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01/07/2022 às 08h00min - Atualizada em 01/07/2022 às 08h00min

Bem-te-vi

WILLIAM H STUTZ
Sempre fui do muito viajar a trabalho. O pouquinho que aprendi em algumas décadas de lidar com bichos que poucos têm atração me proporcionou oportunidades únicas. Tive a grata satisfação de ver resultado desse místico fascínio transformado em publicação normatizadora para todo Brasil, trabalho a várias mãos, só gente com amor a causa que, no nosso caso, é a saúde coletiva. Daí a girar mundo levando nossa experiência foi caminho natural. Realização plena isso posso garantir.

O muito que vi e aprendi viagens a fora nem conto, de tanta coisa. Pessoas, lugares, cheiros, vistas, sotaques e paladares. São muitos Brasis dentro desse aqui. Os portugueses, nossos colonizadores, além dos saques, da espoliação incalculável de nossas riquezas naturais, da matança de índios os genuinamente brasileiros, de subjugar nosso primitivo povo e ainda importar lutuosa escravidão. Além de terem implantado em terras de Santa Cruz cultura de rapina e corrupção, conseguiram feito único se levarmos em conta o tamanho de nossa terra: a disseminação da língua portuguesa, nosso pátrio idioma.

De norte a sul, do Atlântico às fronteiras secas mais distantes, português se fala. Um feito para um quintal monárquico onde o principal objetivo era tirar, tirar e depois, mais um pouco, tirar. Diferente do gigante do norte que foi colonizado por gente que para lá foi por vontade própria e para fincar raízes, para cá foram enviados, principalmente, paria excomungados, gente do mal. Só bem depois, quando a nossa imperial matriz ia perdendo o controle da espoliação, é que resolveu mandar jesuítas, afinal, o povo daqui não tinha Deus no coração. Catequizar e levar algum, assim surge do nada as cuecas da época, os santos do pau oco, imagens lindas por fora e recheadas de ouros e pedras preciosas por dentro. Para o enriquecimento ilícito da igreja, todos os meios eram válidos. Todos queriam uma pontinha.

Mas no que diz respeito ao idioma, sucesso total. Claro, os sotaques, os trejeitos, as expressões regionais existem e não carece muita distância não. Às vezes, de distância curta, até de cidade quase dentro de outra. O cantar do nordeste, o chiado carioca, o portunhol da fronteira. O uso de palavras nativas no Norte. Nem estas pequenas diferenças impedem qualquer um de se comunicar, de fazer entender onde quer que se vá.

Mas, mesmo assim, depois de certo tempo fora de casa, bate um banzo, uma saudade de alguma coisa que não dei o que é. Posso conversar sobre isso em qualquer rincão do Brasil, mas as saborosas diferenças não curam saudades.

Certa feita, em algum recanto longe, me lembro direitinho. Fim de tarde, banho tomado esperando os companheiros para prosa antes da janta. A semana quase no final e saudade de um bom “r” puxado. Fechei os olhos em cisma por segundos quando quase por sobre minha cabeça bem-te-vi cantou peito aberto. Abri olhos em sorriso. Saudade sumiu por completo. Senti cheiro de casa. Descobri, finalmente, que, mesmo estando em qualquer cantinho do Brasil, estou em casa sim. Harmonia voltou plena e calma.
Descobri ali, naquele instante, que universal mesmo é o bem-te-vi ou pitanga guassu em tupi-guarani. Ele, sim, canta o canto da integração. Vejo-me presente e parte de um País magnífico que tem a sorte de ser abençoadamente unido por canto de passarinho.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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