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28/01/2020 às 12h00min - Atualizada em 28/01/2020 às 12h00min

Incoerência e hipocrisia

Adir Claudio Campos, advogado
“As mesmas multidões que bateram panelas contra Lula e Dilma em 2015 e 2016 desapareceram das ruas quando todos viram, em alto e bom som, gravações de Aécio Neves, Eduardo Cunha e Michel Temer flagrados cometendo crimes”

É justamente entre os desafetos de Lula que se encontram argumentos interessantes – e insuspeitos, diga-se – de que ele não teve um julgamento de acordo com o devido processo legal. Reinaldo Azevedo talvez seja o mais saliente deles. Criador do termo “petralha”, o ex-jornalista da Veja bateu impiedosamente em Lula e Dilma ao longo dos 13 anos de governo da coalizão dirigida pelo PT. Mas isso não o impediu de denunciar a inexistência de provas e a parcialidade de seu julgamento.

Juristas internacionais do calibre do italiano Luigi Ferrajoli, do argentino Raul Zaffaroni, e muitos outros renomados do mundo jurídico, nos EUA e na Europa, como a jurista Susan Rose-Ackerman, professora de jurisprudência da Universidade de Yale, o ex-juiz espanhol Baltasar Garzón, a jurista e ex-ministra da Justiça da Alemanha Herta Daubler-Gmelin, além de parte expressiva da opinião pública internacional, tripudiaram a condenação depois de lerem a sentença e demais peças do processo.

Com efeito, são muitos os defeitos do processo, exaustivamente debatidos nas redes, sendo que o mais grave o fato revelado pelo jornalista Glenn Greenwald de que o ex-juiz Sérgio Moro agia na calada da noite em conversas sombrias e indevidas com a acusação para prejudicar a defesa, fornecendo testemunhas, orientando os procuradores da lava-jato e combinando meios supostamente mais eficientes para garantir a condenação do réu. Tudo isso fora do processo e à revelia da defesa, indiferente à regra de que o juiz deve ter absoluta isenção e desinteresse em favorecer ou prejudicar as partes. Esse mesmo juiz logo depois se tornou ministro da Justiça e homem de confiança do principal adversário do réu.

É importante ter claro uma sutileza jurídica. Não é a má conduta do juiz e a falta de provas que indicam a inocência do ex-presidente. Sua inocência é pré-existente ao processo, e é um pressuposto constitucional assegurado a qualquer acusado, e que só poderá ser afastada depois da culpa formada.

Quanto aos seus detratores, observo que muitos ignoram os fatos e os fundamentos jurídicos da acusação e da defesa. E fazem juízo de valor negativo a partir das leituras e áudios que chegaram até eles; outros, sentem “ódio” não por causa de alguma eventual corrupção, mas apenas porque não gostam dele, de seu partido e de suas afrontas aos senhores da Casa Grande. Uma densa cortina ideológica, infelizmente, oculta e dificulta descobrir os reais motivos desse ódio que as classes abastadas cultivam e terceirizam contra a esquerda e suas ideias socializantes com a ajuda de sua fiel escudeira, a classe média conservadora e de direita.

É evidente que as bandalheiras na Petrobras, o mensalão e outros fatos são, por si sós, motivos de escândalos. Mas é preciso ser ingênuo ou ignorar a história para não perceber que foram usados pelos derrotados em quatro eleições consecutivas como pretexto para golpear a democracia e abortar as políticas de combate à desigualdade social. Observe: as mesmas multidões que bateram panelas contra Lula e Dilma em 2015 e 2016 desapareceram das ruas quando todos viram, em alto e bom som, gravações de Aécio Neves, Eduardo Cunha e Michel Temer flagrados cometendo crimes muito mais escandalosos do que pedaladas fiscais. 

No ano passado, nenhuma indignação foi demonstrada contra as notícias de Bolsonaro e seus filhos com a milícia criminosa do Rio de Janeiro, ao contrário, ignoram e desmerecem até mesmo ex-aliados que ousaram se indispuser contra a impoluta família do presidente da República.

Ofendem o STF por decisões que apenas respeitaram o devido processo legal e a ordem constitucional, mas, quando o mesmo STF mandou suspender a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro por envolvimento com Queiroz e a milícia carioca, nem um pio sequer de indignação foi ouvido.

Muito convenientemente, agora se lembraram de que existe uma regra que garante o devido processo legal e a presunção de inocência. Falta prestar mais atenção na incoerência e hipocrisia de querer para os inimigos um tratamento diferente do que quer para seus parentes e amigos.





*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 



 
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