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29/07/2018 às 11h40min - Atualizada em 29/07/2018 às 11h40min

Cidade tem menos leitos que há sete anos

Enquanto a população aumenta, o número de unidades de internação em Uberlândia tem sofrido redução ao longo dos anos

NÚBIA MOTA | REPÓRTER
Maior deficiência na cidade está na falta de leitos de UTI (Prefeitura/Divulgação)
Enquanto cresce a população de Uberlândia, e consequentemente as filas por atendimento hospitalar, diminui o número de leitos de internação pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje, além do Hospital de Clínicas (HC) e Hospital Municipal, na rede particular apenas o Hospital Dom Bosco atende o SUS em casos pediátricos. Juntas, as três instituições de saúde têm 767 leitos, incluindo os de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), 40 a menos do que o registrado pelo Ministério da Saúde, que são 807 leitos, e um índice 17% inferior ao número de vagas disponibilizadas em 2011. A diferença se deve à falta de atualização no sistema de informações do Ministério (DataSUS).

A maior deficiência, de acordo com o promotor de Justiça de Defesa da Saúde, Lúcio Flávio de Faria Silva, está na falta de leitos de UTI. Hoje, a cidade conta com 115 unidades nas duas instituições públicas. No Hospital Municipal são 40 UTIs adulto e 10 UTIs neonatal, e no Hospital de Clínicas (HC) são 30 leitos de UTI adultos, 7 coronarianos, 8 pediátricos e 20 neonatal. “Aqui, no Ministério Público (MP), chega, em média, cinco pedidos de internação por dia só de UTI. Ao todo, são 15 casos, com outros tipos de demanda, com relação a exames, internações e cirurgias”, afirmou Lúcio Flávio. 

Segundo a portaria ministerial nº 1.101/2002, devem existir de 2,5 a 3 leitos hospitalares por cada 1 mil habitantes. Já a oferta necessária de leitos de UTI deve ficar entre 4% e 10% do total de leitos hospitalares, o que corresponde a um índice de 1 a 3 leitos de UTI para cada 10 mil habitantes. Contando que, segundo o último censo populacional de 2017, Uberlândia tem 676,6 mil habitantes, a cidade teria que ter mais do que o dobro das vagas de internação, com pelo menos 2.030 leitos, sendo 202 de UTI, mas isso, se o município atendesse só a população local, o que não é o caso. O HC, por exemplo, atende uma população de quase 3 milhões de pessoas, segundo o MP, incluindo os 27 municípios da macrorregião que indicam pacientes por meio de regulação. 

No dia 16 deste mês, o diretor-geral do HC, Eduardo Crosara, concedeu uma entrevista ao Diário de Uberlândia e falou da dificuldade de atender a demanda da população. De acordo com o médico, todos os meses há um atraso no repasse da cota de R$ 10 milhões do Ministério da Saúde para o pagamento das despesas que chegam a R$ 12 milhões, além de uma dívida de R$ 20,755 milhões do Governo Estadual.

No dia 12, o prefeito Odelmo Leão (PP) concedeu uma entrevista coletiva e também falou sobre o atraso dos repasses do Governo do Estado. A principal área prejudicada é a saúde e a dívida até o início do mês nessa área passava de R$ 91 milhões. Segundo o assessor técnico de urgência e emergência da Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia, Clauber Lourenço, o Hospital Municipal vem atendendo com a capacidade máxima e o Município, às vezes, arcando com os gastos que são de responsabilidade do Estado.  “Quando assumimos a gestão, no ano passado, tinha uma UTI fechada com 10 leitos e reabrimos. A tomografia foi consertada. Estamos fazendo o possível, mas o atraso nos repasses do Estado pode afetar até as áreas básicas”, afirmou o cardiologista.


Clauber Lourenço: o Hospital Municipal tem atendido com a capacidade máxima

DESCREDENCIAMENTO
Só um hospital particular atende pelo SUS na cidade

Outro problema que Uberlândia enfrenta, segundo o promotor Lúcio Flávio de Faria, é o descredenciamento dos hospitais particulares junto ao SUS e o fechamento do Hospital Santa Catarina, em 2016. O promotor compara Uberlândia com outras cidades, como Juiz de Fora, com 563.769 habitantes, onde instituições particulares têm uma cota para atender a saúde pública. De acordo com dados do DataSUS, Juiz de Fora, apesar de ser menor do que Uberlândia, é a segunda cidade mineira com o maior número de leitos, perdendo apenas para Belo Horizonte. No total, o município tem 1.430 leitos pelo SUS. No ano passado, por exemplo, o Hospital Ana Nery abriu 50 novas vagas para o sistema público. 

Por meio de assessoria, o Hospital Santa Genoveva informou que não atende o SUS há 20 anos, devido à quantidade reduzida de leitos dentro da unidade e a crescente demanda pelos convênios de saúde. O Madrecor informou que nunca atendeu o SUS e o Hospital Santa Clara parou o atendimento público em 1997. De acordo com a administração do Hospital Santa Marta, houve o descredenciamento da instituição junto ao SUS em meados de 2011 e o Hospital do Triângulo apenas informou que não faz esse tipo de atendimento. Em agosto de 2016, com o fechamento do Hospital Santa Catarina, se extinguiram mais 14 leitos credenciados pelo SUS, incluindo de UTI. A única instituição de saúde particular de Uberlândia que atende o sistema público é o Hospital Dom Bosco, com 26 vagas para pediatria, mas sem nenhuma UTI. 

De acordo com dados do DataSus, houve uma queda de 8% também no número de leitos dos hospitais particulares da cidade desde 2011. 


Lúcio Flávio diz que recebe uma média de cinco pedidos por dia de internação em UTI

Hospital Regional 

Uma decisão da Justiça Federal publicada no último dia 20 determinou que o Estado de Minas Gerais, o Município e a União construam e mantenham um hospital regional em Uberlândia, com o mínimo de 296 leitos. Os custos da construção da unidade, que deverá priorizar atendimentos ambulatoriais aos moradores de Uberlândia, serão arcados de forma compartilhada: 50% pela União, 25% para o Estado e 25% para o Município. 

Na decisão, o juiz federal Lincoln Rodrigues de Faria determinou que sejam iniciados imediatamente os estudos para construção do hospital, inclusive quanto a localização, elaboração dos projetos, análise técnica de quantidade e especificidades de leitos necessários para suprir o déficit. O edital da licitação deve ser publicado em até 180 dias, a contar da intimação dos réus.

Cateterismo 

Também no último dia 20, depois de um acordo entre os Ministérios Públicos Federal e Estadual, o Hospital de Clínicas (HC) e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), gestora do Hospital Municipal, ficou determinado que pacientes na fila por cateterismo atendidos pelo município poderão fazer o procedimento cardíaco no HC, em horários vagos, já que essa é a única unidade hospitalar que faz esse tipo de exame pelo SUS em Uberlândia. 

Segundo o promotor Lúcio Flávio, a determinação é que o Hospital Municipal compre o próprio equipamento de hemodinâmica e também possa fazer cirurgias cardíacas. Atualmente, de acordo com ele, cerca de 1.700 pacientes com problemas cardíacos estão aguardando por cateterismo, angioplastia e cirurgias. “O HC fazia 20 cirurgias por mês e hoje, por causa de custo, consegue fazer só 10. Perdemos o Santa Catarina que fazia cerca de 5 cirurgias por mês. A ideia é aumentar essa demanda”, disse Lúcio Flávio. 

Com o fechamento do Hospital Santa Catarina, em 2017 foram abertos dois processos licitatórios para que outras instituições particulares assumissem as cirurgias no coração, mas nenhuma unidade da cidade se inscreveu no certame. “Por isso, agora, o Hospital Municipal está montando uma estrutura para fazer cateterismo, angioplastia e cirurgias cardíacas, com recursos 100% do município. Hoje, assumimos outras áreas de alta complexidade, como cirurgias ortopédicas, por exemplo, porque o HC também está vivendo uma situação difícil como a nossa,”, disse Clauber Lourenço .

Até a última quarta-feira (25), a  aposentada Conceição Aparecida De Assis, de 79 anos, que é hipertensa e diabética, estava internada na UAI Planalto há quase 15 dias, à espera de um cateterismo, depois de sofrer fortes dores no peito “Ela fica doida para ir embora e mexe muito com o emocional dela, o que acaba piorando o quadro”, disse Gleibiane Malta, enteada de Conceição. 

Pronto Atendimento
UAIs têm realidade bem diferente de sua concepção


Pelas normas técnicas, as Unidades de Atendimento Integrado (UAIs) de Uberlândia deveriam receber apenas pessoas residentes de Uberlândia, com atendimento ambulatorial, atenção básica e pronto-atendimento. Mas com a pouca quantidade de leitos de internação, as UAIs acabaram suprindo esse serviço e o que mais se vê são pacientes internados à espera de vagas nos hospitais e até pessoas vindas de outras cidades sem regulação. “Tem pessoas que moram em Catalão, por exemplo, e dão o endereço do filho aqui em Uberlândia para ir pra UAI. Tem casos ainda mais esdrúxulos. Prefeituras alugando casas em Uberlândia para ter endereço daqui. Já soube de uma paciente que veio de Tupaciguara em uma ambulância e quando chegou na esquina da UAI, tiraram o oxigênio dela e a colocaram no táxi para acabar de chegar. E quem paga a conta pelo atendimento é o Município de Uberlândia”, disse o promotor Lúcio Flávio.

Com a alta demanda por internações, as equipes das UAIs precisaram se adaptar. Hoje, segundo Clauber Lourenço, foi necessário disponibilizar antibióticos que antes eram só encontrados nos hospitais e em cada enfermaria tem um médico responsável pelos pacientes internados, além de uma equipe especializada na sala de emergência em horário integral.  “Não é possível não internar, porque o paciente chega na UAI e não tem leito fora de lá. Não podemos deixar sem atendimento. Mas estamos criando mecanismos para que a internação seja rápida, agora, por exemplo, com o cateterismo que será fornecido no Municipal”, afirmou. 

As pessoas vindas de outras cidades acabam tirando a vez de pacientes que estão na fila por internação nos hospitais à espera de cirurgias e outros procedimentos de emergência. O barbeiro Odair Souza e Silva Júnior, de 31 anos, por exemplo, quebrou a clavícula no dia 7 de julho, mas só conseguiu passar por cirurgia no dia 24. Nesse período, teve que ficar imobilizado, com uma faixa.

“Foi bem complicado, principalmente no início, porque doía muito. O osso estava muito fora do lugar e não iria colar sozinho. O médico detectou que a fratura não foi só num lugar, mas em quatro partes da clavícula, e devido ao tempo que fiquei aguardando isso agravou mais ainda”, contou Odair.

Outra paciente de 55 anos, que não quis ter o nome divulgado por medo de atrapalhar ainda mais o processo, está há três anos na fila por uma cirurgia de hérnia umbilical. Há dois meses, ela também foi diagnosticada com um mioma no útero e o órgão precisa ser retirado, mas a consulta para exames ainda nem foi marcada. “Estou sentindo muita dor, tem dia que custo a andar. Eu queria fazer as duas cirurgias de uma vez para aproveitar a anestesia, mas a moça da UAI falou que acha que não tem jeito, que vou ter que fazer todo o pedido novamente”, disse ela. 


Odair Souza quebrou a clavícula no dia 7 de julho e só foi operado no dia 24

CISTRI
Adesão ao Samu reduziria demanda, diz Padilha


Em funcionamento desde o dia 3 deste mês, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) fez um balanço dos atendimentos e o consultor do Consórcio Público Intermunicipal de Saúde da Rede de Urgência e Emergência da Macrorregião do Triângulo Norte (Cistri), responsável pelo serviço, Alexandre Padilha, acredita que uma futura adesão de Uberlândia ao sistema deve reduzir a demanda de pacientes vindos de outros municípios em busca de internação. “Recebemos 6.500 ligações (até o dia 23), sendo que apenas 1.500 delas demandaram deslocamento de uma ambulância. E a respeito da suspeita de que viriam muitos pacientes para Uberlândia, de todas as ligações, menos de 3% precisou de vir para o Hospital de Clínicas”, disse Alexandre Padilha. 

O ex-ministro da saúde acredita que é preciso uma reorganização na distribuição e na quantidade de leitos hospitalares, com um aumento nos atendimentos de alta complexidade, como UTI e UTI neonatal, e a desativação de leitos de baixa complexidade, como leitos pediátricos e manicomiais, por exemplo, porque, segundo ele, o atendimento já é bem feito nas unidades básicas de saúde. “Infelizmente, em 2016, o Congresso Nacional congelou os gastos com saúde para os próximos 20 anos e isso limita os investimentos do Ministério Saúde e inviabiliza o aumento de leitos de alta complexidade e essa reorganização”, disse o médico, se referindo à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, assinada por Michel Temer, que destina o dinheiro economizado para o pagamento da dívida pública.

Atenção Primária 

Os serviços de atenção primária, ou atenção básica, são aqueles que devem acompanhar a população quando saudável, de modo a evitar doenças e futuras internações. Hoje, Uberlândia conta com a cobertura de 46% em atenção básica, mas o Ministério da Saúde recomenda que esse índice chegue, no mínimo, a 70%.

Segundo o assessor técnico de urgência e emergência da Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia, Clauber Lourenço, a intenção é chegar ao que é preconizado pelo Governo Federal no próximo ano. Para isso, o Município vem criando as Equipes de Atenção Básica (EAB), que hoje já prestam serviço no ambulatório da UAI Tibery. O projeto faz parte do programa Qualifica SaUDI, criado com a intenção de padronizar o acesso à atenção primária. “Começamos na Uai Tibery para corrigir as falhas, porque é mais fácil quando o serviço é menor. A saúde primária é o que evita que a população tenha problemas maiores e se interne”, afirmou Clauber. 

Ainda de acordo com Clauber, além do aprimoramento das ações, é necessário também que a população faça a sua parte e utilize devidamente a atenção primária. Um dos exemplos dados pelo médico é em relação às imunizações. No fim do mês passado, assim como em todo País, as crianças e grávidas de Uberlândia não atingiram a meta estabelecida, e cerca de 65% e 60%, respectivamente, se vacinaram contra a gripe. “Temos uma cobertura vacinal triste. A população tem o recurso gratuito em 70 salas de vacinação, fizemos horários especiais, em mais de dois meses. A população precisa usar, mas não usa”, disse Clauber. 

Para o atendimento primário, a população conta com o Programa de Saúde da Família (PSF), Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSFs) e Unidades de Atendimento Integrado (UAIs). Mas outro problema apontando pelo assistente técnico da Secretaria de Saúde é que as pessoas ainda preferem buscar o pronto-socorro ao invés do ambulatório. “Na relação ambulatorial tem o vínculo, o acompanhamento através do prontuário eletrônico, desde a criança ao idoso. O pronto-socorro é imediatista e se você não fizer acompanhamento, o médico não consegue saber o remédio que você toma, por exemplo. A busca é muito maior na urgência e emergência, o que fica muito mais caro para o serviço de saúde do Município’, afirmou.
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