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07/05/2018 às 05h29min - Atualizada em 07/05/2018 às 05h29min

Violência obstétrica é comum no País

Leis e incentivo à humanização não impedem que 25% das mulheres no Brasil sofram algum tipo de agressão

MARIELY DALMÔNICA | REPÓRTER
Lua, mãe de Bartolomeu, disse que sentiu ser anestesiada para que ficasse calada | Foto: Dhi Almeida/Divulgação
 
Foram nove meses para chegar aquele momento e apenas duas horas entre a internação de Ana Flávia Santana e o nascimento de seu filho, Benjamin. Ela sonhava com um parto normal e estava com dilatação suficiente, segundo um plantonista que a atendeu no hospital onde ela deu à luz. Mesmo assim, o médico obstetra disse que não tinha disponibilidade para realizar o parto normal e pediu para que a internassem. O relato a seguir não deveria nunca ter sido a experiência de Ana, nem de qualquer mulher no processo clínico para trazer uma vida ao mundo. 

“Durante o parto, o médico falou que eu iria sangrar demais e forçou muito a minha barriga. Depois do nascimento eu tive uma anemia profunda e por consequência o Benjamin parou de amamentar com cinco meses de vida. Foi tudo muito frustrante pra mim”, contou.  

Ana foi vítima de violência obstétrica. Nayara Silveira, enfermeira e doula, afirma que o termo se refere a tudo que se torna abusivo na assistência gestacional, seja físico, verbal ou psicológico. “Essa agressão pode acontecer através de procedimentos desnecessários, como aquele em que o profissional sobe em cima da paciente e empurra o bebê para baixo, toques vaginais sem indicação e episiotomia, que é um corte que não pode ser feito sem o consentimento da mulher.” 

De acordo com uma pesquisa divulgada pela Organização Não Governamental (ONG) Artemis, essas agressões atingem cerca de 25% das grávidas no Brasil.

Mesmo lendo bastante sobre violência obstétrica e sabendo da realidade que atinge tantas mulheres, Lua Ferreira não se viu livre de agressões. Ela escutou palavras desnecessárias de médicos e enfermeiros durante o pré-parto e o parto. “Me falaram coisas como ‘Por que que você está chorando mãezinha?’ e ‘Se você for embora e seu filho morrer, a culpa é sua’.” 

Lua queria ter o filho Bartolomeu por parto normal, mas de acordo com o médico, ela teria que fazer uma cesária de emergência. “Quando eu completei 40 semanas, teria que fazer exames de três em três dias. Durante um exame vi que á maquina não estava funcionando bem e meu bebê não mexeu, mas eu sentia ele. Relatei isso para o hospital, mas não fizeram um novo exame, só me internaram.” 

Ela chegou a pedir que o parto fosse induzido para não precisar passar por uma cesariana. “Não adiantou, eles disseram que eu precisava operar urgente, mas me fizeram esperar 10 horas e não deixaram meu marido entrar na sala de cirurgia. Eu fiquei tão decepcionada, não tenho muitas lembranças. Senti que me anestesiaram para que eu ficasse calada”, disse.

LEGISLAÇÃO

União e Município garantem acompanhantes

A Lei federal 8.080 enfatiza que as gestantes têm direito a presença de um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), da rede própria ou conveniada. E em Uberlândia, a Lei 12.314 garante que maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares das redes pública e privada permitam a presença de doulas durante todo o período de trabalho de parto e no pós-parto imediato, além do acompanhante. 

Karina Soares é mãe da Maria Clara, que nasceu prematura há 10 meses. Ela teve um sangramento e correu para o hospital onde fez o pré-natal, mas o médico disse que não poderia atendê-la e indicou que ela fosse para o SUS, porque a filha precisaria de incubadora. “Fui para outro hospital particular. Eu estava com 8 cm de dilatação e o médico ainda me cortou, sem perguntar se eu queria ou não. Foi o pior dia da minha vida.”

Ela não sabia que a episiotomia deve ser autorizada pela mulher, como vários outros procedimentos que são realizados durante o parto. “Na época eu não sabia dessa informação, não tinha noção da gravidade e não denunciei o hospital”, disse Karina.

Roseli Umbelino deu a luz a Karolyne há 19 anos. Ela também sonhava com o parto normal, mas acabou passando pela cesariana. “Eu senti muita dor após receber um toque, a médica me chamou de fraca e disse que eu estava fazendo uma tempestade em copo d’água.”

Ela ainda recebeu outros toques antes do nascimento da filha e sentiu que os procedimentos eram muito invasivos. “A mulher precisa de segurança naquele momento, e o médico tem que conversar com a paciente antes de qualquer coisa”, disse Roseli.

PEPAN

Prefeitura incentiva o parto natural

A coordenadora da Rede de Atenção à Saúde da Mulher, Bárbara Lazarini, disse que um projeto atender a rede municipal de Saúde será lançado em breve. “O Plano de Parto vai servir para que a mulher discuta com os profissionais como prefere o parto, em qual posição, quem ela quer que a acompanhe. Será feito durante o pré-natal para deixá-la preparada e tudo será documentado”, disse Bárbara. 

A Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia desenvolve, desde 2011, o Projeto de Estímulo ao Parto Normal (Pepan). Nele as gestantes conhecem todas as etapas da gestação. No ano passado, foram registradas 2.928 cesáreas e 2.558 partos normais no município. 

De acordo com Bárbara, o Hospital Municipal conta com a ajuda de doulas voluntárias. “Apesar de não ser uma profissional de saúde, ela tem muito conhecimento e acaba tranquilizando a família”, disse a coordenadora. 

“A doula é uma ponte entre o casal e a equipe de saúde.

Temos que ser alguém em que ela pode confiar”, afirmou Nayara Silveira, que é doula e enfermeira. 

Nayara e mais cinco doulas criaram o grupo Bem Nascer para ajudar várias mulheres. “Já tivemos relatos de violência obstétrica nos nossos encontros e algumas vezes elas descobrem que passaram por isso conversando com a gente”, disse a enfermeira.

Segundo Nayara, o valor para contratar as profissionais varia entre R$ 400 e R$ 1,8 mil. No serviço estão incluídas consultas anteparto, acompanhamento do parto e consultas pós-parto.

De acordo com Bárbara, se a mulher passar por violência obstétrica, ela deve denunciar. Se o parto foi no SUS, ela deve escrever uma carta detalhando o ocorrido, enviá-la para a ouvidoria do hospital, para a diretoria clínica e para as Secretarias Municipal e Estadual da Saúde. Se o parto for realizado em algum hospital particular, a carta deve ser encaminhada para a diretoria clínica do local, para a Diretoria do Plano de Saúde, para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e também para as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde.

Atualmente, o Hospital de Clínicas de Uberlândia da Universidade Federal de Uberlândia (HCU-UFU) realiza dois projetos vinculados ao Ministério da Saúde, o “Parto Adequado” e o “Ápice On”. Segundo uma nota enviada pela assessoria do hospital, estes projetos trabalham na implantação de boas práticas e dão assistência às mulheres durante o pré-natal, parto e puerpério. A instituição se negou a conceder entrevistar ao Diário de Uberlândia.

ENTENDA

A violência obstétrica é aquela que acontece no momento da gestação, parto, nascimento e/ou pós-parto, inclusive no atendimento ao abortamento. Pode ser física, psicológica, verbal, simbólica e/ou sexual, além de negligência, discriminação e/ou condutas excessivas ou desnecessárias ou desaconselhadas, muitas vezes prejudiciais e sem embasamento em evidências científicas.

Essas práticas submetem mulheres a normas e rotinas rígidas e muitas vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos e os seus ritmos naturais e as impedem de exercer seu protagonismo.

Exemplos:

- Lavagem intestinal e restrição de dieta
- Ameaças, gritos, chacotas, piadas etc.
- Omissão de informações, desconsideração dos padrões e valores culturais das gestantes e parturientes e divulgação pública de informações que possam insultar a mulher
- Não permitir acompanhante que a gestante escolher
- Não receber alívio da dor
 
Caso a mulher sofra violência obstétrica, ela pode denunciar no próprio estabelecimento ou secretaria municipal/estadual/distrital; nos conselhos de classe (CRM quando por parte de profissional médico, COREN quando por enfermeiro ou técnico de enfermagem) e pelo 180 ou Disque Saúde – 136.

PARTO HUMANIZADO

O parto humanizado pode ser normal, natural ou pode ser uma cesárea, por exemplo. Ser humanizado é respeitar a mulher, a pessoa como um ser com especificidades, é não aplicar métodos e padrões indiscriminadamente, individualizando a assistência para cada um, de acordo com a sua necessidade. É oferecer uma assistência personalizada, ouvir, escutar, atender, dentro do possível, as necessidades da mulher, os desejos dessa mulher.

Fonte: Ministério da Saúde

COLOSTRO

A Lua Ferreira participou de um documentário chamado Colostro, que foi produzido por Carlos Gabriel Ferreira em 2017 e faz parte do projeto Dá Pá Virada. Nele, mães e profissionais falam sobre a importância da amamentação.

Sinopse: O aleitamento materno é um ato de conexão. Peito é aconchego, amor e carinho, em que se desenvolvem vínculos de afeto e emoção entre mãe e criança. No entanto, valores sociais dominantes levam as mães ao uso de mamadeiras, chupetas, fórmulas ou à retirada do peito, mesmo quando a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de dois anos de aleitamento materno, sendo os seis primeiros meses exclusivos. É por meio desta dicotomia que “Colostro” é construído, narrando as histórias de duas mães com diferentes experiências ao lado de seus filhos.

Assista aqui.
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