É a vida no ano 2017: nem tudo que você olha você enxerga. Aliás, nem para frente mais as pessoas têm olhado. Imersas em seus smartphones passam e deixam a vida passar por seus caminhos sem se dar conta do que tem por ali. O mineiro Daniel Moreira vem de um longo período de observação das margens das cidades, as áreas longe dos centros urbanos, e traz na exposição “Desencanto” sua visão da vida nesses locais em um trabalho atemporal, em cartaz na Mostra de Artes Visuais do Sesc Uberlândia.
Daniel Moreira é comunicador por formação e seus registros, feitos na maioria com equipamento analógico e publicados em preto e branco, não têm um valor somente documental para ele. “Trabalho muito o imaginário também. Os temas que abordo não são somente aqueles que quero retratar, eu quero mostrar um mundo diferente do que o visitante da exposição está acostumado a ver”, afirma o artista.
As fotos selecionadas para a exposição têm o olhar voltado para parques de diversões em ambientes periféricos de grandes centros comerciais, nos quais são vistos em momentos de não funcionamento, quase desabitados. Essa exposição é um desdobramento de outra, “Paisagem Ambulante 381”, que teve início em 2010. “Esses registros foram feitos ao longo da Rodovia MG-381, por onde eu viajei regularmente durante cinco anos pelo mesmo trecho. A reconfiguração dessas paisagens e as mudanças que elas implicam na sociedade é o que me chamou atenção” explica Daniel.
O artista costuma fazer suas viagens de carro. Para ele, pegar um vôo de uma cidade para a outra é outro tipo de experiência. “Acho agressivo a pessoa ir de um aeroporto ao outro e dizer que conheceu outra cidade. De repente só chega lá, faz umas fotos e vai embora. Isso não é conhecer uma cidade. Para conhecer a cidade você tem que se afastar do seu centro mais populoso. Eu observei, por exemplo, os ambulantes e a interação deles com o ambiente. São pessoas praticamente invisíveis para a sociedade. Nessa visão que eu proponho, tem um recorte de um mundo abandonado, solitário”, comenta.
PESQUISA
Durante suas viagens constantes, Daniel Moreira, natural de Belo Horizonte, vê as transformações que não começaram hoje. Há, em seus registros, espaços vazios desconhecidos que não percebemos. A placa derrubada pelo vento, o circo desativado, o garoto encostado em pneus. A escolha do preto e branco, a luz e a edição tornam difícil determinar uma data para os registros e era exatamente essa a ideia do fotógrafo.
“Quero deslocar o olhar das pessoas do centro comum. Ao conhecer realmente um lugar o sentimento de pertencimento é diferente. Hoje em dia as pessoas não se importam em olhar para os lados, em ver outras realidades, mal olham para frente com essa mania coletiva de estar conectado a um smartphone o tempo todo”, diz Daniel.
Outro ponto forte em suas fotos é a questão do quanto a diversão está cada vez mais ligada ao consumo. Os parques de diversão, que recebiam os pais de família que saiam do trabalho e levavam seus filhos para se divertirem com um ingresso barato e entretenimento acessível, quase não existem mais nas periferias. “As opções de diversão estão cada vez mais ligadas a conglomerados como shopping centers, o que restringe o acesso. Há algumas décadas se a pessoa comprava uma TV, pagava. Depois, comprava um carro e pagava. Agora parece que tudo que a maioria das pessoas compra está ligada a uma dívida eterna. Para ter um telefone celular bom você precisa pagar um plano, para uma TV maior divide o valor em várias prestações. Isso me incomoda, a ligação do entretenimento, da diversão ao poder aquisitivo, ao consumismo”, revela.
Para Daniel, parte do trabalho do artista é trazer esse recorte que ele tem de mundo e devolver para o seu público, tentando despertar algo. Ele explica que, quanto mais se pensa no futuro, mais se esquece do passado, outro erro recorrente de uma sociedade que registra cada vez mais e aproveita cada vez menos.
MOSTRA
O projeto Mostra de Artes Visuais do Sesc tem o objetivo de valorizar artistas em construção de portfólio e emergentes. Com essa iniciativa, a instituição busca apoiar e reconhecer o trabalho de profissionais das artes visuais residentes no estado e que contribuem com reflexões sobre o tempo atual. As visitações são sempre gratuitas e contam com atividades educativas.