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04/12/2021 às 08h00min - Atualizada em 04/12/2021 às 08h00min

Expresse seu amor enquanto o tempo lhe permite!

DÉBORA OTTONI
Tenho uma foto, que é uma das minhas preferidas, acariciando os cabelos do meu avô enquanto ele dormia. Ela foi tirada em janeiro de 2016. Na ocasião, eu morava em Uberlândia e estava de férias em BH na casa dos meus avós, onde fui criada. 

O meu avô cuidou de mim desde os 6 meses de vida. Ele foi mais pai do que avô. Foram muitas as vezes que dormi recebendo carinho dele nos cabelos.

Me carregou nos ombros, nos braços, no colo. Sempre me levava para ver o Cruzeiro jogar no Mineirão. Foi bravo quando precisou. Era engraçado e implicante (adorava me beliscar!). Era paciente, humilde, sensível, amoroso. Perfeito? Nunca! Mas arrisco dizer que chegou perto!

Em 2014 ele foi diagnosticado com Alzheimer. Depois do diagnóstico a doença progrediu rapidamente e cada ida à BH era impactante.

Era doloroso ver aquele implicantinho sentado em uma cadeira de rodas, quase sem interagir e pronunciando pouquíssimas palavras (no final já não falava mais).

Todas as vezes que eu chegava de viagem e o encontrava, a primeira coisa que perguntava era se ele se lembrava de mim. Ele nunca se lembrava.... Que dor!

Mas na manhã deste dia da foto, eu perguntei: “Como eu me chamo”?
Ele ficou me olhando por um tempo e sorrindo disse: É a Débora. Emocionada, eu chorei!

Ainda que em meio à toda dor e tristeza que aquela doença trouxe, eu conseguia me sentir feliz. Feliz porque ele recebia todo o cuidado necessário, todo carinho, atenção, estava sempre cheiroso e saudável.
Feliz, porque eu ainda tinha o privilégio de sentir a presença dele, ver seu sorriso e por poder retribuir o carinho nos cabelos que sempre recebi dele.

Naquele 06 de janeiro, eu fiz meu paizinho dormir e agradeci a Deus pela oportunidade de poder sussurrar em seu ouvido: - "Obrigada por ter cuidado de mim. EU TE AMO."

Eu tive a certeza de que, assim como ele se lembrou de quem eu era, ele entendeu e recebeu aquelas palavras!

1 ano e 4 meses depois deste dia, ele partiu.

E toda vez que eu vejo esta obra, é inevitável não lembrar dele e seu cuidado para comigo, em um fato ocorrido em minha infância.

Certa vez, brigando com meu irmão, quebramos o basculante do banheiro e uma lasca de vidro caiu no meu olho.

Como eu era manhosa e dramática demais (dizem as boas línguas!), e não conseguiam achar nada, pensaram que eu estava exagerando, que podia estar enganada quanto ao caco de vidro no olho.

Chegou a noite, eu continuava a reclamar. Tentava esfregar o olho incomodada e meu avô logo tirava a minha mão!

Ele ficou tão preocupado, que passou a noite inteira ao lado da minha cama, enquanto eu dormia, segurando minhas mãos para que eu não coçasse meu olho. No outro dia conseguiram achar e tirar uma fina escama de vidro do meu olho.

Sempre ouço essa história da boca dos tios, seguida da frase: "Se não fosse o pai, provavelmente você estaria cega desse olho hoje."

Essa imagem ilustra minha história e descreve o amor: Amor é ATO.

É entrega (do seu tempo), é doação (do seu sentimento), é privação (do sono também) é renúncia (do seu conforto também), é preocupação (se ocupar com o outro) é proteção (ser para o outro).

Nada disso é possível quando estamos voltados para o nosso ego, nossos desejos e satisfações. Não há abnegação no egoísmo.

O amor não pede gratidão, não pede reconhecimento e retorno da sua entrega.

Amar é fazer sem esperar em troca, sabendo que cada ação sua em prol do outro pode cair no esquecimento.

Não. Eu não lembro dos detalhes desse dia. Lembro de alguns relances da briga e do vidro quebrando. Não me lembro do meu avô passando a noite em claro, sentado, do meu lado, vigiando meu sono.

Meu paizinho não fez o que fez para que eu o agradecesse depois ou me lembrasse disso para contar como ele foi o herói da minha infância.
Se hoje o chamo de herói, foi porque ele me ensinou que o amor é um verbo que, sem atualizá-lo, morre como um substantivo vazio, proferido em uma frase de efeito qualquer.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.



 
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