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17/04/2020 às 15h12min - Atualizada em 17/04/2020 às 15h12min

Panelaço

WILLIAM H. STUTZ
Tinha prometido a mim mesmo não falar da pandemia que nos ronda, lançando suas sombras cada vez mais densas sobre a humanidade. Não quero ser mais um a contribuir com a agonia e o medo que assolam o planeta.
Já temos overdose de informação em todos os veículos de comunicação e redes sociais e isso é muito bom. Tanta coisa séria e tanta bobagem, que temos de pensar direitinho antes de embarcarmos em qualquer assunto que rola.
Então tá. Não vou falar de pandemia, isolamento social, desencontros de informações, nem de estatísticas, pois estas quando usadas por governos, sabemos, foram feitas para mentir e enganar.
Vamos pensar um pouco fora do foco. Mesmo com tantas restrições de movimento e de espaço que estamos sendo forçados para o bem da saúde coletiva, temos muito a fazer. Um tanto de coisas quebradas para consertar, mil livros para ler, bons filmes para assistir, além de agradecer um milhão de vezes cada uma das tantas refeições que ainda temos o privilégio de ter à mesa. Muitos padecem fome, desafortunados, desamparados por tudo e todos. Estes sim merecem nossa solidariedade e sempre existe alguma forma de ajudá-los a amenizar seu sofrimento. Que, aliás, é muito maior do que cada um de nós, de forma egoísta, pensa estar passando. O “meu” sofrimento sempre será maior do que o “seu”, como se estivéssemos em um campeonato de desgraça. Esta pandemia vai trazer ao final muita mudança, para o bem e para o mal. Aguardemos.
Uma coisa é certa, a “alegria” do brasileiro no tratar as pessoas não será mais a mesma. Imagino que os beijinhos de como vai, o forte abraço, o beijo rosto dos amigos e amigas, o falar ao pé-de-orelha ou o delicioso hábito de dizer: - Prova esse sorvete para ver que delícia (VER que delícia é bem mais saboroso do que simplesmente sentir o gosto). Esses e tantos outros gestos e atitudes efusivas no modo de nos relacionarmos foram feridos de morte ou, aos poucos, irão agonizar. Corremos sério risco de nos europerizar nas relações, para inveja mortal de los hermanos argentinos, que sempre se sentiram terra navegante do velho mundo. Passaremos a nos cumprimentar com acenos de cabeça e ligeiro inclinar do tronco, da mesma forma que os orientais. Nosso carnaval será como aquela tristeza de Veneza. Não, chega! Este cenário sombrio jamais vai ser construído em nosso Brasil brasileiro. Jamais! Quando tudo passar faremos um carnaval temporão, em que beijos ardentes, longos e apertados abraços, sorrisos e gargalhadas felizes serão a senha para um novo tempo. Poderemos comemorar sem moderação ou falso pudor o fim de uma guerra. Agora, se essa pandemia não nos mudar para melhor, aí meu amigo, minha amiga, só restará nos trancarmos em casa para sempre, vivendo de entrega de comida, dos abomináveis BBBs da vida, com os olhos vermelhos lacrimejantes de tanta televisão e tristeza.
Pronto, quebrei a promessa! Acho que tem muita conversa disso no ar e entrou por meus poros, se auto escrevendo. Sei lá!
Mas, já que, lhes conto. Aqui, a cumprir meu isolamento domiciliar há algum tempo, só vou ao supermercado e à farmácia. Como me disse um amigo: - Essa semana saí para comprar cerveja três vezes, para os próximos quinze dias!
A falta de exercícios físicos estava me endoidando. Acostumado a caminhar/correr/trotar todos os dias, há vários anos, vocês podem imaginar a pilha de nervos que vinha me tornando. Amigo médico me autorizou a correr na rua sozinho. Aqui no bairro já é normal não se ver viva alma nas ruas. Com o corona então, ficou deserto. A chance de encontrar alguém dentro de casa é mil vezes maior do que nas ruas do entorno. Retomei meu prazeroso exercitar solitário como sempre foi.
Hoje cedinho, já tendo percorrido algo perto dos cinco quilômetros, passou por mim um carro da Polícia Militar. Não os comuns, mas um grande, parecendo um imenso rabecão. Bata na madeira três vezes. Só parecendo, só parecendo.
Ao passar por mim deu sinal leve com a sirene. Cumprimentei os policiais com aceno de mão. Talvez fosse algum conhecido, pois tenho muitos amigos na PM e já fizemos várias ações conjuntas, além de treinamentos à tropa por mim ministrados. Segui debaixo de sol quente e acelerado. Coisa de meia hora depois passaram novamente por mim e outra vez ouvi a sirene em toque breve. Aí tem, pensei. Diminuí o ritmo, pois já havia percorrido doze quilômetros, após muito suor e produzir endorfina de balde. Na hora me lembrei da mensagem de minha filha que mora em Goiás, falando sobre o “cata-véio” instituído na capital. Pegou velho na rua, põe no carro, leva para casa e de quebra uma bronca.
Será que isso está valendo aqui? Se estiver, não sei, pois televisão só filme e para dormir rapidinho, na cabeceira da cama. Pelo sim, pelo não, mesmo sabendo que minhas pernadas solitárias um dia viram histórias escritas, pensei naqueles policiais. Será que algum deles era médium? Nem tão só assim, pois mil pessoas, bichos e cenários sempre caminham comigo em minha cabeça, em algazarras espantosas, uma multidão. Mas lhes digo que, em minhas solitárias pernadas mantenho um total isolamento social e ainda cuido de não enlouquecer. Vou procurar saber. Até lá tenho de gastar o peso do tempo que me sobrecarrega.
Ah, quanto ao panelaço do título, esqueçam. Era só parte da promessa quebrada.


Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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