Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
06/05/2021 às 18h49min - Atualizada em 06/05/2021 às 18h49min

Como morrem as amizades

WILLIAM H. STUTZ
Título pesado não é mesmo? Talvez seja mais para chamar atenção de incauto leitor, que passaria os olhos sobre meus escritos no jornal como um trator. Jogada de marketing digital, posto que não temos mais o espaço em papel às sextas? Pescaria de leitura, tendo como isca títulos atrativos que, como uma “chamada de capa” e sua frase impactante sobre a matéria, na maioria das vezes em nada condizem com o conteúdo? Ou será uma sensação verdadeira que estou experimentando? Caras e caros, julguem vocês, por favor.

O lance é que estamos vivendo o período mais louco de nossas vidas, mesmo para aqueles que têm TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) como o “rei” Roberto Carlos, segundo ele próprio declarou em uma entrevista por videochamada na comemoração de seus oitenta anos. Não é fofoca de folhetim ou invenção.

Para quem sofre as pressões horríveis do TOC estamos finalmente vivendo em um mundo que lhes é familiar, no qual as pessoas não mais se tocam, lavam as mãos infinitas vezes ao dia, se banham de álcool em gel, se evitam, não visitam e nem sentam em seu sofá. Em sua sofrência muitos têm seus truques e reservam sempre um copo, talheres e prato para “intrusos”. Depois de alguma visita incômoda, usam luvas e lavam estes objetos com bucha especial, separada para isto. Em seguida a este ritual ainda vem o spray de álcool salvador e, em suas mentes, matador de tudo quanto há de perigoso. Talvez isto se repita uma, duas ou até três vezes para que se sintam tranquilos (as). Conheço bem o sofrimento de quem convive com esse transtorno. Tenho o maior respeito por eles e se sugestão pudesse dar seria que se tratem, procurem ajuda, pois a vida é muito curta para que a deixemos passar com tanto sofrimento. Posso falar de cadeira. Fui agorafóbico e tinha crises de pânico, que por anos a fio me incapacitaram e me fizeram perder muito. Demorou, mas venci e hoje tento o impossível, recuperar o tempo perdido. Difícil. O tempo você pode até pensar que recuperou, mas os sentimentos, oportunidades, pessoas que perdeu jamais.

Porém, se a situação está cômoda, em termos, para os portadores de TOC, para o resto da humanidade está um caos. Vivemos à flor da pele. O que antes passaria batido ou acompanhado de um simples suspiro, hoje gera reações de raiva, repulsa e revolta. Até bem pouco tempo se alguém em sua mesa de bar ou em alguma rede social fizesse apologia ao fascismo, que nos ronda e avança com força pouco vista depois do fatídico golpe de 64, o máximo que fazíamos era um balançar e coçar de cabeça e um deixa pra lá. Hoje? Não fica sem resposta agressiva e vira um quebra pau! Gente, gente, parem com isso! Nunca. Bloqueia-se. Exclui-se de sua lista.

E isto depois de muito xingar. É de arrepiar quando ouvimos os argumentos reducionistas, sem base alguma sobre comunismo e socialismo, como se os dois fossem sinônimos. Só para ilustrar dou lista curtinha de alguns países socialistas Noruega, Suíça, Espanha e Dinamarca todos sociais-democratas socialistas e/ou trabalhistas e tem Israel no oriente médio também. Agora depois que ouvi da boca de fanáticos apoiadores do mito que o Caiado de Goiás era comunista pois bateu de frente com uma manifestação/aglomerada de apoio ao Messias presidente, encerrei qualquer tipo de conversa sobre política com essa gente. Palavras ao vento.

No futebol, outro assunto que era apenas motivo de gozações sadias e divertidas, eram as zombarias dirigidas aos Flamenguistas, odiados por quase todas as outras torcidas. Quando perdiam, qualquer coisa era motivo de mofa sem fim, até em disputa de remo (afinal é o Regatas que carregam no peito) ou mesmo em campeonatos de bolinha de gude. Nada escapava da zoeira. Hoje dá briga e criam-se inimizades facinho, facinho (diminutivo esse que usamos inventado, mas bom demais da conta de falar). Gozação virou coisa séria. Outra coisa que se tornou ainda mais perigosa nestes tempos difíceis foi a franqueza. Esta hoje é catalizadora em relações de qualquer espécie. Quer perder um amigo, seja franco. O apoie quando está com raiva e usa os piores adjetivos contra algo ou alguém, mas saiba que, assim que ele ou ela resolver seus conflitos e o objeto de seu ódio passar se voltará contra você. Todos aqueles xingamentos que ele (ou ela) professou serão creditados a você e aí meu caro, minha cara, a ira se voltará contra sua pessoa. A velha amizade, sentimento de fraternidade, “tamo junto”, vão para o espaço. Você sempre sairá perdendo. Vivendo e aprendendo, em alguns assuntos, seja em época doida ou normal, o melhor é ouvir e por mais provocado a compartilhar a dor e os desejos momentâneos do amigo/amiga, fique quietinho. No máximo balance a cabeça. E olhe, até esse movimento e sua melhor cara de paisagem podem futuramente pesar contra você.

Gente humana é muito esquisita, se cuide, pois o que foi construído em décadas pode ruir por uma bobagem que nem plantada por você foi.
Ah, meu amigo em espírito Guimarães Rosa, qual estrela lhe guiou a pena ao escrever “Amizade dada é amor. Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios.”



Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
 
 
 
 
 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90