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10/10/2020 às 08h00min - Atualizada em 10/10/2020 às 08h00min

Tia é a irmã dos seus pais

IARA BERNARDES

Quando entro em sala de aula, já no primeiro dia, faço questão de deixar claro para meus alunos que não sou tia deles e que esse “apelido” que parece ser carinhoso e tão comum, não é admitido quando querem se dirigir a mim. Sou professora e assim eles devem me chamar: professora Iara, teacher Iara ou apenas Iara.

Pode parecer arrogância, mas o termo “tia”, adotado principalmente na educação infantil, coloca a professora como uma extensão familiar e desvaloriza a profissional, colocando-a num papel informal na educação da criança. Inclusive Paulo Freire, escreveu em seu livro “Professora sim, tia não” que Ser professora implica assumir uma profissão, enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Chamar a professora de tia é no fundo uma ideologia que trabalha contra o rigor da profissionalização da educadora, como se para ser boa professora fosse necessário ser pura afetividade”.

Haja visto que numa sociedade onde a Educação e seus profissionais são extremamente desvalorizados, manter esse discurso é compactuar com a ideia de que ser professor é a última opção entre todas as ocupações e que só se forma em um curso de licenciatura quem não teve chance em nenhuma outra colocação como bacharel. No entanto, sou obrigada a lembrá-los, meus caros, que são esses mesmos profissionais que muitos de nós criticamos, os responsáveis pela formação intelectual de seus filhos, quando não, a formação afetiva também, pois não é raro se deparar com crianças e adolescentes completamente desprovidos de afetividade no lar e que encontram no colo e nos conselhos de seus mestres, a única manifestação de carinho no dia a dia.

Já falei mais de uma vez aqui sobre a necessidade de valorizarmos aqueles que trabalham tanto para nos ensinar - sim, sou estudante até hoje e pretendo morrer sendo - educar nossas crias e colaborar para uma sociedade com pessoas mais capacitadas tanto profissionalmente quanto socialmente. O professor, seja ele em qualquer etapa da educação, exerce um importante papel na construção de valores. A professora da educação infantil é aquela pessoa capaz de ensinar a motricidade, estimular sensorialmente os bebês e crianças pequenas, estabelecer vínculos e promover as primeiras relações sociais fora do lar, bem como preparar aqueles pequenos seres humanos para enfrentar as próximas etapas de desenvolvimento intelectual e físico.

Poucos sabem, mas nessa primeira etapa a criança deve receber os subsídios certos para que sua aprendizagem e habilidades físicas sejam satisfatórias e para isso, ensinar a rolar, engatinhar, segurar objetos, dar os primeiros passos é ensinado na escola. Além disso, rotina, cuidado com higiene, com o corpo e a se relacionar, também são ensinados pelas professoras. Mediação de conflitos, resolução de problemas e carinho são papéis desempenhados nas séries da educação infantil. Isso sem contar com a alfabetização, já nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Quem nunca tentou alfabetizar um filho, não sabe o trabalhão que dá, a paciência que exige e a quantidade de recursos materiais e emocionais essas pessoas precisam ter para lidar com isso. Não é tarefa fácil, mas para alguns, aquilo não passa de brincar de escolinha.

Tenho a impressão de que o professor passa a ter cara de profissional quando entra nas áreas específicas, ou seja, quando as matérias se dividem e já não é apenas um regente em sala. Porém, o que não podemos esquecer é que foi aquele regente o responsável por toda a base que meu aluno do Fundamental II tem, foram os professores da primeira etapa do Ensino Fundamental que ensinaram aquele pré-adolescente a se comportar nas minhas aulas e a fazer contas básicas e a ler. Enfim, sem o regente eu não teria um estudante apto a aprender nas minhas aulas e não foi a tia quem ensinou, foi uma professora capacitada, que estudou e se dedicou àquela função.

Sendo assim, peço encarecidamente que passem a ver aquela pessoa acolhedora na sala do seu filho, como uma profissional que se qualificou para exercer o papel de professora. Por trás daquela “tia”, existem horas de faculdade, leitura de artigos, planejamentos e dedicação. Por isso, passe a enxergá-la como uma médica que cura as feridas do cérebro e da alma de nossas crianças.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 

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