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26/09/2020 às 08h30min - Atualizada em 26/09/2020 às 08h30min

Hora de dormir

IARA BERNARDES
“Iara, cadê a Maria Luísa?”. Em um salto eu levantei da cama quando ouvi essa frase. Meu esposo me acordou às 5 horas da manhã sem saber onde nossa filha estava. Jurava que ela estava linda e plena em meio ao cobertor e ele não tinha olhado direito. Procuramos em todas as camas, embaixo delas, no banheiro, na sala, cozinha e nada, foram 3 minutos – que pareceram 3 horas - de total desespero para nós dois até que a encontramos no escritório que fica num cômodo no fundo da casa. Minha primeira reação foi querer gritar, brigar, colocar de castigo eternamente, mas o bom senso do marido não permitiu e me tranquilizou.

Depois de quase infartar 20 vezes, sentamo-nos com ela e conversamos tentando entender o que aconteceu e ela simplesmente disse que não conseguiu dormir, então foi brincar. Dois dias depois, após ter colocado todo mundo na cama, ouço um barulho de porta se abrindo e eis que a menina está de novo se esgueirando para a sala, dessa vez acompanhada da irmã mais nova. As duas malandrinhas, prontas para a ação, foram pegas de surpresa quando as interceptei no corredor e mais uma vez a culpa foi do sono que não chegava.

Logo, comecei a me perguntar: será que esse comportamento é desobediência ou realmente o sono das crianças está sofrendo alterações? Recorri à internet para saber como anda a saúde do sono das pessoas durante a pandemia e para minha surpresa, descobri que minhas filhas não estão sozinhas. Pesquisas apontam que cerca de 44% dos brasileiros tiveram seu momento de descanso afetado pelo contexto do COVID-19 e dentre os fatores responsáveis por isso estão a mudança na rotina, falta da prática de atividades físicas, alta exposição a equipamentos eletrônicos, ansiedade, estresse, dentre outros.

Com isso, passei a observar com mais cuidado como estamos direcionando as crianças para queimar toda aquela energia que fica acumulada e outros detalhes da nova rotina. Por aqui, o dia a dia antes da pandemia sempre foi intenso: escola, coral, esporte e dança estavam presentes diariamente na agenda deles e nós repentinamente tivemos que renunciar a tudo e, agora, percebo que até demorou para afetar o soninho dos pequenos. Além disso, comecei a me atentar a outros comportamentos que poderiam indicar a causa da insônia, afinal, o que mais me preocupa não é a consequência em si, ou seja, a falta de sono, mas a causa para isso.

Procurar o motivo nunca é fácil, requer cuidado, observação, análise e paciência. Nos tornamos um pouco investigadores e psicólogos, buscando não deixar que nenhum detalhe nos falte, escutando as conversas entre eles, prestando atenção à dinâmica das brincadeiras, pescando as coisas no ar. No entanto, é na cama que as coisas se revelam com clareza, naquele momento aconchegante antes de dormir – ou a expectativa de dormir – que as falam ficam soltas e os motivos aparecem: saudade da escola, dos amigos, da rua e da rotina; medo do Corona; uma oração pelos avós doentes; cansaço da escola que não existe e as tarefas que nem deveriam existir já que não tem escola, porque só ficou a parte chata dela.

E vou te contar uma coisa: o coração aperta quando a enxurrada de realidade escorre com tanta força. É no momento que percebemos o sofrimento emocional dos filhos que constatamos o quanto está difícil dormir com tranquilidade e o tanto que esses pequenos estão sofrendo com tamanha mudança. Daí, brincar até 5 horas da manhã talvez seja uma forma encontrada para prorrogar o que há de mais legal no mundo imaginário deles, pois eles já não sabem mais o que esperar do mundo real ao acordar.
Por aqui, resolvemos fazer uma reunião de família e mudar tudo, desde o horário de acordar até a rotina dos fins de semana, diminuímos o tempo de exposição às telas, desligamos a TV da tomada, explicamos sobre a importância do sono, das tarefas da escola, de brincar e de dormir. Mas, só para garantir, também escondemos as chaves e redobramos a atenção, vai que..., né?! Por enquanto essa medida surtiu efeito, mas se precisar vamos nos ajustar quantas vezes precisar e nesse exato momento estou vendo duas meninas descansadas, que dormiram a noite toda e agora brincam e conversam após fazerem a parte chata que sobrou da escola.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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