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11/08/2022 às 08h00min - Atualizada em 11/08/2022 às 08h00min

Poeira nos pés

IVONE ASSIS
Uma frase de Thoreau, que sempre me encantou é: “Só encontramos o mundo que procuramos”. Recentemente, lendo “Inteligência visual: aprenda a arte da percepção e transforme sua vida”, de Amy E. Herman, lá estava a citação de Thoreau, que reencontro literário fabuloso. Herman, à página 16, escreve: “Aprender a ver o que importa pode mudar também o seu mundo”. E como pode! Como diria Leonardo da Vinci, é preciso “saper vedere” (saber ver), e é isso que Amy Herman chama de “inteligência visual”.

Fotografar é mais que apertar o clique de uma câmera ou de um celular, é preciso saber o valor do ponto observado. Comecei a fotografar aos 14 anos, com uma Kodak descartável (existia isso), depois conheci a Polaroid, de lá para cá foram muitas câmeras e lentes. Estagnei nas Nikon e Canon, embora eu sonhe em ter uma Leica. No início, eu queria praticar a magia de transferir a cena para o papel. Depois, descobri que o segredo era enfiar a luz na câmera. Com o tempo, notei que para a luz iluminar corretamente é preciso saber olhar, mais que isso, é preciso saber o que se quer ver. E chamo isso de arte. Isso não acontece da noite para o dia, pois além das centenas de leituras, além do exercício prático, além da formação... é necessário o olhar perceptivo treinado. É esse conjunto de coisas que nos faz compreender a cor, a luz, o movimento, a poesia, o espaço... e assim, fazer a fotografia. Não se trata de equipamento, mas, sim, de saber olhar.

Uma imagem (fotografia, filmagem, pintura) só alcança o seu valor se conseguir revelar os valores do produto, seja gente, gado, natureza, objeto... o essencial é registrar, artisticamente, a história, como fazem os grandes nomes da imagem: David Yarrow, Henri Cartier-Bresson, Sebastião Salgado, José Peres... É sobre este último que eu quero falar, hoje.

O fotógrafo carioca, José Peres, com cerca de dois milhões de fotografias, iniciou-se na profissão, na área do Agro, aos 14 anos de idade, como fotógrafo do pai, o qual assinava a coluna “O Globo vai ao campo”. Peres se graduou em Engenharia Agrônoma, tornou-se pecuarista, ganhando o Prêmio Guzerá, em Uberaba, no primeiro Torneio Leiteiro da raça Guzerá, mas foi no mundo da fotografia que ele se encontrou, por meio do registro da evolução da pecuária brasileira. Até hoje são 275 leilões fotografados por ele, que diz: “O leilão virou um show multimídia, e os leiloeiros são verdadeiros artistas”, acrescento aí: O fotógrafo também.

No poema “O boi”, Carlos Drummond de Andrade escreve: “Ó solidão do boi no campo, / ó solidão do homem na rua! / Entre carros, trens, telefones, / entre gritos, o ermo profundo”. Aqui o poeta observa o rural e o urbano em sua crueza existencial, mas, querendo, podemos ver além do arame farpado e das ruas esburacadas.

Na fotografia rural, os lotes são verdadeiros cenários. Pois, a boa fotografia de um rebanho pede poesia, percepção, emoção... coisas que são observadas no caminhar do lote, na estética da direção, na beleza da luz, no encantamento da poeira, enfim, cada mínimo movimento é valor, mas também é essencial que o fotógrafo valorize (e entenda) a história do gado que está sendo fotografado, porque fotografia é narrativa. 

Amy Herman (p. 60) escreve: “[...] Percepção é como interpretamos a informação que coletamos durante a observação”, é uma espécie de filtro.

No nelore, por exemplo, deve ser observada sua origem, os olhos elípticos, os chifres chatos, o chanfro, o focinho largo, extraindo daí a sua poesia estilística, própria da natureza. Os cruzamentos bovinos vêm produzindo nelores com marrafas mais altas, focinhos mais finos, chifres mais arredondados... e isso não os têm impedido de levar premiações, mas é preciso observar se há harmonia entre chanfro, marrafa e batoques (se tiver). Todavia, isso não é assunto para uma pessoa como eu, cujo maior rebanho que já tive foi de boizinhos de jilós e lobeiras, cangados com cipós finos, arrastados por uma criança qualquer, levantando poeira nos pés.


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