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05/09/2020 às 08h30min - Atualizada em 05/09/2020 às 08h30min

Ablaze

ALEXANDRE HENRY
“Ao meu garoto, com toda essa energia tão selvagem, todos os seus tons e suas tristezas em medidas iguais, suas idas e vindas: minha missão é manter a luz de seus olhos acesa. (...) À minha garota, (...) quando você precisar, estarei aqui a qualquer custo, este ninho nunca irá desaparecer: minha missão é manter a luz em seus olhos acesa”. Esses são versos de uma mãe para seus filhos. Ela ainda canta: “A primeira coisa que você irá notar é que tudo é temporário. A próxima coisa que você pode notar é que sempre seremos uma família”.

Sim, é uma música celebrando a família. Eu vi essa mãe de perto no dia 21 de outubro de 1996. Na época, ela tinha apenas 22 anos e, apesar da magreza, a voz era de uma potência impressionante. Até pensei que não conseguiria ir ao seu show, pois os ingressos estavam esgotados, mas acabei ganhando uma entrada para um dos melhores lugares da casa. Foi, definitivamente, um show inesquecível! Claro, aos 22 anos de idade, a gente não costuma cantar sobre filhos, marido e família. As letras eram típicas de uma jovem no auge dos seus hormônios, questionando do ex-namorado se a atual dele era tão pervertida quanto ela, se faria sexo oral nele em um cinema e coisas do gênero.

Alanis Morissette, a canadense apenas dois anos mais velha do que eu e que me conquistou de vez naquele show em 1996, não tem mais 22 anos. Também não sou mais quem eu era então, um universitário tentando montar uma banda de rock e planejando uma viagem de mochila para a Europa. Hoje, tenho uma filha e cabelos brancos. Alanis tem três e não é mais magérrima. Ela cantava sua raiva quase juvenil, eu escrevia minhas prosas despretensiosas. Hoje, ela canta a família e eu não faço mais prosa. O tempo passou e nós mudamos, como costuma acontecer com todo mundo.

Mas, por que estou falando da cantora canadense hoje? Porque achei incrível o clipe de sua nova música chamada “Ablaze”. Se já tinha gostado da canção, apaixonei-me de vez ao ver como ela a traduziu em imagens: uma casa bagunçada, cheia de brinquedos esparramados, filhos aqui e acolá, momentos de sorrisos com eles, roupas de quem está passando o domingo em casa e não vai sair e nem receber visitas, cabelo de mãe, corpo de mãe. Sim, Alanis está irreconhecível fisicamente para quem se nega a reconhecer que o tempo passa. A garotinha magrela e de olhar rebelde exibe no clipe muitos quilos além do “padrão”, um cabelo sem qualquer pretensão de servir para um ensaio fotográfico, além de um camisão que só as mães com filhos pequenos sabem o valor que tem. E daí? Daí que amei o fato dela não esconder a fase que está vivendo, de não negar que agora não é mais uma pós-adolescente rebelde gritando no palco com o ex-namorado, de aceitar que seu corpo gerou três crianças e só os loucos e as loucas acham que uma mãe tem que ter corpo de modelo quando sai da maternidade.

Vi felicidade no rosto dela, em paz com seus 46 anos de idade e um monte de bagunça de criança para arrumar. É o que eu sempre digo: aceite e viva bem cada momento da sua vida e você terá um caminho relativamente seguro para uma existência feliz. Claro, aceite também o que seu companheiro ou companheira está vivendo. Aos 22 anos de idade, dá para esperar roupas coladas, cintura fina, energia para acampar e caminhar léguas atrás de uma cachoeira, ânimo para virar o final de semana bebendo em festas. Aos 46, os dias e as noites são diferentes. O corpo é diferente. Principalmente, os motivos para sorrir são diferentes. Se você tentar encontrar, aos 46 anos de idade, os mesmos motivos para sorrir que tinha aos 22 anos, talvez a única coisa que encontre seja uma lágrima.

Sim, é difícil aceitar que o tempo passa, leva os traços da juventude e deixa marcas profundas no corpo. Só que brigar com isso é inútil e, cá entre nós, uma grande burrice, pois a gente já sabe que não adianta nada. Claro, cuidar da alimentação, tentar manter uma rotina de exercícios físicos e buscar uma vida mais saudável, tudo isso é extremamente recomendável e até essencial. Mas, importante mesmo é não sofrer por não viver mais uma fase específica da sua vida. Importante mesmo é tentar tirar o máximo de felicidade do que você está vivendo agora, com tudo de bom e ruim que há no presente.

Não sei se Alanis realmente tem esse mesmo pensamento ou se o clipe é apenas uma encenação. Prefiro acreditar que ela pensa do mesmo jeito que eu. E, assim acreditando, digo mais uma vez que fiquei feliz por ela abraçar a fase que está vivendo, uma fase muito diferente daquela que tinha aos 22 anos de idade.


*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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