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21/03/2020 às 08h30min - Atualizada em 21/03/2020 às 08h30min

Mães que morrem

IARA BERNARDES

Nesse momento de incertezas, medo e comoção generalizada me vem uma pergunta à mente: Qual a dor de perder um ente querido?

Já perdi meu avô, mas não éramos muito próximos, então não sei mensurar qual o tamanho da dor de perder quem se ama, mas ultimamente ando pensando muito sobre como seria e confesso que sinto uma angústia enorme e vontade de mudar rapidinho o pensamento.

SEMPRE, desde muito nova tive medo da morte, não da minha, mas a dos meus pais. Minha mãe fazia pós-graduação fora de Uberlândia e a cada 15 dias era um tormento, sofria, chorava, tinha crises de gastrite e deixava a vida do meu pai bem mais difícil nesse período. O mesmo acontecia quando minha mãe levava meu irmão para tratamento odontológico em São Paulo. Hoje entendo que me sentia abandonada e muitas vezes traída. Apesar de agora ter plena consciência que minha genitora fazia isso pelo bem dos filhos, o sentimento ainda me incomoda, mas a compreensão nos liberta das amarras do passado. Antigamente sentia como se minha mãe pudesse morrer a qualquer momento e eu não poderia evitar, afinal ela estava longe - como se caso estivesse perto algo mudaria. Atualmente esse medo foi potencializado pelo medo de perder meus filhos e de morrer e abandonar todo mundo (toda mãe deve pensar assim).

Meus pais estão bem vivos e fortes. Porém, fazem parte do grupo de risco da Covid-19 e todo aquele sentimento antigo volta a brotar em mim, já que não sei, nem quero saber, por enquanto, qual a dor de perder aquela referência mais importante de criação. Não consigo perceber nada de saudável nessa angústia toda, pois a morte é algo confirmado na nossa vida, vivemos exatamente tendo essa única certeza.

Logo, esse mix de sentimentos e questionamentos me propõe um questionamento que jogo no colo de vocês: como educar nossas crianças para encarar a morte? Como tratar esse assunto nesse momento tão delicado? Seria conversando diariamente? Esperar o questionamento deles? Esperar a morte acontecer para explicar o que é? Não acredito que haja uma fórmula mágica, mesmo porque envolve muitas questões: afetivas, religiosas e sociais; então entendo que a fórmula será única para cada família. No entanto, acredito que explicar, dentro da compreensão de cada criança, de acordo com a faixa etária é a melhor opção. Aproveitar o momento atual, em que tantos casos obituários acontecem repentinamente, pode ser uma alternativa para explicar o que está acontecendo no mundo e abordar de maneira leve o assunto pode ser menos traumático que esperar acontecer, pois com Corona ou sem, é exatamente isso que vai acontecer. Outra maneira interessante de falar sobre isso é utilizar animações tais como “Viva a vida é uma festa” e “Festa no Céu” que tratam de maneira leve, engraçada e épica a morte.

Entretanto, mais interessante ainda, e sensato, é lembrar que não podemos falar da morte sem abordar o valor da vida, o valor dos momentos de qualidade com quem amamos, pois a vida é uma aventura que deve ser vivida todos os dias, para que a morte não seja apenas o fim, mas o encerramento de uma história de amor com quem vivemos cotidianamente. É importante ressaltar que estar com aqueles que fazem parte de nós e fazer desses momentos verdadeiras lembranças é o diferencial entre viver e estar vivo. É saber que entre uma programação e outra, haverá afago, colo, cafuné, olhos nos olhos, conversas e risadinhas e não borrões instalados no nosso subconsciente misturados a redes sociais, programas no youtube, propagandas televisivas enquanto estávamos com os que um dia fatidicamente já não estarão mais entre nós ou entre os nossos filhos, pois também iremos morrer e espero que a lembrança que eles tenham dos pais seja a de acontecimentos afetuosos.

Enfim, o que precisamos refletir é sobre como queremos nos lembrar das pessoas e como elas se lembrarão de nós. Qual o papel estamos desempenhando na vida daqueles que amamos e se estamos criando momentos de qualidade e afetividade ou apenas passando pela vida de quem amamos. Espero, que durante a quarentena e fora dela, consigamos refletir sobre isso, mas, principalmente, coloquemos nossa força e empenho em criar memórias boas em nós e nos nossos pequenos.
 
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*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
















 

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