no projeto há um ano e quatro meses e minha vida é outra, pra melhor. É bonito ver o desenvolvimento dessas crianças, que chegam tristes para você, mas com amor, carinho e ensinamento elas vão se transformando e superando os dramas, os traumas. Eu moro sozinha e agora minha casa tem vida. Os irmãos que estou cuidando nunca comeram legumes, não sabiam comer usando talheres e nem tomar banho direito. Hoje eles têm uma vida completa, inclusive com a minha família”.

Tânia conta que registra todos os momentos com as crianças para quando ocorrer a entrega à família elas tenham um arquivo de tudo o que viveram. “Vamos lapidando as crianças e as entregamos totalmente fortes para os desafios futuros, e instruídas. Eu aprendo muito com elas e não há nada mais gratificante que isso”.

LEI
ECA PREVÊ ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA


Segundo o juiz da Vara da Infância em Uberlândia, José Roberto Poiani, em 2009 passou a ser previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o acolhimento de crianças e adolescentes em família e não em abrigo. Segundo aponta, é um direito da criança continuar tendo convívio em ambiente familiar e a expectativa é ampliar o número de atendimento.

“Precisamos de uma nova reformulação da lei para garantir acesso a mais crianças. É um serviço de fundamental importância porque a criança já está sofrendo por ter saído do seu convívio familiar, e ter esse acolhimento dará mais conforto. O acolhimento entra nesse momento de instabilidade com o objetivo de mudar um pouco essa realidade difícil dando muito amor, afeto e conforto”.

A diretora de proteção social à criança e ao adolescente da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Trabalho e Habitação, Inês do Nascimento Manzan, disse que, por enquanto, não há expectativa de aumentar o número de vagas e reforçou que no início do projeto, em 2015, eram 10 vagas e que desde 2017 são 30. “Além disso, aumentamos o auxílio dado às famílias acolhedoras, de R$ 500 para R$ 900 mês por cada criança assistida durante todo o período do acolhimento”, disse.

Poiani acredita nos avanços do projeto visando o bem maior, que é manter a saúde física e psicológica dessas crianças e adolescentes que passam por momentos de crises. “Até que seja resolvida a situação, as famílias acolhedoras darão todo o suporte para que essas crianças voltem às famílias biológicas ou extensivas, ou até mesmo para adoção elas estejam protegidas, se sentindo amadas e prontas para seguir o caminho. É um trabalho de formiga que aos poucos vamos ganhando mais força”, destacou o juiz, pontuando que em Minas Gerais existem 5 mil crianças em abrigos e cerca de 4% em acolhimento. No Brasil, segundo ele, esse dado é de 48 mil crianças em acolhimento institucional e também 4% em famílias acolhedoras.
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