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22/08/2019 às 08h06min - Atualizada em 22/08/2019 às 08h06min

A banalidade do mal

MARIÙ CERCHI BORGES | PROFESSORA

O  livro  “ Eichmann em  Jerusalém – Um Relato Sobre A Banalidade Do Mal”, da escritora Hannah Arendt, narra episódios de um dos mais terríveis períodos da história da humanidade: o nazismo, com a cruel perseguição aos judeus , nas décadas de 1933/45. Tal livro descreve o julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém, conhecido na história como um terrível “carrasco” responsável pela morte de mais de seis milhões de judeus.

Sabendo pouco, ou quase nada sobre esse personagem histórico, comprei o livro interessada muito mais em saber como a escritora iria demonstrar, aos seus leitores, os bastidores da banalidade do mal, no julgamento de Eichmann, do que saber sobre a sua complexa personalidade. Foi este o enfoque que direcionou o meu interesse pela leitura. Personagem obscuro, contraditório e inculto que, embora leitor de Kant, demonstrava ser uma pessoa medíocre, falsa e hostil, que comete inadmissíveis crimes em circunstâncias tais que acabam por dificultar o entendimento de sua culpabilidade. Isso porque, embora tido como um criminoso perverso, não era classificado como psicopata, pois não se regozijava com o sofrimento dos condenados aos quais impunha suas sentenças de morte. Alegava sempre estar agindo em defesa própria, ou seja, CUMPRINDO RIGOROSAMENTE ORDENS. Ele próprio chegava a dizer que as cumpria de modo “cadavérico”, expressão que ele usava para definir sua obediência cega, mas foi justamente tal obediência que veio a causar um mal irreparável à humanidade. Mas,  à medida que avançava na leitura , a figura desse homem chegava a transparecer até uma certa ingenuidade, frente aos horrores e a frieza com que os praticava, e , dos quais , algumas vezes , chegava a parecer não ter noção e, muito menos , peso na consciência ( veremos mais tarde, ser esse um dos argumentos  que a autora usava para justificar a banalidade do mal).

Eichmann se encontrava num subúrbio de Buenos Aires quando foi levado, em 1960, para ser julgado em Jerusalém. Na Corte Distrital de Jerusalém, ficava estabelecido que, qualquer acusado que cometesse crimes contra o povo judeu, contra a humanidade e crimes de guerra, estaria sujeito a pena de morte, mas Eichmann se dizia inocente desses crimes. Tido como medíocre, inculto, e de pouca inteligência, ele costumava alegar sua inocência culpando sua falta de memória, pois dizia não se lembrar de nenhum fato que justificasse a sua história, mas tal memória só funcionava em benefício próprio! Justificava sua inocência dizendo nunca ter matado ninguém, apenas providenciava o transporte dos prisioneiros para os campos de concentração. Essa perfeita “logística” fazia parte do cargo que passou a ocupar em 1934, quando tornou-se empregado da “SD” e, a partir de então, submisso às ordens de Hitler, se especializou no mais terrível massacre do que era chamado de “ SOLUÇÃO FINAL”, que marcava o capítulo mais sombrio da história da humanidade. Assim, a definição de crimes contra a humanidade elaborados em Nuremberg, como atos desprovidos de humanidade, a “SOLUÇÃO FINAL” escancarava para o mundo a prática de crimes sem precedentes realizados sem nenhum propósito, cujo objetivo final era dizimar toda uma população. Interessante no julgamento, destaca a autora, era observar o orgulho que ele demonstrava de ter feito um trabalho perfeito! Eis aí, a mais pura e simples banalidade do mal.

Textualmente, escreve a autora: “Posso imaginar muito bem que uma controvérsia autêntica poderia ter surgido do subtítulo do livro, pois quando falo da banalidade do mal falo num nível factual, apontando um fenômeno que nos encarou de frente no julgamento[...] continua a autora: para falar em termos coloquiais, ele simplesmente nunca percebeu o que estava fazendo [...] foi pura irreflexão- algo de maneira nenhuma idêntico à burrice que o  predispôs a se tornar um dos grandes criminosos desta época.”

Em 1962, Eichmann foi enforcado e cremado. Suas cinzas foram jogadas no mar Mediterrâneo.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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