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19/02/2021 às 08h00min - Atualizada em 19/02/2021 às 08h00min

Praça

WILLIAM STUTZ
E lá se vai um carnaval que não houve. Amanheço em quara de cinzas e, como quase todo mundo exceto os desmiolados e se sem noção que insistiram em festas clandestinas e aglomerações. Acordo sem o menor sinal de confete ou serpentina. Nem uma marchinha me fez lembrar do reinado de Momo.
 
Fico feliz por ter cumprido minha parte no meu trato com a saúde coletivo. Mas, acordo cansado. Não saímos como todo ano em nossa “Bandalheira” de Ouro Preto, ficamos quietinhos aqui. Ao longe, lá dentro do meu pensar uma musiquinha de tantos carnavais: “Esse ano vou sai de Buda.../ Vai ser Buda pra lá / vai ser buda pra lá / Pra minha buda tomo mundo vai olhar/ A minha buda veio lá do oriente por isso é uma buda diferente (...)”
 
Engraçado, a passagem nem era para virar escrita, mas uma foto, na verdade várias em uma rede social plantou o pensar dentro de mim e, por bem, acho melhor compartilhar. Assim são as histórias. se você é do tipo que olha o entorno com olhos de bicho ou de atirador sabe do que estou falando. Tudo quanto há vira narrativa, vira conversa vira assunto.
Não gosto de descrever o horror, o feio lado da alma humana ou das coisas, das pedras, dos bichos, das árvores.
 
Desvio olhar de acidente acontecido, as gentes se aglomeram para apreciar o trágico, corto volta. Se acontece na hora paro ajudar, mas não procuro horrores, me apego a amores. Assim seguindo para resolver assunto passo pela praça e me dou mais uma vez com o espetáculo do belo vestir da linda da praça. Todo ano assim se faz, primeiro se desnuda em sensual cair de vestes folhas. Nua se deixa ficar. Poucas a olham. mas de salto em pleno romper de manhã esplendorosa de um finzinho de junho ainda cheirando a pólvora dos foguetes dedicadas aos santos, eis que em pudor adolescente se veste em traje de gala.
 
De folhas, agora flores em profusão estonteante amanhece linda em lilás vivo. Se nua atenção não chamava, agora, raro aquele que não lhe dirige um olhar mesmo ligeiro. Por alguns segundos ou fração esquece problemas, desgostos, rotina, planos. Por mais breve que seja, aquele simples olhar leva a lugares ocultos dentro de cada um. Cheiro de mato, colo de mãe, beijo de filho, abraço de amigo, ranger de porteira, latido do primeiro cão da infância. A namorada que ficou escondida no passado, talvez a o primeiro toque em seio de mulher.
 
Mesmo o mais distraído mesmo sem querer, sem sentir/perceber se projeta longe, até que a buzina do carro de trás o faz movimento. Automático, o olhar da bela da praça para o retrovisor, não viu direito nem um nem outro. Mas ela deixou um gosto doce na alma, imperceptível, mas deixou. Todos chegarão em casa mais leves como se anjo lhe cantasse aos ouvidos suave perfume.
 
Ligeira, tempo curto. Aos poucos, com sensualidade, gestos milimetricamente calculados, se despe serena. Olhos desejosos observam suas vestes a cobrir chão agora transformado em deleitoso tapete. O erguer da vista é sem querer, nascem sorrisos e suspiros. Ligeira, tempo curto logo amanhece plenamente nua. Devagar, botões a lhe fazer cócegas vão muito lentamente cobrindo seu corpo, galho a galho, não há mais plateia. Morosa, já naquele instante inicia ensaio para sua apresentação em outro finzinho de junho, ar cheirando a pólvora de foguetes que tanto céu seco iluminaram em louvor a santos, e são tantos os santos.


Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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