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21/05/2021 às 09h05min - Atualizada em 21/05/2021 às 09h05min

Crônicas do Stutz

WILLIAM H STUTZ
Segunda-feira

Acordei carrancudo, afinal era segunda-feira. Não entendo essa birra de segundas-feiras. Aposentado que sou, todos os dias deveriam ser para mim como iluminados sábados, mas não. Acho que é herança de tantas décadas de trabalho e horários a cumprir. Ficou a ojeriza. Se tem feriado, muda tudo. Ganha-se um sábado de presente e a terça não é antipática, mesmo começando a semana. Minha história é com a tal segunda. 

Como de costume a passarada amanheceu em cantos e algazarra. Se fosse ontem iria ficar tempão deitado a ouvir a folia e me deixar aquecer nas colchas de tear emboladas no corpo. Fecharia os olhos com ouvido atento e assim, em preguiça, me largaria. Mas não, é segunda. A bicharada não sabe disso, pois se soubesse não soltariam um pio, um grito, um cantar. 

Saberiam que me irrito com a pressa de sair da cama. As colchas atiradas aos pés e o pó dos sonhos varridos ligeiros para algum canto. O banho seria frio para apressar o despertar. Ah, os remédios! Como me esquecer. Um controla o ácido úrico, outro a pressão e outro o pensar. Somos atualmente frutos de conflitos estranhos na cabeça e nas entranhas. Um remedinho dourado para produzir a química da realidade disfarçada goela abaixo. Pode até ser placebo, mas me engana bem. O café não perfuma a casa nas segundas. 

Nem se percebe e o seu tomar, é automático. Se a semana começasse na terça será que carrearia estes sentimentos para lá? Acho que não. Terça tem jeito de trem nos trilhos, caminho aberto, vento no rosto. Repito, estou aposentado, mas a rotina de uma vida não saiu de mim. Não sinto a menor falta dos últimos anos de trabalho particularmente o último. Nunca imaginei que passaria por tanto assédio moral e intelectual particularmente o último ano de só querer e não poder contribuir de fato. Porém, tudo agora é página virada. 

Hoje, liberto e feliz, não perco tempo pensando naquela gente infeliz e pouco criativa. Ontem li uma crônica linda de Kelly Bastos. O título? A melhor vingança é não se vingar! Perfeito e assim do sem querer me lembrei da insignificância daquela gente e como devem ser tristes e assustados, pois sem dúvida tem muito com que se preocupar. Não me refiro apenas a trabalho, podem ter certeza. Senti-me na obrigação de comentar, em agradecimento, os escritos de Kelly: Bravo! Pois te digo vingança é a hidroxicloroquina ou a ivermectina da raiva. Não servem para nada além da bula e os efeitos colaterais podem ser devastadores.

Voltemos à segunda. Pense comigo. Bancos cheios, filas imensas, perigosas aglomerações de pessoas querendo salvar os excessos do fim de semana. O ônibus pode estar em greve e ninguém avisou. Deprê por ter ganhado os quilinhos perdidos em semana inteira de academia. No quadro do cartão de ponto sua ficha sumiu. Frio na barriga. Esquecimento ou sinal de algo pior? A linha de produção no chão da fábrica não está tão azeitada e alguns estão amarelados de ressaca ou putos por derrota de seu time. Conhece o ditado “jamais compre um carro montado segunda feira”? Isto serve para mil coisas.

Não se recitará o poema de mestre Vinicius, “(...) impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas (...)” , simplesmente porque não é sábado, mas uma amarga e jurubebica segunda. 
Tenho me exercitado para perder essa bronca. Saio a correr, mas até o ar é diferente. Obviamente tem mais carros nas ruas. As betoneiras estão mastigando ruidosamente brita, areia e cimento de boca aberta. As retro escavadeiras e seus apitos em ré. Caminhões descarregam em barulho e poeira. Nem os cães latem com naturalidade.

Certo, mas hoje teve a parte boa, genial, alegre e de risada caminhando para um gargalhar. É que ao abrir o jornal procuro o placar do jogo de meu Galo que intrigado tinha perdido. O Jogo é hoje! Que segunda que nada! Hoje é DOMINGO ainda. Ganhei um dia inteiro todo meu, novinho em folha. Sentindo-me criança recito baixinho doce parlenda:

Hoje é domingo/ Pede cachimbo/ O cachimbo é de barro/ Bate no jarro
O jarro é de ouro/Bate no Touro/ O touro é valente/ Bate na gente
A gente é fraco/ Cai no buraco/ O buraco é fundo/ Acabou-se o mundo.
Foi como achar uma nota de dinheiro em bolso de calça lavada! E quanto ao amanhã? Ora, amanhã é outro dia!
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