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25/09/2019 às 08h00min - Atualizada em 25/09/2019 às 08h00min

A marcha dos grilos canibais

ANA MARIA COELHO CARVALHO

O biólogo molecular Fernando Reinach, Ph.D. pela Cornell University e pesquisador da USP, escreveu o livro “A longa marcha dos grilos canibais”. É uma coletânea de quase 400 textos abordando assuntos diversos como ambiente, sexo, comportamento, política. Todos baseados em artigos científicos recentes, publicados em revistas de renome, como Nature e Science, traduzidos para uma linguagem acessível e bem humorada, sem deixar de lado o rigor científico.

Por exemplo, o texto que deu nome ao livro é baseado no artigo “Cannibal crickets on a forced march for protein and salt”. Os grilos Anabrus, que vivem nos Estados Unidos e não voam, se organizam aos milhões, em fileiras de até 10 km e avançam rapidamente, cerca de 2 km por dia. São atropelados quando atravessam as estradas e os de trás param para comer os mortos. Os que param também são atropelados e comidos pelos seguintes. Descobriu-se que a motivação que inicia a marcha é a busca por comida, principalmente sal e água. Como o corpo dos grilos é formado principalmente por estas substâncias, ocorre o canibalismo. Mesmo assim, os grilos não abandonam o bando, pois seriam comidos por pássaros. Entre o medo dos pássaros, o medo do grilo que vem atrás e a vontade de comer o da frente, o jeito é caminhar cada vez mais rápido.

No livro, os títulos dos textos são criativos, como “Caçar ratos é mais fácil que cassar ratos”; “O inimigo do meu inimigo é meu amigo”; “Uma vaca que não fica louca”. Outros instigam à leitura para saber como o autor vai conseguir ligar os fatos, como “A voz, o ciclo menstrual e as cartomantes” e “A dinâmica da obesidade e as armas nucleares”.

Entre outros assuntos, o livro mostra que, mesmo o homem tendo domesticado centenas de animais e plantas para uso próprio, está longe de controlar a natureza. Essa possui vários recursos engenhosos e sofisticados, alguns deles fantásticos. Por exemplo, mesmo as bactérias são capazes de se intercomunicar, organizar estratégias de sobrevivência e, ainda, demonstrar alguma forma de altruísmo. Até morrem sem deixar cadáver, pois uma mãe simplesmente deixa de existir se partindo em dois filhos. Já as plantas podem fazer sexo a grandes distâncias, com o pólen viajando quilômetros antes de fertilizar outra planta. Há também casos de espécies que usam incríveis estratégias de sobrevivência, como o cachorro, um parasita do afeto humano. Desde que o homem se espalhou pela Terra, os grandes carnívoros têm sofrido com nossa presença. A exceção é o cão, que entregou seu destino ao homem, seu pior inimigo, e teve a astúcia de desenvolver uma relação direta com nossa capacidade de criar laços afetivos, talvez por seu olhar meigo ou por sua capacidade de balançar o rabo.

Outro ponto forte do livro são as reflexões de como o conhecimento científico afeta nossas vidas. Por exemplo, cientistas suíços demonstraram que o cérebro, em suas escolhas, prefere utilizar informações obtidas em contato direto. Por isso, em época de campanha eleitoral, os políticos andam pelas ruas sorrindo e cumprimentando os eleitores. Na falta desse contato direto, a imagem da face passa a ser a principal fonte de informação. Daí, os candidatos fazem plástica pra ficarem mais bonitos. Assim, em tempos de eleição, é preciso ter cuidado ao escolher em quem votar. Um rosto bonito não quer dizer nada, pode estar cheio de plásticas pra fisgar o eleitor.

E se não escolhermos bem, poderemos acabar como os grilos canibais: com medo do que tem acima, ao lado, atrás, e correndo sem rumo, sem saber pra onde. Talvez pra fora do Brasil.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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