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15/08/2020 às 08h49min - Atualizada em 15/08/2020 às 08h49min

Os benefícios da pandemia

ALEXANDRE HENRY
Sim, há coisas boas decorrentes da pandemia. É claro que a conta geral vai ser negativa, especialmente pela quantidade de vidas perdidas, algo que não pode ser ignorado e que nenhum eventual benefício dessa situação toda vai suplantar. Além disso, as empresas que fecharam, os empregos perdidos, as crises financeiras, a saudade de pessoas amadas, as restrições na vida de cada um, tudo isso são marcas negativas que nunca serão apagadas. Ainda assim, insisto que há coisas boas decorrentes da pandemia.

Fiquei pensando nisso depois de ouvir uma entrevista com a psicóloga social canadense Elizabeth Dunn, da Universidade da Colúmbia Britânica. Na primeira parte da entrevista, ela conta como nossa mente é interessante em relação aos eventos e às lembranças. Geralmente, a tendência é não gostarmos de uma experiência enquanto ela está ocorrendo, mas guardar boas lembranças depois que tudo passa. Ela cita, por exemplo, uma pesquisa sobre estudantes que fizeram uma viagem de bicicleta de três semanas pela Califórnia. Enquanto estavam pedalando, 61% deles afirmaram que a aventura estava sendo pior do que imaginaram. Mas, depois que tudo acabou, apenas 11% disseram que ela foi desapontadora.

Quem nunca sofreu com alguma situação, mas depois daquilo tudo ter acabado, especialmente com o passar do tempo, começou a olhar para trás e ver aquele “sofrimento” de um jeito diferente? O fato é que as experiências difíceis, quando superadas, acabam rendendo boas histórias e parecem preencher nossas vidas, dando a elas um pouco mais de sentido. A sensação é a de que valeu ter passado por tudo aquilo e ter conseguido sobreviver, conseguido superar aqueles dias, meses ou anos que nos fizeram mais fortes. Todo mundo, mas todo mundo mesmo tem algumas experiências assim. Eu, por exemplo, olho para trás e vejo meus quatro anos em São Paulo, época de privação financeira, de saudade gigantesca dos amigos mineiros, de solidão nos almoços de domingo, como um tempo em que eu aprendi muito e que me fez ser uma pessoa melhor e mais completa.

Eu tenho certeza de que a maioria das pessoas sentirá algo parecido depois que essa pandemia passar. As tristezas e situações doloridas nunca serão apagadas, mas é possível que a maioria de nós sinta algo de bom quanto ao que estamos vivendo. Quando as máscaras se forem e os abraços apertados voltarem, muitos olharão para trás e se lembrarão de histórias engraçadas da pandemia, sentirão falta do contato bem mais intenso com filhos, esposa, com a própria casa, além de muitos outros pequenos detalhes que, agora, não parecem ter tanta relevância, mas que certamente mostrarão seu valor no futuro.

Mas, não é apenas isso. Elizabeth Dunn falou em sua entrevista sobre a chamada “hedonic treadmill”, conhecida em português como adaptação hedônica. Basicamente, ela se refere à tendência humana de sempre voltar a um nível padrão de felicidade, mesmo com certos acontecimentos importantes. É assim que acontece na sociedade de consumo todos os dias: você compra uma coisa, aquilo te dá uma felicidade momentânea, mas logo você volta a se sentir como antes. O termo “treadmill” (esteira ergométrica) é excelente para descrever esse cenário em que você corre, corre, mas não sai do lugar. Você corre para alcançar a felicidade comprando alguma coisa, mas logo volta ao mesmo patamar. Corre para alcançar a felicidade almoçando com os amigos ou viajando para a praia, mas rapidamente se vê no mesmo padrão anterior de satisfação.

Aí entra a pandemia. Com ela, deixamos de ter acesso a muita coisa que, antes, parecia algo banal, mas agora parece ter um valor imenso. Elizabeth Dunn explica isso em sua fala, mencionando que períodos de abstinência podem reacender o prazer de certas coisas ou experiências. Essa, pois, deve ser outra marca positiva da pandemia. Na medida em que nossas vidas foram sacudidas, voltamos a dar valor para o que passava despercebido no cotidiano antes de começarmos a ouvir sobre esse tal de coronavírus. Ir à academia, encontrar os amigos na escola, dar um abraço no colega de trabalho, almoçar com os pais, tomar uma cerveja na casa do irmão, tudo isso e mais um milhão de pequenas coisas agora passaram a ter um valor diferente e muito mais positivo.

Eu sei que o tempo voltará a fazer dessas pequenas coisas um quase nada. Mas, ao menos por agora e por alguns meses após a pandemia passar, ainda encontraremos muito valor nas pequenas coisas da vida cotidiana. Isso, definitivamente, é algo positivo.




Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
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