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07/11/2019 às 08h14min - Atualizada em 07/11/2019 às 08h14min

O pequenino e bravo Enzo

ANA MARIA COELHO CARVALHO

O meu quinto neto, o primeiro rebento de minha filha e seu marido americano, veio ao mundo no Memorial Hospital, em Sacramento, Califórnia, de parto normal. O pai e eu acompanhamos tudo: as contrações, as dores, o bebê nascendo, o corte do cordão umbilical. Depois, o choro silencioso da mãe, do pai e da avó, de emoção. E o choro aos berros do bebê: de susto, de tantas mãos segurando, das dores e do esforço para nascer, do desejo premente de mamar.

Logo em seguida foi colocado durante uma hora e meia no peito da mãe, para sentir seu cheiro e sua pele. O pai, deslumbrado, queria colocar no seu peito também, mas a médica não permitiu. Esfomeado, o pequeno Enzo já começou a sugar o seio da mãe com dez minutos de vida, um verdadeiro milagre da natureza. Nos dois dias em que esteve no hospital, tentou como pôde conseguir umas míseras gotinhas do precioso líquido. Às vezes, berrava tanto que as enfermeiras, num ato de misericórdia, davam a ele uma ínfima quantidade de leite num copinho, que ele lambia como um gatinho. Além da árdua luta pelo leite, passou por uma bateria de exames e vacinas. Teste de audição, de visão, de reflexos. No teste do pezinho, furaram o pé do pequenino com uma agulha bem grossa e ele ficou dando suspiros apaixonados. O estranho é que gostavam era do bebê peladinho, só de fralda, para ele não dormir na hora de mamar. Arrancavam as roupas, apesar dos protestos do bebê. Como sempre estava mamando (ou tentando), o Enzo passou boa parte do tempo pelado. As roupas, escolhidas com carinho, voltaram como foram. Para acalmar o bebê, ensinaram a técnica de colocar o dedo indicador dentro da boca, para ele chupar. Chupeta não podia, dedão sim. Chupou o dedo da enfermeira da manhã, da enfermeira da noite, da pediatra, da mãe, do pai, da especialista em amamentação. Até preparei meu dedo também, cortei a unha e passei álcool, mas faltou coragem. Quando ele estava calminho, lá vinha a enfermeira atormentá-lo com um aparelho de última geração, que bipava e acendia uma luz infravermelha, pesquisando no corpinho dele qualquer sinal de icterícia. Além disso, o tempo todo o pequenino ficou com um aparelho preso na perninha, capaz de disparar um alarme contra roubo de bebês, caso fosse retirado do andar onde estava. Hospital de primeiro mundo é uma loucura...

O pequenino Enzo foi aprovado com bravura em todos os quesitos, alcançando nota 9,9 em uma escala de zero a dez. Só que ele não sabia que não tinha acabado, na próxima semana iriam fazer a circuncisão no pintinho dele, um costume dos americanos.

Quando recebeu alta do hospital, toda a equipe foi ao quarto dar as instruções de como cuidar do bebê. A especialista em amamentação sabia tudo sobre peito, sucção, tempo de mamada, posição correta, etc, e explicou tudinho. Quando ela saiu do quarto, a jovem mãe até chorou, ao pensar que jamais conseguiria amamentar bem. Na hora de sair, fotos do bebê peladinho, pra variar, no peito pelado do pai, deitado na cama da mãe.

Uma enfermeira acompanhou o cortejo até o carro, para certificar-se de que o pequenino ia sair bem amarradinho na cadeirinha do bebê (no colo, nem pensar). Já em casa, o pai enviou flores vermelhas para a esposa (a "minha marida", como a chamou certa vez, tentando falar português). E o Enzo dormiu feliz, de barriguinha cheia. Sobreviveu ao hospital, agora seria fácil para ele viver a vida, no que der e vier.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.








 

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