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14/02/2020 às 08h00min - Atualizada em 14/02/2020 às 08h00min

2020, o desafio final?

WILLIAM H STUTZ

Acordo sentindo um peso de quase uma tonelada no peito. Estranho, deitei cedo ontem com um nó na garganta e desperto assim. Uma lembrança irritante vem me deixando angustiado dias seguidos. Outro dia topei com uma pessoa que muito conheço, que me chamou pelo nome e seguiu. Até hoje não consigo lembrar seu nome. Este incômodo foi o catalisador de uma série de pensamentos hostis.

Fico quieto. Nem estico o corpo. Qual motivo real para tamanha ansiedade depois de uma noite de sono profundo, sem sonhos? Nada, nenhum motivo aparente. Aparente, repito e reflito. Dou uma olhada para o passado recente e avalio, busco respostas, possibilidades, frustações, perdas. Encontro resquícios e muitas cicatrizes. Algumas conheço bem, pois são antigas, outras não sei mais explicar origem. Recuso-me a sair da cama. O quarto ainda escuro me proporciona um abrigo seguro nesse estranho momento. Penso, repenso. Respostas, grito em silêncio. Peço ajuda aos Orixás, a santos que desconheço e, claro, ao meu São Jorge/ Ogum. Não clamo a Ele, pois seria egoismo ocupá-lo com tão pouco em momento no qual o mundo anda tão desarranjado, afundado em egoísmos e mal fazer. Opa! Uma luz se faz brilhar, tênue. Brilho que talvez me ajude a encontrar fonte louca de minha melancolia. Começa um playback mental. Som precede as imagens que vão se formando. Motivo de tanto corroer pode aflorar. Talvez a psicologia tenha um nome, um rótulo, para o que estou sentindo guardado em algum pequeno frasco na prateleira dos tormentos humanos. Desconheço e batizo o que sinto de cafubira mesmo, pois deixa um coçar atazanado.

Penso primeiro nas loucuras locais. Um bando de vereadores é preso e eles passam Natal e ano novo literalmente na prisão. Até aí tudo certo. Errou, fez besteira, foi comprovadamente desonesto, abusou do cargo em benefício próprio, tem que pagar e caro.

Mas aí vem o torniquete da realidade, lentamente a apertar alma. Aos poucos fazem acordos, confessam falcatruas e um a um vai sendo solto. Alguns até voltam a exercer o cargo perdido. A justiça é cega, mas não é boba, Quem tiver culpa comprovada vai pagar, grita a voz da esperança dentro de mim. Para finalizar, custam a arrumar suplentes para aqueles que pediram para sair ou foram saídos. Todos fogem de exposição. Será algum medo?

Ainda local. Os servidores municipais ativos e aposentados são mais uma vez ignorados pelo executivo no que diz respeito a salários. Em um discursso vazio contam a todos do “aumento” oferecido. A ver navios novamente ficam os carregadores de piano municipais e, pasmem, alguns até aplaudem o recebido. Gado tangido por migalhas como recompensa em seus cargos comissionados. Espectros humanos.

Avanço para nosso espoliado Estado de Minas. Tragédias e mais tragédias. O horror de Brumadinho faz as gentes esquecerem Mariana. Nada como outra tragédia para apagar a anterior. A Vale continua mandando e desmandando. Corpos ainda não encontrados esperam enterro digno que não a lama fétida, espalhada pelas veias de nossa amada Minas.
Uma cerveja intoxica e mata, sem explicação lógica até hoje de como a bebida se contaminou. Teorias da conspiração pipocam nas redes.

As besteiras federais não param. Ministros e secretários brincam de troca de cadeira. Alguns viajam em avião da FAB como se fossem donos do país. A história da terra plana é fichinha perto do que está por vir da boca dessa gente. O presidente muda de opinião a cada minuto, “tá ok”?

Desconsidera a vida de quarenta e poucos brasileiros isolados na China em meio a uma emergência sanitária mundial. Seu ídolo do norte declara que onde estiver um cidadão norte-americano, este terá toda ajuda de seu país. O mandatário de plantão esquece o que falou, que era caro, que eram poucos, “só” uns quarenta, e felizmente, a pressão popular e o falar do outro do Norte o faz mudar de ideia. E nós, outra vez, gado.

Coronavirus, desonestidade, tapeação, mentiras e falcatruas. O torniquete chegou no último aperto? Que nada. Quando pensamos assim e olhamos no entorno estamos sós. Celulares deterioram as relações de afeto. No social as prosas pouco mudam e algumas vezes degeneram em falas inoportunas. Estorvo. Amigos de verdade, poucos. A vontade de levar vantagem pessoal em tudo se espalha em epidemia de caráter. Muitos “King of the hill” para poucas cadeiras.

Caramba, levantei brigando com o mundo hoje! Talvez um simples cansaço existencial, talvez choque de realidade para me tirar do mundo da fantasia criado por mim. Defesa, escudo, prancha de salvação. O ano nem começou, mas sinto que 2020 vai ser duro de encarar.

Meu amigo, minha amiga, se aviso fosse bom seria vendido e não dado, mas aqui vai um muito antigo: “No melhor pano cai a nódoa”. Se estiver triste, amargo, nunca escreva. E se escrever não publique. Fiz os dois. Dá um tempo, deixa passar. Pois vai passar, afinal o carnaval está aí. Vista sua fantasia de Pierrot, Palhaço ou Colombina e, se não der mesmo, finja alegria. Aos poucos tudo volta ao normal. Cantarole com a multidão: “A minha fantasia ningúem muda/ Este ano vou sair de Buda…”

E quer mesmo saber? Continuo não lembrando o nome do cara.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.











 

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