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02/12/2021 às 08h00min - Atualizada em 02/12/2021 às 08h00min

Coisificação da pessoa humana

IVONE ASSIS
O 2 de dezembro contempla, dentre outras, duas importantes datas comemorativas: Dia Nacional das Relações Públicas no Brasil e Dia Internacional para a Abolição da Escravatura.

A primeira (Relações Públicas) busca lembrar a importância de um profissional de Relações Públicas, o qual cuida das questões humanas e sociais, observando o cenário cultural, sociopolítico e econômico do país. Trata-se, portanto, de um estrategista de relacionamento para que os objetivos mercadológicos de uma organização sejam alcançados, cujo resultado reflete diretamente na reputação organizacional e nos resultados produtivos/financeiros, bem como nas desigualdades sociais, sem dúvida. As relações públicas são essenciais na comunicação entre trabalhador e empregado; empresa e cliente; governo e nação; comunidade... e assim se segue.

Já a segunda, Dia Internacional para a Abolição da Escravatura, esta vem nos mostrar o quanto as Relações Públicas fazem falta. Embora a escravatura no Brasil tenha sido abolida oficialmente em maio de 1888, pela Lei Áurea, todos os anos, milhares de trabalhadores escravos são resgatados. De acordo com o mapa “escravagista” do Ministério do Trabalho e Emprego, em 1995 foram menos de 100 casos, número este que nos deixa em dúvida quando comparado ao que se segue, pois ficamos a pensar se realmente eram poucos, ou se faltou fiscalização. Entre 1995 e 2014, o pico foi em 2007, com 5.999 trabalhadores resgatados em situação escravista, no Brasil.

Antes, as ocorrências eram quase que somente no campo, sobretudo no meio agrícola, mas o que se observa é que, conforme a prática foi aumentando, as ocorrências passaram a ser frequentes no meio urbano, na construção civil, no mercado da moda, na prostituição... afetando homens, mulheres e crianças, em especial migrantes e imigrantes.
A ONU calcula que haja cerca de 27 milhões de vítimas da escravidão no mundo (em todas as faixas etárias), praticamente o dobro do tráfico negreiro nas Américas à época da colonização. O resultado financeiro dessa insanidade gira em torno de 32 bilhões de dólares/ano/mundo.

Segundo o professor e pesquisador da UFRJ, Ricardo Rezende, líder do Grupo de Pesquisa “Trabalho Escravo Contemporâneo” e premiado pela ONG britânica, em 1992, o Brasil tem avançado nesse quesito investigativo. Vale lembrar que, muitos brasileiros – sobretudo os sem estudos – saem do país em busca de oportunidades e se esbarram com o trabalho escravo lá fora.
Como não pensar em “O navio negreiro”, de Castro Alves? Ou mesmo o poema “O escravo” (1935), de Vinícius de Moraes? Neste último, o poeta diz: “Quando a tarde veio, o vento veio, e eu segui levado como uma folha / E, aos poucos, fui desaparecendo na vegetação alta, de antigos campos de batalha / Onde tudo era estranho e silencioso, como um gemido. / Corri na sombra espessa, longas horas, e nada encontrava / Em torno de mim, tudo era desespero / [...] a massa me confundia, e se apertava impedindo meus passos / E me prendia as mãos e me cegava os olhos, apavorados. / Quis lutar pela minha vida [...] / Mas, nesse momento, tudo se virou contra mim, e eu fui batido / [...] começou a escorrer resina do meu suor / E as folhas se enrolavam no meu corpo, para me embalsamar. / Gritei, ergui os braços, mas eu já era outra vida, que não a minha [...] / Aqui eu estou, parado, preso à terra, escravo dos grandes príncipes loucos. / Aqui vejo coisas que mente humana jamais viu / Aqui sofro frio, que corpo humano jamais sentiu [...].

Recentemente, o Brasil inteiro assistiu ao caso do empregador rural que questionava "Cadê os cinco que eu comprei?" Escravizar pessoas é uma violência humana sem precedentes. De acordo com a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, neste ano, até outubro, foram mais de mil trabalhadores resgatados de trabalhos escravos. Afinal, quanto vale a vida de um trabalhador? Em um mundo tecnológico, em que as pessoas vão ao espaço como turistas, é inadmissível a coisificação da pessoa humana.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia."
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