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30/12/2021 às 08h00min - Atualizada em 30/12/2021 às 08h00min

Toc Toc

IVONE ASSIS
O velho 2021 chega aos seus últimos dias, o Sol já vai se pondo no alto e meus olhos avistam o amanhã, que nos aguarda de braços abertos. A esperança sopra as trombetas e o coração se alegra, porque um terço de mim são lembranças, outro terço são expectativas, mas o terceiro terço é pura realização. É neste último que deposito minhas forças, porque, embora ele beba no primeiro e viaje no segundo, é ele – o presente – que me realiza, que me constrói.

O poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “O ano passado”, vai apontando uma desilusão quanto ao todo. O poeta diz: “O ano passado não passou, continua incessantemente. Em vão marco novos encontros. Todos são encontros passados. As ruas, sempre do ano passado, e as pessoas, também as mesmas, com iguais gestos e falas”. Confesso que, vez ou outra, já estive na pele do poeta, pensando como o poeta, mas, num lampejo de fé, reacendi a fé na humanidade, porque nem tudo está perdido, nem tudo é desapontamento. A palavra é lâmina cortante, mas também é lavra, é com a palavra que se derriba, mas é também com a palavra que se edifica. A diferença está no uso da (e em qual) palavra (usar). Ciente disso, o poeta escreve outro ponto de vista sobre o Ano Novo, em que ele arranca o desânimo fora e acrescenta ingredientes de bem viver, para que o homem não se perca no inalcançável, mas, sim, que ele se paute no sentimento verdadeiro, no bem querer que traz dentro de si.

No poema “Receita de ano novo”, ainda de Carlos Drummond de Andrade, o poeta, com um pensamento mais otimista, faz a junção de dois gêneros – receita e poesia – para sugerir ao leitor um modo de bem viver. O poema diz: “Para você ganhar belíssimo Ano Novo / cor de arco-íris, ou da cor da sua paz, / Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido [...] novo até no coração das coisas menos percebidas (a começar pelo seu interior) / novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, / mas com ele se come, se passeia, se ama, se compreende, se trabalha, / você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, / não precisa expedir nem receber mensagens / (planta recebe mensagens? / passa telegrama?). / Não precisa fazer lista de boas intenções / para arquivá-las na gaveta. Não precisa chorar de arrependido pelas besteiras consumadas / nem parvamente acreditar / que por decreto da esperança / a partir de janeiro as coisas mudem / e seja tudo claridade, recompensa, / justiça entre os homens e as nações, / liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, / direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver. / Para ganhar um ano-novo / que mereça este nome, / você, meu caro, tem de merecê-lo, / tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil, / mas tente, experimente, [seja] consciente. / É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre. / (ANDRADE, Carlos Drummond. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, pp. 868-869)”.

Quero viver o amor de Deus, amor despretensioso. Então, pensando no poema apresentado, quero melhorar minha receita de Ano Novo, para que além do já indicado, eu acrescente, de sobremesa, um modo de ajudar meu próximo, que ainda não conseguiu encontrar dentro de si as possibilidades do novo, a encontrá-las e vivê-las, intensamente, porque, nesta receita, quanto mais eu divido com meu próximo, mais eu multiplico o sabor da alegria em mim. Portanto, se acaso ouvir o Novo bater, não hesite em lhe abrir as portas. Deixe que saiam os velhos conceitos que não lhe fazem bem, porém mantenha os bons, para que o novo, ao chegar, seja bem amparado. Decore a casa com um novo sorriso, mas mantenha à vista os velhos álbuns de fotografias, dentro de cada lembrança reside a força para as novas conquistas.
TOC TOC.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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