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14/12/2021 às 08h00min - Atualizada em 14/12/2021 às 08h00min

Papo com o Bolinho

ANTÔNIO PEREIRA
Velhas casas do velho Patrimônio | Foto: Divulgação
Bolinho é o apelido de João Rodrigues Filho, um dos mais antigos moradores do Patrimônio. Conversamos muito. Guardei todo o nosso papo. Um dos trechos é o que se segue:

“Os grandes líderes do bairro do Patrimônio já morreram todos. Tinha o Estêvão que fundou o Guarany, o Peleco – irmão do Lotinho, a mãe do Lotinho, a minha mãe – Tarcila Pereira Rodrigues. A minha mãe gostava demais de festas, aliás todo mundo aqui no Patrimônio gostava. Minha família, então... Aqui era tão bom, todo sábado tinha baile. Em casa de família. Faziam aquelas barracas de lona, folha de bananeira, e ali faziam as festas. O baile ia até às oito da manhã. Varava a noite. O povo dançando, comendo, festejando. Principalmente no São João. Aqui tinha um animador das festas, o Tipinho: ele inventou uma tal de “dança do bonito”, o ritmo era uma mazurca e ele saia batendo o pé no chão, a poeira subia. Amanhecia o dia e os caras estavam com as sobrancelhas vermelhas. Aqui é massapé, terra de cultura, estava todo mundo com a cabeça vermelhinha de terra, naquela alegria. Tinha na General Osório, o salão do Chiqueirão. Nessa época, o córrego de São Pedro enchia e o pessoal estava lá dançando, quando dá fé aparece aquela porca com aquele punhado de leitão, rodando, o povo saia correndo, era porco, era cachorro, era galinha, um rolo danado. O Chiqueirão era beirando a ponte. Era ao lado do bar do Ageu que é vivo até hoje. O bar era dele e do irmão dele, do Nelson. Era do lado de lá do corgo. Muita vez o corgo enchia, carregava tudo. Naquela época, a cerveja vinha empalhada, pinga vinha no tonel, o vinho também. Aquilo descia rodando, e os donos gritando, cerca, cerca. O corgo levava tudo. Descia porco rodando, era um rolo danado. Rodava tudo pro Uberabinha. As famílias mais festeiras que tinham aqui era a minha, a dos Cambão, da dona Geralda que mora aqui de cima. Eram os festeiros. Época de São João tinha fogueira aqui que não acabava mais. Não tinha balão, só fogos mesmo. Terminava o terço numa casa, iam pra outra. E ficavam andando. Depois que terminava tudo, aí eram os bailes. Era tolda pra todo lado. Dançavam até amanhecer. Escondiam pinga no meio do mato. Naquela época nós éramos meninos, enchíamos os bolsos de cascalho e ia jogando no mato, onde fazia barulho de vidro nós íamos lá quebrávamos tudo. Só pra ver os caras brabos. Ou então, a gente urinava dentro da garrafa. Eles diziam, ah...  se eu pegar eu mato esses moleques. Aqui não tinha luz. Rua, só tinha a General Osório. Tinha trilheiros. A gente amarrando as vassourinhas pra ver o povo cair. Era uma juventude tão sadia. Naquela época não tinha energia, não existia fogão a gás, só de lenha. A gente ia buscar lenha no Karaíba, ali, era cerrado. Só cerrado fechado. Meu irmão organizava uma festa no dia das mães, aqui na avenida Francisco Galassi, onde tem umas mangueiras. Era uma festa maravilhosa. Chamava muitas mães da cidade. Dava presente pras mães. Homenagens, discursos. Era muito bom. Quando eu ouvi falar em droga, eu estava com 15, 16 anos. Eu comecei a ir pras baladas muito novo. Lá pro Cabarropa. Um dia tinha um cara que estava batendo numa mulher, eu falei, não vamos deixar, não. Por que? Ele tá batendo numa mulher. - eu disse. Não, ele está meio doido, diz que ele fuma maconha, diz que ele só de conversar com a gente, com o bafo dele, a gente desmaia. Depois disso, eu via ele, eu cortava volta. Sei lá se ele vem conversar comigo? Que infantilidade, hein?”

Qualquer hora eu conto mais desse papo.

Fonte: Bolinho


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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