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01/12/2019 às 08h00min - Atualizada em 01/12/2019 às 08h00min

O serviço público e os holofotes

ALEXANDRE HENRY

Ainda era bem cedo no dia 23 de janeiro de 2019, quando assinei a decisão deferindo a liminar. A causa envolvia a Câmara dos Deputados, mas, fora isso, não tinha nada de extraordinário para quem é da área jurídica. Antes do meio-dia, porém, meu nome já estava no jornal local, pois o autor da causa estava fazendo uma divulgação intensa. No final da tarde, a notícia já se espalhara e, na noite seguinte, meu rosto estava no Jornal Nacional. Perdi a conta de quantos elogios recebi naqueles dias, inclusive de muita gente que eu nem conhecia. Elogio é sempre bom, não? Mas, naquela semana, tive uma sensação estranha, um incômodo que me desagradou.

Dez meses depois, eu acumulo duas certezas. A primeira, de que, se me pedirem entrevista novamente sobre alguma decisão minha, provavelmente eu, além de continuar recusando o pedido, não vou deixar que filmem o meu rosto e vou pedir que citem apenas o nome da Justiça Federal. A segunda, que a publicidade é algo que deve, em praticamente todos os casos, ser totalmente despersonalizada quando se trata da atuação de um servidor público.

Essa minha fala pode parecer contraditória para alguém que, há mais de duas décadas, tem o nome impresso no jornal toda semana, em uma coluna de opinião. As minhas inúmeras postagens em redes sociais, hoje já bem mais contidas e escassas, também poderiam me contradizer. Mas, ao contrário, elas apenas confirmam a minha crença. Por onde passei e, especialmente hoje, no cargo que ocupo, nunca gostei de aparecer por conta do meu trabalho como servidor público. Adoro ver meus textos e postagens sobre comportamento e outros assuntos variados circulando por aí, recebendo “likes” e comentários. Sim, é verdade. Mas, quem está ali é o escritor, é o cronista, o cidadão comum que tem o direito de exercer sua liberdade de expressão. Ao revés, nunca tive o menor prazer em ver meu nome estampado em um jornal por conta de uma sentença proferida, de uma liminar deferida, de uma prisão decretada.

A razão é que eu acredito na necessidade de se despersonalizar a atuação do servidor público. Aliás, esse é um princípio da Constituição Federal. Quem profere uma sentença, em última instância, é o Poder Judiciário, ainda que o juiz Alexandre Henry a tenha elaborado e assinado. É o poder público, bancado pelo dinheiro do contribuinte, que está ali atuando. O ocupante do cargo, por sua vez, não pode receber mais luz que a instituição à qual ele pertence. Quando o nome ou o rosto do servidor – seja ele juiz, promotor, procurador, delegado, auditor etc. – é o grande destaque, há algo errado. Para cada notícia destacando o servidor público e o que ele fez, abre-se uma porta para a vaidade, que abre, por sua vez, portas e mais portas para uma atuação voltada para o personalismo e para os holofotes. A fama vicia, especialmente pela sensação de poder que ela dá. E o vício, por sua vez, turva a lucidez, corrói a razão e afasta o bom senso. De repente, o servidor passa a agir direcionado não pelo interesse público, mas pela busca desenfreada da notoriedade. Nesse caminho perigoso, outra porta, dessa vez para os abusos, quase sempre também acaba sendo aberta.

Aí mora o perigo. Certa vez, dei o “cumpra-se” para uma operação policial que vinha de outro juízo, já com prisões preventivas decretadas pelo colega. Realizada a operação, que não teve qualquer divulgação nos meios de comunicação, graças a Deus, fui ler em detalhes as duas mil páginas do inquérito e notei que não havia um grama sequer de droga apreendido. Absolvi todo mundo sumariamente. O que o Ministério Público fez? Nada. Não recorreu porque concordou que realmente a acusação, ao menos naquele processo, não tinha base alguma. Se eu estivesse inebriado pelos holofotes, aquela seria uma operação que ganharia uma repercussão imensa e levaria meu nome para a capa dos jornais da região. Ainda bem que nada foi divulgado e que os investigados não foram execrados em praça pública antes de se constatar que, naquele caso específico, nada havia contra eles.

Por tudo isso, defendo sempre a discrição que um servidor público deve ter em sua atuação. Sim, há muito fato que deve virar notícia. Mas, que a cara estampada na notícia seja a da instituição, não do servidor público, e que a divulgação seja feita pela assessoria de imprensa do órgão. Com isso, evita-se a vaidade excessiva, o personalismo e o risco de, na busca pelo holofote, divulgar-se acusações que, amanhã, podem se revelar improcedentes.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.







 

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