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23/01/2021 às 08h00min - Atualizada em 23/01/2021 às 08h00min

O luto deles

IARA BERNARDES
Divulgação
Semana passada falei sobre a morte de meu filho durante a gestação e a comoção de dezenas de mães que não sabiam que podiam viver o luto, foi tocante. Perceber que temos essa liberdade ajudou essas mulheres a compreenderem que não importa o que a sociedade impõe, mas o que sentimos e que SIM, devemos chorar pelos bebês enterrados em nossos ventres. Saber que posso ajudar as pessoas a pensarem sobre sua dor, acolherem seus momentos e ressignificarem suas feridas traz  enorme alegria ao meu coração. Por isso, quero começar agradecendo cada relato que recebi e todas as palavras de respeito e carinho. Miguel está guardado em meu coração, meu luto foi vivido e torço para que cada uma que passou pelo mesmo processo doloroso abrace essa vivência com atenção e guarde essa experiência com sabedoria em seus corações.

No entanto, naquele momento e confesso, até esta semana, algo que não conseguia pensar é: e o pai? Como o pai passa por um processo de luto de um bebê que ele não sente dentro de si? Afinal, todos sempre me disseram que o pai só é pai quando a criança nasce. Mas será? Então comecei a relembrar cada momento que tive com meu esposo naqueles episódios de dor e revendo aquelas cenas, me recordei do seu olhar de tristeza e preocupação. Aquele homem que eu não conseguia enxergar estava ao meu lado sofrendo e me apoiando, do jeito dele, meio sem lugar, sem entender o que se passava ao certo, mas estava ali tendo também seu momento de alegria ceifado pelas circunstâncias da vida.

Em meio a tanta atribulação e dor, ao engravidar da Maria Luísa ele logo foi informado e resolvemos não falar nada para ninguém, tentávamos viver como se essa nova gestação não existisse, afinal, mulheres grávidas perdem bebês. Cada exame era uma nova conquista e pensar que daquela vez poderia ser de verdade nos enchia de alegria e medo, já que a dor da morte do antecessor ainda estava muito presente em nós. Não tem como eu falar como ele se sentiu, o pai se fechou num medo profundo de sofrer de novo e nenhum de nós falou sobre a dor dele, apenas os olhos temerosos, agora relembrados, falavam comigo.

O luto na perda gestacional é invalidado a todos que passam por isso, tanto mulheres quanto homens, porém, estes se tornam agentes invisíveis no processo, colocados apenas no papel de apoiadores da mãe num PRIMEIRO momento, lembrando que em nossa sociedade frases como “logo você engravida de novo!” são proferidas como se a gestação interrompida não significasse nada. E o homem, por não passar pelo processo físico da perda, é escanteado, não podendo nem ao menos expressar sua dor.

Sendo assim, logo o pai passa a expressar seu sofrimento das maneiras mais aceitas socialmente, seja na forma de desprezo pela dor materna ou raiva e agressividade, causando desconexão entre o casal, já que a mulher está toda entregue à sua dor física e emocional e o homem, impedido de se expressar, tende a se afastar, não por ressentimento ou falta de admiração pela mulher, mas por não saber como demonstrar suas emoções. Com isso, ambos, sem entenderem direito o que se passa, em muitos casos, optam pelo rompimento da relação.

Nesse sentido, aqui entramos em outra questão, que é anterior a essa, mas totalmente responsável por essa falta de entendimento masculino de suas emoções: nossos meninos não são educados para as emoções, tendemos a colocar as crianças do sexo masculino, desde a tenra idade, em posição de macho alfa, na qual a dor, o choro e a tristeza lhes são apresentados com desprezo e símbolos de fraqueza. Por isso, é tão importante educarmos meninos sensíveis aos seus sentimentos e validar qualquer sofrimento masculino já na primeira infância, não desqualificando o choro, nem mesmo as frustrações, proferindo frases que impedem as lágrimas sentidas e as relacionam à falta de masculinidade. Somos reflexo do que aprendemos e vivemos enquanto crianças e com os homens isso se torna mais grave pela sociedade machista em que vivemos. Acolher a dor masculina é tão necessário quanto abraçar e educar esses meninos para a vida e o respeito ao sofrimento do outro. Fazer com que eles se expressem e saibam reconhecer seus sentimentos é um acalento a toda uma geração que está por vir, com uma enorme esperança de pessoas mais sensíveis às emoções e ao autoconhecimento, sejam eles homens ou mulheres. Precisamos parar de colocar as crianças em meio a ideologias de machismo e feminismo e passar a tratá-las de maneira integral em sua HUMANIDADE, sem distinção de gênero, mas com convicção que somos todos gente, para que assim as futuras dores de seus pares, esposas, maridos, filhos, pais e sociedade em geral, sejam respeitadas e amparadas.



Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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