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10/09/2020 às 08h00min - Atualizada em 10/09/2020 às 08h00min

Melhorar o cardápio

IVONE ASSIS
Com o desenfreado desmatamento, faz tempos que o Lobo Mau anda zanzando livremente pelas ruas e estradas brasileiras, como cidadão de direito. Não estamos a falar do Lobo-Guará ou algum parente próximo dessa espécie, mas, sim, do Lobo Mau. Até mesmo a personagem criada por Edvard Munch, em 1893, o desconhecido senhor andrógeno da tela “O grito”, tem aflorado ainda mais a sua angústia e estupefação, ao contemplar alguns alienígenas a torturar os moradores da Terra, sejam vovozinhas, lenhadores ou criancinhas.

O Brasil desencadeou um tempo de barbárie, que fugiu do controle das autoridades. Poderíamos dizer que isso é resultado dos mais de 212 milhões de habitantes (IBGE), contudo, não podemos ser inocentes a tal ponto. Basta observar que, tendo dinheiro, há comida, roupa e abrigo sobrando para toda essa gente. Assim sendo, por que não há segurança? Seria por falta dinheiro?

O Estado Democrático não pode ser confundido como celeiro da corrupção, embora muitos (senão a maioria) que alcancem o poder se corrompam. Millôr Fernandes alerta: “Não existe democracia onde impera a corrupção, a injustiça, a mentira e a hipocrisia”.

A corrupção é uma violência contra a nação, por isso não pode ser banalizada. Pelo contrário, precisa ser tratada com o rigor que se trata um crime bárbaro. Não há como incorporar o erro, acatando-o como parte do cotidiano, permitindo que isso seja natural e invada os lares, os credos e a sociedade, com a naturalidade com que se aceita um comercial televisivo ou um bater à porta de vendedor ambulante. Charles Chaplin chama a atenção para a vida, a fim de que o sujeito saia da inércia: “Não sois máquinas, homens é o que sois!”. Afinal, mais que vítimas, somos testemunhas.

O Lobo Mau ruge, mas, querendo, sempre haverá uma estratégia para a sua captura. A Inteligência supera a tolice. E, apesar de tantos Lobos Vorazes soltos por aí, não podemos nos esquecer de que o poder das Fadas é maior que o poder das Bruxas. Cada sujeito tem o dever de domar o Lobo Mau que há dentro de si. Os profissionais de saúde psíquica podem contribuir no tratamento dessas mentes doentias, amenizando a barbárie que devora o país em diversas instâncias: doméstico, político, racial e outros.

Pouco a pouco a violência foi se transformando em barbárie. Chapeuzinhos e vovós foram sendo abocanhadas pelos lobos. Com tantas conquistas do Lobo Mau, alguns lenhadores recuaram de seus ofícios, outros se juntaram ao Lobo. E a bocarra de presas pontiagudas se alargou para a política, o trânsito, o poder... minando, sem pressa, famílias, testemunhas, amigos... fazendo com que a intolerância, a violência, a desmedida... se agigantassem na calada da noite, amedrontando o vigia que lutava apenas com a luz fraca da lanterna a pilha, para dar flagrantes nos casais de namorados, que se beijavam às escondidas.

Os armários da intolerância tiveram suas portas arrombadas, libertando a truculência, o racismo, as violências doméstica e urbana, a ambição e a cegueira política... dentre outros revertérios, que promovem a barbárie. Nesta semana, um ex-prefeito de Cocal (PI) declarou: "Não roubei o tanto que esse aí roubou", como se o crime de seu sucessor amenizasse o seu. Não sei como é possível, mas ainda houve risos e aplausos. Isso é resposta de conivência, ou seja, o crime do roubo existe porque o crime de receptação aflora. O réu confesso continua: “Eu posso até ter tirado alguma coisa, dado pros pobres...”, quantos Robin Hood há? Ser conivente a qualquer tipo de barbárie é tornar-se mais bárbaro ainda.

A opressão vem em bonitos pacotes de presentes. Nosso país tem Lobo Mau e caminhos largos, mas também tem fadas e caminhos estreitos... cabe a cada um fazer a escolha certa. Afinal, é rejeitando a comida ruim que obrigamos o cozinheiro a melhorar o cardápio.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.



 
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