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09/02/2020 às 13h00min - Atualizada em 09/02/2020 às 13h00min

Por que algumas pessoas são mais capazes de combater a gripe do que outras?

ANGELA SENA PRIULI

Parte da resposta, de acordo com um novo estudo publicado na revista científica PLoS Pathogens, está relacionada à primeira cepa de vírus da gripe que nos infectou ainda na infância. Cientistas da Universidade da Califórnia (Los Angeles) e da Universidade do Arizona podem ajudar a resolver um problema que há décadas irrita cientistas e profissionais de saúde: por que a mesma cepa do vírus da gripe afeta pessoas com vários graus de gravidade.

Em 2016, um outro trabalho anterior mostrou que a exposição aos vírus influenza durante a infância oferece às pessoas proteção parcial pelo resto de suas vidas, como uma "vacina". Os biólogos chamam essa ideia de que a exposição ao vírus da gripe determina como será a resposta futura de uma pessoa a infecções como "impressão imunológica".

No novo estudo, os pesquisadores investigaram se a impressão imunológica poderia explicar a resposta das pessoas às cepas de gripe que já circulam na população humana e em que medida isso poderia explicar as discrepâncias observadas em quão severamente a gripe sazonal afeta pessoas em diferentes faixas etárias. Para rastrear como diferentes cepas do vírus da gripe afetam pessoas de diferentes idades, a equipe analisou os registros de saúde que o Departamento de Serviços de Saúde do Arizona obtém de hospitais e médicos particulares. Nos Estados Unidos, o H3N2 causou a maioria dos casos graves em idosos de alto risco e a maioria das mortes por gripe. Por outro lado, é mais provável que o H1N1 tenha afetado adultos jovens e de meia idade e causado menos mortes. Os dados do registro de saúde revelaram um padrão: as pessoas expostas pela primeira vez à cepa menos grave, o H1N1, durante a infância eram menos propensas a serem hospitalizadas se fossem infectadas pelo H1N1 novamente do que as pessoas que foram expostas ao H3N2 pela primeira vez. E as pessoas expostas pela primeira vez ao H3N2 receberam proteção extra contra o H3N2 anos depois.

Os pesquisadores também analisaram as relações evolutivas entre as cepas da gripe. Eles descobriram que o H1N1 e o H3N2 pertencem a dois ramos separados da "árvore genealógica" da influenza, disse James Lloyd-Smith, professor de ecologia e biologia evolutiva da UCLA e um dos principais autores do estudo. Enquanto a infecção por um deles resulta na melhor preparação do sistema imunológico para combater uma infecção futura do outro, a proteção contra futuras infecções é muito mais forte quando alguém é exposto a cepas do mesmo grupo em que lutou antes.

"Nosso sistema imunológico geralmente tem dificuldade para reconhecer e se defender contra cepas estreitamente relacionadas da gripe sazonal (H1N1), embora essas sejam essencialmente irmãs genéticas de cepas que circulavam há apenas alguns anos, por isso são criadas vacinas novas anualmente", disse o principal autor Katelyn Gostic. É esperado que, estudando as diferenças de imunidade contra a gripe aviária, por exemplo (onde nosso sistema imunológico mostra uma capacidade de implantar proteção natural e amplamente eficaz), e contra a gripe sazonal - onde nosso sistema imunológico parece ter pontos cegos maiores - seja possível descobrir pistas úteis para o desenvolvimento universal da vacina contra a grande família do vírus influenza.

Em todo o mundo, a gripe continua sendo uma grande vilã. As duas últimas temporadas de gripe foram mais severas do que o esperado, disse Michael Worobey, coautor do estudo e chefe do departamento de ecologia e biologia evolutiva da Universidade do Arizona. Na temporada 2017-18, 80.000 pessoas morreram nos EUA, mais do que na pandemia de gripe suína de 2009, disse ele. Para entendermos o que pode ter ocorrido, tem um dado do estudo que diz os idosos que tiveram seu primeiro surto de gripe quando crianças em 1955 - quando o H1N1 estava circulando, mas o vírus H3N2 não - foram muito mais propensos a serem hospitalizados com uma infecção por H3N2 do que uma infecção por H1N1 no ano passado, quando as duas cepas estavam circulando. Isso reforça o conceito de impressão imunológica e ainda demonstra algo muito importante: o segundo subtipo de vírus ao qual você foi exposto não é capaz de criar uma resposta imunológica tão protetora e durável quanto o primeiro subtipo, ou seja, até a sequência de vírus que contraímos importa para nossa defesa quando adultos.

Os pesquisadores esperam que suas descobertas ajudem a prever quais faixas etárias podem ser severamente afetadas durante futuras temporadas de gripe com base no subtipo em circulação atual. Isso quer dizer que, sabendo dos vírus que nossas crianças entram em contato hoje, em 2020, é possível prever como elas responderão ao vírus da gripe quando forem adultos e isso dá uma pista sobre como modular nosso organismo para estar blindado contra esses pequeninos por muito tempo ou pela vida toda.

Por enquanto, vamos nos vacinar anualmente contra o vírus mutante da gripe para não sermos vítimas desses vilões microscópicos, combinado?
 
Fonte:
Katelyn M. Gostic, Rebecca Bridge, Shane Brady, Cécile Viboud, Michael Worobey, James O. Lloyd-Smith. Childhood immune imprinting to influenza A shapes birth year-specific risk during seasonal H1N1 and H3N2 epidemics. PLOS Pathogens, 2019; 15 (12): e1008109.


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.





 









 
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