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24/07/2017 às 16h06min - Atualizada em 24/07/2017 às 16h06min

Os custos do processo

ALEXANDRE HENRY ALVES* | COLUNISTA

Como eu nunca me furtei de um bom debate de ideias, vou mexer aqui em um vespeiro, sujeitando-me a críticas dos mais diversos tipos. A minha tese é franca e direta: entrar com uma ação judicial no Brasil é algo fácil, barato e praticamente sem riscos na maioria esmagadora dos casos, o que contribui, ao lado da litigância excessiva do governo e de algumas grandes empresas, para o acúmulo impressionante de processos nos fóruns deste país.

Você sabe como funciona uma ação judicial do Brasil, em termos de custos? Existem alguns valores que você deve pagar quando entra com uma ação, valores esses que usualmente são chamados de custas. Na Justiça Federal, são montantes bem pequenos. Em alguns estados, os valores são relativamente grandes. Em relação ao advogado, alguns cobram honorários pelo simples fato de prestarem os serviços para você, enquanto outros cobram apenas se você tiver sucesso na causa, ou seja, se o seu processo te trouxer algum retorno financeiro. Por outro lado, se você perder a ação, você deverá pagar ao advogado da outra parte os chamados “honorários de sucumbência”, geralmente calculados entre 10% e 20% do valor que você pediu, mas não levou.

Um sistema simples e justo, não? Na teoria, sim. O problema começa quando entra em jogo um instituto chamado “gratuidade judiciária”, cuja ideia básica é até interessante (permitir o amplo acesso do cidadão ao Poder Judiciário), mas cujos efeitos práticos não são nada interessantes. Basicamente, se você alegar que é pobre, não precisando nem provar isso, você não pagará as custas, não pagará outras despesas do processo, como perícias, além de não pagar os honorários do advogado da outra parte, caso perca a ação. Quer estímulo maior do que esse para ajuizar ações mesmo que você saiba que a chance de ser vencedor é bem pequena? E quer estímulo maior do que esse para pedir dez vezes mais do que você teria direito, só para forçar a parte contrária a fechar um acordo com você?

O mau uso da gratuidade judiciária acabou por promover uma litigância exagerada no país. Em muitas nações, os advogados se concentram em consultorias para os seus clientes, prevenindo brigas judiciais. Quando o cliente tem um problema, buscam de todas as formas resolver a questão fora dos tribunais. A razão não é apenas a celeridade de um acordo longe do fórum, mas também os custos bem menores, pois a maioria dos países não é tão benevolente quanto o Brasil no quesito acesso ao Judiciário.

Vamos aumentar o grau de polêmica um pouquinho. Eu acho que o advogado, quando o cliente não tem condições de arcar com os custos do processo, deveria adiantar esses valores para ele e, depois, descontar no ganho que a causa trouxer. Não falo nem dos honorários de sucumbência, aqueles devidos ao outro advogado caso seu cliente perca, mas das custas do processo e de despesas como perícias técnicas. Isso fortaleceria um ditado jurídico que, hoje, é o mais ignorado no Brasil: o advogado deve ser o primeiro juiz da causa. Isso, infelizmente, é uma lenda em nosso país. A não ser um ou outro advogado, e conheço alguns que realmente fazem um filtro nas causas que lhes chegam, a maioria vive em uma intensa caça de clientes e teses jurídicas que permitam entrar com uma ação na Justiça, independentemente de qualquer avaliação da chance de sucesso da causa. Vale o “se colar, colou”. Se não colar, não tem problema: meu cliente se declarou pobre, não pagou um centavo e, embora eu não vá receber nada, já que os pedidos foram julgados improcedentes, também não tive que arcar com nada no processo. Bom para todo mundo!

Todo mundo? Não! Péssimo para a pessoa que virou réu naquela ação, que teve que contratar e pagar um advogado. Péssimo para as pessoas e advogados conscientes e de boa-fé, que verão seus processos demorar muito mais porque outros, que nunca deveriam ter existido, estão ocupando espaço indevido nos fóruns. Péssimo para o Poder Judiciário, que não consegue dar conta da demanda. E péssimo para você, cidadão, que vai ter que sustentar um Judiciário que é caro e que precisa crescer constantemente, sob pena de prestar um serviço ainda mais deficiente para o cidadão.

Por tudo isso, sem entrar aqui no mérito dos demais pontos da reforma trabalhista, acho que ela andou bem em restringir os casos em que uma pessoa pode ajuizar uma ação na Justiça do Trabalho como se fosse um bilhete de loteria que ele compra, mas que só tem que pagar por ele se for sorteado.

(*) Juiz Federal e Escritor - www.dedodeprosa.com

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