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07/11/2019 às 08h24min - Atualizada em 07/11/2019 às 08h24min

Se

IVONE GOMES DE ASSIS

Se não nos corrompermos em situações extremas, por certo sairemos delas muito mais fortalecidos do que entramos. A literatura é uma excelente ferramenta de forja, pois remexe as memórias, busca as palavras e molda-as de modo a saírem filtradas, prontas para o consumo. Então, após consumir estas palavras, que lhes são entregues por meio de livros, jornais e outros, o leitor (consumidor final), também será forjado, para que saia da leitura em novo formato de humano. Albert Einstein anunciou: “A mente que se abre ao conhecimento, jamais retorna ao tamanho original”. Por isso, podemos dizer que já temos um remédio, o problema é como fazer com que o elixir da cura seja bebido.

Se tivermos mais leitores, mais literatos, mais poetas, mais escritores... é possível que tenhamos menos cegueiras, menos demências, menos brutalidades, menos problemas sociais... uma vez que, o conhecimento nos leva à reflexão e esta nos leva à consciência...

Observando a relação jovens x adultos e vice-versa, que é exibida nos jornais do cotidiano, notamos, na grande maioria, um certo estranhamento comportamental. Às vezes, há, nas pessoas, uma incapacidade de amar, de perceber o Outro, de doar-se... De certo modo, a competição ocupou o espaço do compartilhamento, gerando uma soberba brutal, capaz de rasgar a confiança. Pensando em tudo isso, lembrei-me do clássico “If” (Se), do britânico Joseph Rudyard Kipling, que, embora seja do século XIX, mostra-se tão contemporâneo e necessário. Kipling é uma sumidade em contos curtos, e foi o ganhador do Nobel de Literatura de 1907, quando estava com apenas 42 anos de idade. Mesmo após 2 séculos, suas obras, muitas vezes, ainda são incógnitas para a crítica, que busca encontrar o mundo e a sociedade descritos naquelas linhas e entrelinhas.

A tradução de “Se” que vou utilizar é do memorável poeta e artista plástico brasileiro Guilherme de Almeida: “Se és capaz de manter a tua calma quando / Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa; / De crer em ti quando estão todos duvidando, / E para esses, no entanto, achar uma desculpa; / Se és capaz de esperar sem te desesperares, / Ou, enganado, não mentir ao mentiroso, / Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares, / E não parecer bom demais, nem pretensioso; // Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires, / De sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores. / Se encontrando o infortúnio e o triunfo conseguires / Tratar da mesma forma a esses dois impostores; / Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas / Em armadilhas as verdades que disseste, / E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas, / E refazê-las com o bem pouco que te reste; // Se és capaz de arriscar numa única parada / Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida, / E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada, / Resignado, tornar ao ponto de partida; / De forçar coração, nervos, músculos, tudo / A dar seja o que for que neles ainda existe, / E a persistir assim quando, exaustos, contudo / Resta a vontade em ti que ainda ordena: "Persiste!"; / Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes / E, entre reis, não perder a naturalidade, / E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes, / Se a todos podes ser de alguma utilidade, / E se és capaz de dar, segundo por segundo, / Ao minuto fatal todo o valor e brilho, / Tua é a terra com tudo o que existe no mundo / E o que mais – tu serás um homem, ó meu filho!” (RUDYARD KIPLING).

Mas, como encontrar pessoa tão nobre em um mundo esfacelado pela incompreensão humano, pelo desamor... Onde encontrar tão digno ser, se, por vezes, dentro de nós mora o seu contrário? Quem sabe Kipling, vendo sua sociedade hodierna a tenha comparado aos seus antepassados, e daí tenha imaginado a nossa contemporaneidade, e desse medo terrível tenha extraído “Se”. Pois, sem dúvida, o mundo só será melhor se não nos corrompermos, nem mesmo em situações extremas.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.







 

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