Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
22/08/2020 às 14h58min - Atualizada em 22/08/2020 às 14h58min

Quem sabe faz, quem não sabe...

ALEXANDRE HENRY
Essas palavras do título compõem várias frases populares. Acredito que você já ouviu ao menos uma. “Quem sabe faz, quem não sabe ensina. Quem sabe faz, quem não sabe vira crítico. Quem sabe faz, quem não sabe vira chefe”. E assim vai. Em regra, são frases ditas por quem tem capacidade prática, dirigidas a quem não trabalha na execução da atividade em si. Como resta evidente, não se trata de um elogio, mas de uma crítica feroz que busca menosprezar trabalhos como o do professor, do crítico de arte e dos chefes em geral. “Quem é você para me ensinar, para me criticar ou me chefiar? Você nunca soube fazer direito o que eu sei fazer! Tente fazer o que eu faço e você verá o tanto que você é medíocre” – pensa quem diz tais frases.

Mas, será que é assim mesmo? Nagelsmann, Tuchel, Flick e Klopp não sabiam e, hoje, ensinam. Quem são eles? Ex-atletas que tiveram carreiras medíocres como jogadores, mas que se tornaram excelentes treinadores de futebol.

O fato é que há quatro tipos de “teóricos”. Vamos usar essa expressão – teóricos – para nos referirmos a todos aqueles que ensinam, avaliam ou chefiam o trabalho de quem realmente põe a mão na massa. O primeiro deles é aquele que realmente nunca teve capacidade de executar as tarefas práticas e, também não tendo conhecimentos suficientes, passou à condição de “teórico”. Essa realmente é a pior situação e costuma gerar as tais frases citadas no primeiro parágrafo. É o professor que é corrigido pelo aluno, o crítico que só fala besteira e o chefe que só ajuda quando fica calado.

Há também o oposto: a pessoa foi um excelente “executor”, um excelente “operacional”, depois (ou até mesmo durante) se tornou um “teórico” de sucesso. Tive alguns professores magníficos na faculdade de Direito que também eram atuavam com sucesso na advocacia ou na magistratura. Há profissionais que não apenas chefiam de maneira exemplar, mas também se sentam ao lado de seus subordinados e executam as mesmas tarefas de forma magistral. Voltando ao futebol, temos nomes como Zinédine Zidane, francês que foi estrela de Copa do Mundo e depois ganhou inúmeros títulos como treinador.

Além desses dois tipos de pessoas, há outros dois relativamente comuns. O primeiro deles é a pessoa que foi um excelente “executor”, mas que não conseguiu ser um grande “teórico”. Você se lembra do Maradona? Jogador dos melhores que já se viu, mas um grande fracasso como técnico. Tem atleta que se aposenta do esporte e tenta ser comentarista, uma função que lembra a de um crítico de arte, só que acaba sendo um horror nessa nova posição. Aliás, é extremamente comum você ter um grande empregado na empresa, aquela pessoa que domina o que faz, que produz muito mais do que seus colegas, e que por isso um dia é promovido e vira um péssimo chefe (ou “líder”, eufemismo criado pelo mercado para quem chefia).

O último tipo é aquele dos quatro técnicos que citei. Pessoas que não executavam bem o que hoje ensinam, criticam ou coordenam, mas que, na nova função, mostram-se excelentes profissionais. Há muita gente assim, muita mesmo, contrariando as preconceituosas frases que citei no começo. Ator péssimo que vira grande crítico de arte. Funcionário que não consegue apertar direito um parafuso, mas que chefia uma fábrica de forma magistral. Jogador perna de pau que comanda times e seleções de futebol em grandes conquistas.

Como isso é possível? Acho que você sabe a resposta: as habilidades exigidas para cada ofício são diferentes. Um jogador de futebol precisa ter muita inteligência corporal, ou seja, uma grande capacidade de controlar os movimentos do próprio corpo. E o técnico? Precisa da chamada inteligência interpessoal para saber se comunicar bem com seus atletas. Precisa ter uma boa visão de conjunto, precisa saber reconhecer talentos e identificar deficiências. Em resumo, precisa de conhecimentos distintos daqueles exigidos dos jogadores. Em geral, isso acontece também com críticos de arte, gerentes de empresas e por aí vai. Um excelente professor de arquitetura pode nunca ter projetado um excelente imóvel, mas certamente sabe transmitir aos seus alunos tudo aquilo que eles precisarão saber para elaborar um grande projeto.

Por tudo isso, não gosto dessas frases do tipo “quem sabe faz, quem não sabe...”. Há quem se encaixe bem nelas? Sim, claro que há. Mas, as exceções são tantas que não compensa ficar falando coisas do gênero, pois a chance de você se passar por preconceituoso e de cometer uma injustiça é gigantesca.




Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90