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18/07/2020 às 14h28min - Atualizada em 18/07/2020 às 14h28min

A polícia e os estereótipos

ALEXANDRE HENRY
Duas cenas recentes envolvendo policiais causaram indignação na população. Uma delas ocorreu na região de Palhereiros, zona sul da capital paulista. Um polical foi filmado pisando no pescoço e arrastando pelo asfalto uma mulher negra de 51 anos de idade, depois de ter quebrado a perna dela. Segundo a mulher, o problema ocorreu porque ela reclamou que a polícia estava batendo muito em um cliente do bar do qual é dona. É certo que deverá haver uma investigação precisa para saber o que realmente aconteceu, inclusive com o devido contraditório e ampla defesa dos policiais. Ainda assim, é evidente que houve, no mínimo, um excesso na atuação dos agentes nesse caso, vez que dominar e algemar uma pessoa nas condições físicas daquela que aparece no vídeo é algo relativamente simples para um PM bem treinado.

A outra cena também ocorreu em São Paulo, em um município da região metropolitana. Após serem chamados para atender uma ocorrência de violência doméstica no Alphaville, condomínio de alto luxo, dois policiais passaram a ser xingados e massacrados verbalmente pelo empresário Ivan Storel, de 46 anos. A atitude do empresário revoltou praticamente todo mundo que assistiu ao vídeo, mas também chamou a atenção pelo comportamento dos policiais: ambos ouviram as agressões sem qualquer reação física, sem partir para cima do sujeito, sem algemá-lo e, claro, sem pisar em seu pescoço nem sair arrastando ninguém pelo asfalto.

Uma das frases proferidas por Ivan Storel me chamou bastante a atenção quando colocada em conjunto com a ação dos policiais em Parelheiros, no caso da mulher que teve o pescoço pisado: “Você não me conhece. Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano” – disse o empresário. Essas palavras sintetizam o que acontece no Brasil todos os dias, infelizmente. Na periferia, especialmente contra negros (mas não apenas), a ação da polícia é uma. Em bairros e condomínios de luxo, costuma ser outra.

Particularmente, achei que os policiais que agiram em Alphaville foram muito inteligentes, muito mesmo. Por quê? Simples: vivemos em um dos países mais desiguais do mundo, no qual o dinheiro realmente faz a diferença e as pessoas valem o quanto possuem na conta bancária. A atitude do empresário pode ter chocado muito dono de iPhone de última geração que recebeu o vídeo no WhatsApp, mas é fato que a frase por ele dita reflete o que a maioria dos endinheirados realmente pensa: polícia serve para proteger o cidadão de bem, que se confunde com o cidadão com recursos, dos vagabundos que incomodam o sossego de quem paga os salários dos policiais, vagabundos esses que se confundem com os cidadãos sem recursos. Polícia serve para descer a mão na cara da preta pobre que ousa se dirigir ao policial que espanca alguém na periferia, mas não serve para encher o saco do endinheirado que liga som alto de madrugada ou que dá um sopapo na esposa.

Eu não penso assim, mas é certo que muita gente bem de vida pensa, ainda que não tenha coragem de dizer. Para mim, pau que bate em Xico bate em Francisco. Para quase toda a sociedade brasileira, se Xico vive na favela e Francisco vive em Alphaville, o pau só bate em Xico e ai daquele que ousar levantá-lo contra Francisco.

Por isso, não condeno os policiais que não reagiram de imediato às agressões verbais do empresário. Eles foram inteligentes: sabendo que moram no Brasil, simplesmente filmaram a cena patética e aguardaram chegar o reforço policial. Pronto. O cidadão foi preso (ainda que não tenha ficado na cadeia) e a pena que recebeu (virar motivo de crítica no país todo) foi muito pior do que uma pisada no pescoço, a qual certamente inverteria a situação, tornando-o vítima e colocando os policiais para fora da corporação na mesma semana. Aliás, talvez os policiais de Alphaville até tenham tomado o caminho certo, já que o sujeito não os ameaçava fisicamente e não estava tentando fugir. Qual a razão de usar força excessiva nessas condições?

Quanto aos policiais de Parelheiros, eu não os achei inteligentes. Por quê? Bem, o evidente excesso de força vai muito além de demonstrar que realmente há um tratamento diferente da polícia em relação à população, a depender do bairro e da condição social da pessoa abordada. Aquele comportamento, além de eventualmente poder ser um crime, é ruim para a própria PM e para a carreira. Por quê? Ele apenas dá razão à fala do empresário e abre espaço para que cenas de desacato como as de Alphaville continuem se repetindo pelo país.




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