Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
09/05/2020 às 12h32min - Atualizada em 09/05/2020 às 12h32min

Para quem me ensinou

IARA BERNARDES
Hoje eu queria escrever um texto lindo, talvez um poema para homenagear todas as mães, mas não é isso que está latente em mim. Não sou de aproveitar datas, talvez pela minha criação, talvez por qualquer outro motivo que não saiba explicar. O que entoa a canção do meu coração hoje é falar sobre como me descobri Mãe.

Aos 9 anos de idade falava com convicção que seria mãe de 3 – confesso que não me lembrava disso até uma amiga da família comentar -, aos 16 jurava que não queria filhos, aos 20 tinha certeza que essa não era a minha vocação, aos 23 a ideia não passava nem perto da minha mente, apesar de já estar casada. Aos 25 descobri a primeira gestação, aos 26 perdi meu primeiro filho num aborto espontâneo extremamente traumático e aos 27 descobri que estava grávida novamente da minha segunda filha.

Mesmo antes de pegar o resultado do exame de sangue, já sabia que estava grávida. Apesar de o teste de farmácia ter dado negativo, tinha certeza, pois meus seios estavam diferentes, meu rosto mudou e eu sentia um enjoo terrível, que por sinal me acompanhou até o último segundo do parto. Todos ficaram radiantes ao redor, meus irmãos celebraram, já que minha cunhada estava grávida, meus pais teriam mais um neto, chegaria uma priminha para a sobrinha do meu esposo, parecia que algo iluminado me rondava.

Entretanto, ao contrário do que muitos pregam, não me senti mãe de primeira, não bati o olho no exame e fiquei radiante, nem com milhões de planos, o que senti foi medo: de morrer no parto, de não conseguir me firmar no meu trabalho, de não ser a empresária de sucesso que tinha planejado, de não viajar a todos os lugares maravilhosos que sonhava, e de mais um monte de coisas. Sentia um medo tão egoísta que era incapaz de pensar a transformação maravilhosa que estava acontecendo dentro de mim, não conseguia perceber que era uma fábrica de outro ser humano. Talvez pela falha na primeira produção não tenha conseguido me doar a esse momento, sei lá, só sei que comigo foi difícil, muito difícil.

Durante esse momento que tanta gente vê como imaculado e mágico, me sentia terrível, com enjoos permanentes, cansaço, dor de cabeça, nas costas, na pelve, comecei a ter cólicas de vesícula aos 5 meses de gestação e só conseguia pensar que aquilo não era pra mim.

Além disso, eu me sentia um pé de santa, todo mundo queria tocar minha barriga – ai que nervo disso -, o tempo todo alguém falava que não entedia o porquê de eu não estar plena já que gravidez não é doença. Para mim era como se estivesse doente, dá licença? E os palpites? Ahhhh os palpites... Toda hora uma opinião: “vai ser parto normal, né?!; “Nossa, ainda não escolheu o nome?”; “Tem que fazer chá de fralda”; “Acho que vai ser a cara do pai.”. E mais uma vez uma mão desconhecida chegando perto da minha barriga.

Passa mal: vai para o hospital; passa mal de novo: é frescura; passa mal mais uma vez: é preguiçosa, não quer trabalhar. Sente sono, vai dormir e tem azia; fica acordada com enjoo e dor de cabeça. Nossa! Cadê a parte mágica com pétalas de flores silvestres caindo pelo caminho com querubins tocando harpa e fazendo-nos flutuar nas nuvens? Não sei, para mim não foi assim.

No entanto, apesar de tantos momentos estressantes de náuseas, vômitos, dores, cansaço e insegurança, muitas pessoas boas se revelaram. Uma chefe super bacana que me ajudou absurdamente, colegas de trabalho que se dispuseram a me carregar pelos corredores enquanto estava em crises de assustar, médicos que me acolheram, pais que se compadeceram a cada ataque de choro e um marido que estava com tanto medo quanto eu que segurou sua barra pra que eu pudesse segurar a minha.

Ao nascer, a menina ainda não tinha todo amor disponível, pois não sabia amar daquele jeito. Sabia a necessidade de amamentar, de cuidar, de acarinhar e de amar, mas essa parte eu ainda não conseguia. Olhava aquela pequena criatura que saíra de mim e sentia medo de não conseguir amar o tanto que ela precisasse e assim eu chorava e de tanto chorar eu entendi que o amor já tinha nascido ali, pois aquele medo nada mais era que de saber que não conseguiria mais viver sem ela. Minha pequena me ensinou que o amor brota de quem aparentemente não pode nos dar nada em troca, vem quando precisamos desistir da gente para viver pelo outro, que ser sem servir não é amor.

A partir daquele momento eu fui mãe, depois de 15 dias chorando por não me achar capaz. Duas semanas foram necessárias para eu renascer, pois eu morri no dia que minha filha nasceu para que assim surgisse um pouco de quem sou hoje. Digo que os filhos que vieram depois pegaram uma versão atualizada de mim, mais fácil, mais aberta ao amor e isso eles devem a ela, àquela que me fez ser Mãe! Obrigada minha pequena. Amo você e seus irmãos mais que o infinito.


Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90