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17/11/2019 às 08h00min - Atualizada em 17/11/2019 às 08h00min

O país do salve-se quem puder

ALEXANDRE HENRY

Sabe essas conversas que você acaba ouvindo por acaso, mas que te chamam a atenção? Aconteceu comigo outro dia. Eu estava me servindo em um restaurante de Ituiutaba, quando ouvi uma mulher aí na casa dos seus quarenta anos, bem vestida, reclamando com a dona do estabelecimento: “Você acredita que me multaram outro dia aqui na porta do restaurante só porque eu não coloquei o cartão de zona azul? Olha que absurdo! Eles sabem que quem para aqui na porta é só para almoçar. Fiquei muito, mas muito chateada. Parei só para almoçar e me multaram!” – desabafou a mulher.

Na mesma hora, lembrei-me de uma palestra proferida por Eli Pariser no TED (procure por “What obligation do social media platforms have to the greater good?”, caso queira conferir o interessante conteúdo da palestra), em que ele citou uma socióloga que pesquisa como as normas variam entre as diversas culturas. Sua fala, ao mencionar essa pesquisadora, citou dois países. Primeiro, o Japão, como modelo de sociedade que segue regras. Segundo, o Brasil, como modelo de cultura em que o seguimento de regras é extremamente frouxo.

Voltemos à mulher do restaurante. A cidade de Ituiutaba, como muitas outras no país, possui um sistema de cobrança pelo tempo de estacionamento nas ruas centrais. Sim, eu sei, é uma cobrança questionável, pois você já paga um monte de impostos e coisa e tal. Mas, em geral, as cidades que adotam esse sistema de zona azul o fazem após a aprovação de uma lei pelas suas respectivas câmaras de vereadores, que são compostas por legisladores eleitos pelo povo para estabelecer as regras que deverão ser obedecidas pela população, tudo com o intuito de se ter uma cidade funcionando bem e em prol do seu próprio povo. Ora, se há uma regra que diz que, se parar o carro no centro da cidade, é preciso pagar determinada quantia, o que se deve fazer? Pagar pelo que é cobrado, claro! “Ah, mas eu não concordo com essa cobrança!” – você argumenta. Eu também não concordo, já adianto. Só que, uma vez aprovada uma lei, primeiro se obedece ao que ela determina; depois, caso não se concorde com o conteúdo, busca-se uma maneira, dentro das próprias regras do sistema, de alterá-la. Diga-me uma coisa: com quantos vereadores você já falou para tentar extinguir a cobrança do sistema de zona azul? Para quantos você mandou ao menos um e-mail? E para quantos candidatos a vereador você disse, ao ser abordado na época de campanha, que somente votaria em candidatos que se comprometessem a votar pela revogação da lei que criou a cobrança?

Aí está o problema maior da maioria dos brasileiros. Quando uma regra não agrada, simplesmente se busca descumpri-la e ponto final. Não há qualquer tentativa de desconstituir a norma pelas vias adequadas. Qual é a consequência disso? Às vezes, acabamos em um verdadeiro faroeste, com cada cidadão interpretando o conjunto de regras sociais criadas pelos legisladores de acordo com suas próprias conveniências e interesses. Eu não quero som alto e há uma norma que diz que, durante o repouso noturno, deve-se respeitar o silêncio e não perturbar o vizinho. Muito bom! Essa regra vale! Mas, se sou eu a fazer a minha própria festa, o som fica no máximo até as quatro da madrugada e que se dane aquele que achar ruim, pois aí a regra já não vale mais. “É só hoje, só uma festa! É meu aniversário, ora bolas!” – argumenta o cidadão que não quer obedecer a norma.

Vivo repetindo que o problema do Brasil é, em grande parte, a cultura que temos arraigada de não seguir regras, especialmente quando elas se mostram inconvenientes ou incômodas para nós no plano individual, ainda que façam todo sentido quando você olha o bem geral da comunidade. Isso acontece em tudo quanto é lugar, em tudo quanto é situação. O problema é que, trilhando esse caminho, nós nunca vamos ser realmente um país desenvolvido. Enquanto o sujeito ficar nervoso com o policial que o multou pela falta de cinto de segurança, enquanto tentar agredir o vizinho que reclamou do som alto, enquanto achar que toda regra que interfira no seu conforto individual deve ser desprezada, continuaremos a ser um país distante daqueles ditos de primeiro mundo. Regras existem para aperfeiçoar a convivência em sociedade, para possibilitar que, juntos, alcancemos algo melhor do que temos hoje. As regras são tão boas que estabelecem até os caminhos para a extinção das regras que são ruins. Dentro delas, há solução. Fora, o que se tem é um salve-se quem puder.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.







 

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