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16/10/2017 às 18h54min - Atualizada em 16/10/2017 às 18h54min

Deixem o sagrado em paz

MARIÙ CERCHI BORGES | LEITOR DO DIÁRIO

Há diversas maneiras de o ser humano encontrar formas de se relacionar com o Divino. Os símbolos sagrados são alguns desses recursos. Como seres espirituais (há os que não aceitam a espiritualidade e a imortalidade como partes integrantes do ser humano), o homem, na ânsia por um aconchego sentimental e afetuoso com o Divino, encontra no sagrado essa aproximação. O sagrado passa a ser, então, para o homem tão necessário como o alimento de cada dia.

Como pano de fundo dessa necessidade humana, há uma verdadeira convicção de que tal símbolo favorece e concretiza, em parte, esse desejado encontro com Deus. Se voltarmos o nosso olhar para a tradição bíblica, lá encontraremos as alianças estabelecidas entre o homem e Deus. Nessas alianças, os simbolismos ocupam um espaço significativo onde os vínculos mais fortes interligam Deus e o homem! Portanto, o compromisso com a fé, a conversão, o respeito e, talvez, até a submissão passam a ocupar morada no coração humano.

É nesse contexto, portanto, que surge a busca de algum símbolo capaz de transcender a realidade visível e sensível para se chegar ao indizível, indefinível, indecifrável sentimento de pertença. O sagrado se encaixa como um movimento essencial da religiosidade humana que enriquece e aperfeiçoa a experiência que se revela ao mundo através de símbolos (hierofania: revelação ou manifestação do sagrado).

Mesmo considerando esse milenar caminhar da humanidade pelos séculos dos séculos, e, considerando ainda as transformações sociais, os avanços científicos e tecnológicos do nosso tempo, o sentimento religioso, ainda que manifestado das mais diferentes formas, continua presente na história da humanidade.

Apesar de todas essas constatações, acontecimentos recentes vêm mostrando, através da mídia, uma certa intolerância por parte de alguns segmentos da sociedade na aceitação daqueles que reverenciam, respeitam e cultuam símbolos religiosos. Tal intolerância tem chegado às raias do maior desrespeito à liberdade do “outro’’ de cultuar sua fé. Estranha atitude, principalmente por parte daqueles que levantam a bandeira do respeito e do direito à livre expressão de ideias e sentimentos.

O escritor Zigmunt Bauman, no seu livro “Modernidade Líquida”, chama a atenção para o fenômeno da pós-modernidade de desmerecer o sentido de se pertencer a uma comunidade de origem duradoura e consistente, pelo surgimento das chamadas “comunidades de ocasião”. Tais comunidades são marcadas, segundo ele, pela mesmice de ambientes uniformes que atendem às demandas narcisistas. A esse não vínculo do ser humano com seu grupo soma-se o não vínculo com o seu território abrindo, com isso, condição propícia para os espaços midiáticos prosperarem e se fortalecerem. Nessa “Modernidade Líquida”, a obstinada permanência da transitoriedade pode tornar-se o habitat comum dos moradores do nosso planeta global e globalizante.

Nada tão oportuno lembrar o que Mirceia Eliade (2001) diz: “a crise de sentido está relacionada a essa falta de aprofundamento, uma vez que o sentido é sempre um processo de irrupção do sagrado”.

Essa dessacralização do Sagrado a que estamos assistindo fere brutalmente o direito dos que, pelos séculos dos séculos, guardam dentro do mais profundo de seu ser o respeito aos símbolos que reverenciam, amam e cultuam. É uma imperdoável forma de violência agredir aqueles que, taxados de ignorantes, idólatras e fanáticos, têm como única arma de defesa a sua fé.

Se a intenção dos que agiram desta forma foi ferir, conseguiram. Que, a partir de então, durmam em paz com as suas consciências e, se possível, deixem o Sagrado em paz.

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