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19/02/2020 às 08h30min - Atualizada em 19/02/2020 às 08h30min

Pega na mentira

FERNANDO CUNHA

Um religioso que tinha o hábito de fazer fofocas resolveu se confessar. Antes de perdoá-lo, o sacerdote lhe impôs uma penitência diferente. Então, ordenou que fosse ao último andar do prédio mais alto da cidade e rasgasse um travesseiro recheado com penas de gansos. Ele seguiu o seu conselho, comprou o travesseiro e conseguiu chegar ao terraço de um edifício de doze andares. Ao rasgá-lo, as plumas se espalharam por todos os lados, indo além dos limites da área urbana. Havia penas flutuando até em algumas fazendas vizinhas. Retornando ao confessionário, o padre então lhe disse que, para receber o perdão, ele teria de andar pela cidade e recolher todas as penas espalhadas. “Impossível”, disse o fiel. O padre então lhe falou: “quando você inventa uma mentira sobre alguém, acontece como as penas do seu travesseiro. Ela se espalha e fica praticamente impossível retratá-la depois”. Após pagar o sermão, ele o absolveu do seu pecado.

Dias atrás, um amigo me enviou um vídeo pelo WhatsApp com a imagem de uma pessoa expressando a sua opinião sobre um determinado fato. Na legenda, ele alegava se tratar de um político envolvido recentemente em casos de corrupção. Quando visualizei o arquivo constatei que a pessoa que falava no vídeo se parecia com o tal político, mas não era ele de fato. Ao alertá-lo sobre a possível ilegalidade da prática de propagar notícias falsas, fui repreendido. “Não interessa, o importante é todo mundo saber que o ‘fulano’ é um ladrão, mesmo que não seja ele aí nesse vídeo”, disse. Depois disso, passei a bloquear meus contatos propagadores de Fake News. Como jornalista, não posso concordar com isso. Até mesmo por que corro o risco de não checar algum conteúdo direito e cair na mesma armadilha que muitos caem praticamente todos os dias.

Hoje está em evidência o conceito de pós-verdade, o qual se refere a uma situação em que, na apuração, elaboração e propagação de uma notícia, o apelo emocional se torna mais importante que a objetividade dos fatos. Ou seja, na pós-verdade, as crenças e ideologias valem mais do que a verdade propriamente dita. E no calor da emoção neste universo post-truth, muitos compartilham notícias falsas, as chamadas Fake News, mesmo que inconscientemente. Com o alcance cada vez mais infinito da internet e redes sociais, a pós-verdade foi escolhida em 2016 como a palavra do ano pelo conceituado Oxford Dictionaries. E aqui no Brasil, em tempos de polarização política, principalmente em períodos eleitorais, a disseminação de informações falsas e ofensivas com o objetivo de depreciar a imagem e reputação de algumas personalidades políticas tem crescido significativamente nos últimos anos.
A coisa está tão séria que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu novas regras também referentes à propagação de opiniões e notícias pela internet para as eleições municipais de 2020. Uma delas torna crime a contratação direta ou indireta de grupos de pessoas para enviar mensagens ou fazer comentários na internet para ofender a honra ou macular a imagem de candidato, partido ou coligação. O Congresso Nacional derrubou em agosto de 2019 um veto presidencial a um dispositivo da Lei Eleitoral que prevê pena de dois a oito anos de reclusão para quem, comprovadamente ciente da inocência de um candidato, divulgar notícia falsa sobre o mesmo durante as eleições. E a lei pode ser aplicada não só para quem cria, mas também para quem compartilha. Há tempos, declarações e acusações falsas também feitas verbalmente podem ser configuradas como injúria, calúnia e difamação.

Como especialista em comunicação eficaz, sinto-me no dever de alertar cidadãos comuns, empresários, políticos, assessores e pré-candidatos sobre essa questão. Por isso, antes de compartilhar qualquer notícia, mesmo fora do período eleitoral, verifique a sua veracidade. Para isso, dezenas de sites e aplicativos estão disponíveis na internet, inclusive com suporte profissional de centenas de jornalistas. O meu preferido é o projetocomprova.com.br, que reúne periodicamente jornalistas de 24 veículos de comunicação que monitoram redes sociais e aplicativos com o objetivo de localizar e checar informações duvidosas relativas a ações governamentais e ao pleito. E se você for fazer algum discurso por aí, saiba que alguém pode estar filmando só para tentar prejudicá-lo caso cometa algum deslize. E não espalhe suas “penas”, pois, mesmo que consiga recolher algumas delas depois, a sua penitência pode não ser tão branda.  

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.














 

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