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22/01/2021 às 08h00min - Atualizada em 22/01/2021 às 08h00min

Insuportabilidade

William H Stutz
Paradigma flexional como título de odisseia.

Só tem uma coisa mais difícil do que abrir conta bancária, fechar uma.

Com a chegada da portabilidade bancária que, aliás, demorou por demais a chegar, nada mais justo do que cada um poder ter a liberdade de escolher a instituição financeira que lhe der na telha para depositar seu suado salário.

Essa escolha pode ser pelos belos olhos azuis da gerente, pela propaganda na camisa de time de eleição, pelo anúncio de televisão mais convincente, ou até pelas taxas de juros e serviços mais baixos.

Sorteio uma terça-feira para fazer uso desse novo direito cidadão. Terça, geralmente, os bancos estão mais vazios, a bagunça da segunda ficou para trás. Chego à agência e topo com multidão. Gente saindo pelo ladrão. Será que é dia de pagamento de PIS? PASEP?

Já peguei dia assim, um inferno. Nada, era o quinto dia útil do mês. Dia de contas vencendo, algumas empresas em pagamento e outras coisas que fui descobrindo. Fica mais essa: jamais vá ao banco no quinto dia útil de mês algum. Aliás, se possível, jamais vá a alguma agência. Tente, se tiver coragem e confiar, resolver tudo virtualmente. Infelizmente, fechar conta pela internet não tem jeito. Lá me vi, em meio a piseiro de gente. Fiquei me sentindo na fila da geral de uma final Atlético e Cruzeiro em pleno Minierão.

A espera promete e é longa. Gente que xinga, encontra-se amigos de longa data que não se via há muito tempo, um casal flerta, vai dar namoro.

O rapaz do meu lado esperava, humildemente, há mais de 2 horas.

Uma criança impaciente se põe a chorar, e a mãe, com outra pregada ao seu seio a mamar, está a ponto de descabelar. O prendedor em pinça está pendurado, literalmente, por um fio. Ela se segura para não se derramar em lágrimas em coro com a cria.

Um chato culpa o prefeito, como se ele fosse o dono do banco, outro retruca.

Será que não rola uma barrinha de cereal ou copo d’água aí não? Brinca um mais tranquilo.

Um senhor ao meu lado desencadeia um ataque de asma, fica pálido, sua frio, chia. Senha ABC4567, grita um caixa. Será que ninguém olha o painel?

Não olha? Ponha atenção, seu moço, parece final de novela ou de Copa do Mundo com jogo do Brasil. Ninguém desgruda os olhos daquele painel, mesmo sabendo longe sua vez de ser chamado. Meu caro, esse painel dá mais Ibope do que muita rede grande de televisão.

ABC4567, grita outra vez. O painel dá uma piscada, um “blup” e muda de número. Muitos foram embora ou morreram de raiva.

O casal do flerte já está sentado lado a lado. Que senha que nada. O papelzinho amarelo dele foi aos poucos sendo picotado durante tentativa de conquista, cobrindo seu colo e o chão. O dela, estava dobradinho em ansioso origami.

Aos sussurros alguns discutem política. Sucessão municipal, último capítulo da novela das oito, futebol.

Primeiro ato, zerar conta. Começa aí o calvário. Os caixas eletrônicos não soltam moedas. Bom, sem problemas, são apenas 0,43 centavos. Deixa pra lá. Antes de adentrar a agência, sou abordado por recepcionista, que quer saber o que eu vou fazer lá. Fechar conta, falo eu. De sorriso à carranca foi coisa de segundos. Já zerou a conta? Resmunga, sem nem olhar mais para mim - virei ex, e ex qualquer coisa deixa de ter valor. Conto a história dos 0,43 centavos. Ah não, tem que tirar tudinho, não pode ficar nada! E me dá uma senha para rapar o tacho e outra para o ato final, assinar o termo de encerramento.

Entrei na agência às 13:18 horas para sacar as moedinhas, mas aí o banco foi legal. Ao invés de 0,43, não é que me deu 0,45! Assim, de graça. Encanto.

Mas ai, mesmo sem nunca ter usado a tal conta para nada, apenas para sacar em caixa eletrônico o meu soldo mensal, não é que tinha uma cobrança programada para quase um mês à frente, de alguma taxa da qual nem conhecimento tinha?

Nunca tive uma folha de cheque sequer, e todos diziam que eu possuía era a isenta conta salário. Descobri que para definitivamente romper os grilhões fiduciários que me prendiam ao banco, ainda teria que esperar mais um pouco.
Eram 16:44. Sou paciente.

A zerada conta receberá depósito exato que o senhor funcionário me mostrou em sua reluzente tela de computador, em verdes e brilhantes dígitos. Aí caros amigos e amigas, se até lá não aparecer outra dividazinha com o enorme e poderoso banco, deixarei de ser sócio minoritário deles para ser, novamente, um homem livre, leve e solto, pelo menos até cair em outra arapuca do sistema. 

E só para constar, ontem, exatos trinta dias depois, festa. Consegui fechar a tal conta.
 
Nota do missivista: Esta crônica foi escrita antes da pandemia, quando a vida era o normal que conhecíamos. Portanto, tem cenas de aglomeração e não uso de máscaras. Mas não é por saudosismo que vamos nos comportar como negacionistas imbecilizados. Use máscara, evite as aglomerações, lave sempre as mãos e, se puder, fique em casa. Distanciamento sempre.

A vacina chegou finalmente, mesmo a contragosto do presidente e dos bolsoafetivos, mas vai demorar para que todos recebam as duas doses. Juízo e fé na ciência.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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