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21/11/2020 às 08h00min - Atualizada em 21/11/2020 às 08h00min

Obrigada a todos pelo “não”

IARA BERNARDES
Desde muito jovem eu sempre me senti rejeitada: as meninas tinham seus grupinhos, as amigas tinham suas melhores amigas, os meninos sempre olhavam para as outras garotas e eu sempre sobrava, era a chata, desengonçada, escandalosa e feia. Mal sabia eu que o jeito espalhafatoso e barulhento era uma maneira de chamar a atenção e tentar calar todas as críticas, que sempre vinham em forma de apelidos aparentemente carinhosos: “doidinha”, “maluquinha”, “senhora comunicativa” e por aí a lista se estendia. E o bullying? Piadinhas, pés que apareciam para eu tropeçar, risadinhas nada contidas enquanto eu passava, humilhações públicas que os professores se omitiam.

A partir daí vários transtornos se instalaram, sendo o primeiro deles a distorção da imagem, em que apesar de extremamente magra, me via gorda, ocasionando o primeiro transtorno alimentar, a bulimia. Eu escondida, comia e forçava o vômito com medo de engordar. Seguindo, passei a comer muito pouco e quanto mais emagrecia, mais me sentia gorda. Sem perceber, estava comendo cada vez menos e pior. Junto a esse sofrimento que sempre se disfarçava de satisfação, estava uma menina devastada e emocionalmente instável. 

Sem que percebesse, absolutamente absorta pela vontade de me encaixar em algum grupo, havia ali um casal que se preocupava, que tentava de todas as maneiras me ajudar e eu simplesmente  não percebia: meus pais estavam tão ou mais desesperados que eu, correndo atrás de ajuda para que sua caçula não se perdesse dentro de si. Nesse processo recebi muitos nãos: não podia sair com aquela “amiga”, não podia atender o telefonema daquele namoradinho, não podia sair sozinha e de outro lado não era aceita em um grupo. Mas recebia muitos sins, pois havia sempre o direcionamento para um ambiente mais saudável e amizades melhores.

Com isso, além dos meus pais, havia tantas pessoas que me amavam e eu simplesmente não conseguia enxergar, as verdadeiras amizades estavam ali, disponíveis, prontas para me acolher, sem que eu as enxergasse ou valorizasse.

Por muito tempo fiquei revoltada com tantas negativas e queria de qualquer maneira ser aceita, queria que as pessoas me tolerassem a qualquer custo. Coitados dos meus pais... que fase!!! Estive bem perto de “sair da linha”, cair num caminho perigoso que talvez não tivesse volta e acabou que todo não que levei até aquele momento se transformou em algo bom, ainda não era sim, mas foi o não que me levou a fazer escolhas mais acertadas que se tivesse ouvido apenas respostas positivas. Os amigos, aqueles amigos mesmo se cansaram de tentar e ficaram observando, de longe, só esperando.

Hoje olho a colega que não quis ser minha melhor amiga e percebo que ela nunca se encaixou no que era melhor pra mim, vejo o namorado que não me quis e agradeço pelo término, afinal, ele está lá, solitário, negando a paternidade a qualquer custo, pulando de galho em galho, sem nunca querer ninguém por perto. Vejo as colegas que talvez tivessem sido grandes amigas, mas que de fato não me fazem muita falta.

Em contrapartida, olho as amizades que há 20, 30 anos estão comigo e como a distância não nos afasta, aqui se encaixam principalmente a Família Santos de Carvalho, a Daiane Castro e a uns poucos que se começar a citar corro o risco de ser injusta. Vejo meu marido, meus filhos, minha família e tenho certeza de que não teria nada disso sem aqueles “nãos”, inclusive os que distribuí por aí.

Aprendi com o tempo que quando recebemos um não, estamos abertos a todos os sins do caminho e vice-versa e que apenas nos cabe fazer da nossa vida é saber avaliar o que realmente vale a pena transformar em sim. Por isso digo sim à minha realidade corrida, mas digo não à falta de tempo com meus filhos, sim às minhas amizades verdadeiras e não aos amigos que não me edificam, sim à busca de ser melhor e não a me julgar melhor que os outros. Afinal de contas, é assim mesmo que podemos viver, conscientes do que nos cabe e que cada escolha acarreta as consequências que buscamos.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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